Abestado
Justiça eleitoral paulista inocenta Tiririca
De acordo com o juiz, "do conteúdo probatório trazido pela defesa e complementado pelo ditado simples, seguido de leitura e compreensão de texto, impõe-se a sua absolvição sumária quanto ao fato imputado no aditamento da denúncia, com fundamento no disposto no artigo 397, III do CPP (que o fato narrado evidentemente não constitui crime) (clique aqui), tornando irrelevante a investigação sobre quem, como ou em que circunstâncias a declaração que continha a afirmação de que saber ler e escrever foi produzida".
No dia 11/11, o deputado foi submetido a teste de leitura e ditado, quando demonstrou "um mínimo de intelecção do conteúdo do texto, apesar da dificuldade na escrita".
Conforme Rezende Silveira, "o acusado, com certo comprometimento de seu desenvolvimento motor, atestado por parecer técnico juntado ao ensejo da defesa, demonstrou disposição para a escrita, ainda que tenha se recusado a se submeter à colheita do material gráfico, utilizado apenas para dirimir a dúvida quanto a discrepância de grafia entre a assinatura por ele firmada e a declaração contendo a afirmação de que sabe ler e escrever, já que admitira em sua defesa que contou com o auxílio de sua esposa para firmar a declaração".
Declaração de bens
Tiririca também foi inocentado no que diz respeito à acusação de falsidade na declaração de bens apresentada. De acordo com a sentença, o acusado juntou cópia de sua declaração de imposto de renda, por meio da qual confirma que não possui bens ou direitos que configure hipótese de incidência ou valha de base de cálculo para recolhimento de imposto sobre a renda. O juiz explicou que, ainda que bens houvesse, o acusado responderia, quando muito, por sonegação fiscal e não pelo delito de falsidade ideológica para fins eleitorais.
Dados eleitorais
Tiririca foi eleito com 1.353.820 votos para o cargo de deputado Federal nestas eleições, pela coligação Juntos por São Paulo (PR / PT / PRB / PC do B / PTdoB) e será diplomado no próximo dia 17/12.
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Confira abaixo a decisão na íntegra.
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Processo nº /2009 – AÇÃO PENAL
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
Réu: FRANCISCO EVERARDO DE OLIVEIRA SILVA
Vistos.
Trata-se de ação penal que a JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL move contra FRANCISCO EVERARDO OLIVEIRA SILVA, devidamente qualificado, imputando-lhe a autoria do delito previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, por ter omitido em documento público utilizado para fins de registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral de São Paulo a existência de bens em seu nome, bem como ter inserido afirmação falsa, declarando que sabe ler e escrever.
Recebida a denúncia e aditamento (fls. 27 e 108), o réu foi citado e ofereceu resposta a denúncia e ao aditamento (fls. 130/145, acompanhada dos documentos de fls. 146/156 e 157/176, acompanhada dos documentos de fls. 177/204), por meio da qual sustenta, em suma, que os fatos narrados na denúncia e aditamento são atípicos, confirmando que não possui bens em seu nome, com a juntada de declaração de imposto de renda e que, apesar de sua dificuldade motora, sabe ler e escrever e, por isso, pugna pela rejeição da denúncia, com a absolvição sumária, de acordo com o disposto no art. 397, III do Código de Processo Penal.
Na audiência designada para colheita de material gráfico, o acusado se recusou a se submeter ao ato, mas formulou requerimento, para que na mesma oportunidade fosse submetido a teste de escrita, leitura e compreensão de texto (fls. 262/269).
Na audiência de instrução e julgamento, foram inquiridas duas testemunhas de acusação e uma de defesa (fls. 273/274, 275/279 e 280/283), seguida de audição de mídia contendo conversa telefônica mantida entre as testemunhas de acusação que foram acareadas (fls. 284/285).
O réu foi interrogado (fls. 286/288).
Os debates foram substituídos pela apresentação de alegações finais apresentada pelo Ministério Público Eleitoral a fls. 304/391, acompanhadas de parecer técnico a fls.392/421) e pela defesa a fls. 425/432.
É o relatório. D E C I D O.
É caso de reconhecer a hipótese prevista no art. 397, III do Código de Processo Penal, com a conseqüente absolvição sumária do acusado, prejudicada a alegação de cerceamento de acusação.
No que tange a acusação de falsidade ideológica, em razão de o acusado ter assinado declaração padrão, que instrui o pedido de registro de sua candidatura a deputado federal para o pleito de 2010, na qual afirma não ter bens em seu nome, além de ser genérica e não haver campo para explicitar qual o alcance jurídico do termo, nem sempre coincidente com aquela discriminação de natureza fiscal, para fins de recolhimento de imposto sobre a renda, ou meramente civil, verifica-se a ausência de elemento subjetivo do tipo previsto no art. 350 do Código Eleitoral, tornando-se atípica a conduta a ele imputada.
A denúncia veio instruída de pequena nota publicada na Revista Veja, sabe-se lá com que propósito, segundo a qual o acusado teria declarado que seus bens estariam em nome de terceiros, em razão de demanda trabalhista e de alimentos, por força de separação judicial.
A prevalecer a veracidade da notícia e seriedade de sua fonte, ante o fato de o acusado ter negado ao ensejo de sua defesa, a afirmação de que teria bens em nome de terceiro, para escapar de credores alimentares, juntando ainda prova de que não paga mais pensão alimentícia aos filhos e de não haver mais obrigação de caráter trabalhista, já se divisa que, se algum crime houve, o elemento subjetivo do tipo não se prenderia naquele insculpido no artigo 350 do Código Eleitoral, mas a outro, quando muito, vinculado a finalidade de fraudar supostos credores trabalhistas e alimentares, escapando do âmbito de competência da Justiça Eleitoral.
Ainda que assim não fosse, o acusado juntou cópia de sua declaração de imposto de renda, por meio da qual confirma que não descreve bens ou direitos que configurasse hipótese de incidência ou valesse de base de cálculo para recolhimento de imposto sobre a renda.
E ainda que bens houvesse, deve responder, quando muito, por sonegação fiscal e não pelo delito de falsidade ideológica para fins eleitorais.
A existência ou não de numerário ou declaração de rendimentos porventura percebidos pelo acusado, à míngua de não haver campo próprio na declaração padrão, para fins de registro de candidatura sobre estar ou não inserido, mostra-se irrelevante, daí porque não houve necessidade de quebra de seu sigilo bancário, adotando-se interpretação de que os bens em nome do candidato seriam aqueles conceituados para fins civis, excluindo-se desse rol mais genérico os ativos financeiros, eventuais direitos autorais ou cotas sociais de eventual empresa de sua suposta titularidade ao tempo da declaração, além de outros direitos.
E mesmo que algum bem houvesse em nome de terceiros, o elemento subjetivo do tipo não estaria presente, na medida em que, como já dito, a intenção ou finalidade se prenderia a fraudar credores e não os eleitores, sem implicar, ademais, em potencialidade lesiva.
Nesse sentido, oportuna a transcrição de ementas de julgados que se aplicam ao caso concreto:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ART. 350 DO CE. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE BENS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE POTENCIAL LESIVO AOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA NORMA PENAL ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO.
“1. Segundo a orientação das Cortes Superiores, a caracterização do delito de falsidade ideológica exige que o documento no qual conste a informação falsa tenha sido "preparado para provar, por seu conteúdo, um fato juridicamente relevante", de modo que o fato de estarem as afirmações nele constantes submetidas à posterior averiguação afasta
a possibilidade de ocorrer a falsidade intelectual (STF, RHC 43396, 1ª Turma, Rel. Min. Evandro Lins, DJ 15.2.1967, STF, HC 85976, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ 24.2.2006).
“2. Se o documento não tem força para provar, por si só, a afirmação nele constante – como ocorre na hipótese da declaração de bens oferecida por ocasião do pedido de registro de candidatura – não há lesão à fé pública, não havendo, assim, lesão ao bem jurídico tutelado, que impele ao reconhecimento de atipicidade da conduta descrita na inicial acusatória.
“3. Ademais, ainda que se pudesse considerar a declaração de bens apresentada por ocasião do registro de candidatura à Justiça Eleitoral prova suficiente das informações nele constantes, haveria de ser afastada a ocorrência de potencial lesividade ao bem jurídico especificamente tutelado pelo art. 350 do Código Eleitoral, qual seja, a fé pública e a autenticidade dos documentos relacionados ao processo eleitoral, dado serem as informações constantes em tal título irrelevantes para o processo eleitoral em si (REspe 12.799/SP, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 19.9.97)
“4. Agravo regimental não provido. (AgRREspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 36417 - São Paulo/SP - Acórdão de 18/03/2010, Relator Min. FELIX FISCHER, DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Data 14/04/2010, Página 54/55”
“RECURSO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. OMISSÃO DE BENS. CANDIDATURA. DOLO NECESSÁRIO. FINALIDADE ELEITORAL. POTENCIALIDADE DANOSA RELEVANTE. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. PRECEDENTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
“Para caracterização do crime do art. 350 do Código Eleitoral, eventual resultado naturalístico é indiferente para sua consumação - crime formal -, mas imperiosa é a demonstração da potencialidade lesiva da conduta omissiva, com finalidade eleitoral.
(ARESPE - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 28422 - Valparaíso/SP -
Acórdão de 19/08/2008, Relator Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, DJ - Diário da Justiça,
Data 12/9/2008, Página 13)”.
Por isso, quanto a essa imputação, impõe-se o acolhimento da defesa, que implica em absolvição sumária do acusado, nos termos do disposto no art. 397, III do CPP (que o fato narrado evidentemente não constitui crime).
O mesmo também se aplica a outra imputação, contida no aditamento da denúncia, segundo a qual o acusado teria inserido declaração falsa, afirmando que saber ler e escrever.
Dos conceitos que podem definir o analfabetismo, ante a valoração jurídica que envolve essa restrição posta como uma das condições negativas de elegibilidade previstas no art. 14, § 4º da Constituição Federal, afasta-se aquele denominado “analfabetismo funcional”, assim como quaisquer outros utilizados para fins educacionais, ou de adoção de políticas públicas para erradicá-lo, adotando-se interpretação não restritiva quanto a exigência constitucional para aquele que reúna outros requisitos para ser votado.
Nesse sentido a Justiça Eleitoral tem adotado o entendimento consolidado, segundo o qual basta o conhecimento rudimentar da leitura e da escrita para se afastar a condição de analfabeto, merecendo a transcrição parcial da ementa do acórdão e do voto da lavra da Relatora Suzana Camargo, proferido no julgamento do recurso cível nº 20.882 no TRE/SP, em 27.08.2004, que abordou o conceito de analfabeto e mencionou precedentes da mesma Corte, para fins de registro de candidatura e que, mesmo em sede de ação penal, por se tratar do mesmo fato, igualmente se aplica ao caso:
“EMENTA: REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. ANALFABETISMO NÃO CARACTERIZADO. PROVIMENTO DO RECURSO.
1. Tendo restado comprovado nos autos que o candidato possui a mínima capacidade de ler e escrever um texto simples, é de ser considerado como alfabetizado.
2. Comprovado, ainda, por documentos, que possui noções de leitura e escrita, no exercício de cargos que exigem conhecimento de língua pátria, não pode ser considerado analfabeto o candidato, não incorrendo assim na inelegibilidade prevista na Constituição Federal, artigo 14, § 4º, da Constituição Federal e no artigo 1º, I, “a”, da Lei Complementar nº 64/90”
(...)
“Outrossim, o requisito de alfabetização deve ser sopesado dentro de critérios mais flexíveis, isto é, desde que o candidato saiba ler e escrever com razoabilidade, cumprido está o dispositivo constitucional.
“Isto porque, analfabeto é aquele que não tem qualquer domínio das letras, não sendo de se exigir significativo grau de instrução ou, ainda, considerável nível de compreensão na leitura dos textos em vernáculo.
“Comentando esse entendimento, eis o magistério de Joel Cândido:
“Conceito. Analfabetos são os que não sabem se expressar por escrito (escrever), razoavelmente, através da Língua Portuguesa, que é o idioma oficial do Brasil, ou os que não conseguem compreender (pela leitura), também razoavelmente, o sentido de um texto escrito na mesma língua. Pouco importa se entendam ou falem bem o idioma, oralmente considerado; o que se exige é a mínima capacidade de escrever e ler um texto simples e comum.
“Comprovada a capacidade do candidato de ler e escrever, não há que se falar em inelegibilidade.” (Res. Nº 17.902, TSE, Consulta nº 12.475, Classe 10ª, Brasília, DF, 10.3.1992, in JTSE 4 (1) 329-330.). Se for apenas razoável (embora sofrível) a capacidade de expressão ou compreensão, desses eleitores, analfabetos não serão. Serão, no mínimo, os “semialfabetizados” de que nos fala o jurista Pedro Henrique Távora Niess (in Direitos Políticos – Condições de Elegibilidade e Inelegibilidades, pág. 47). É o que basta, porém, para se aceitar sua elegibilidade, como corolário prévio que é o alistamento e o voto (...)” (Inelegibilidades no Direito Brasileiro, 2ª edição, Bauru, EDIPRO, 2003, P.41/42)”
(...)
“Oportuno invocar, como precioso reforço dessa explanação, o lúcido ensinamento de José Afonso da Silva:
“O princípio que prevalece é o da plenitude dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado. A pertinência desses direitos ao indivíduo é o que o erige em cidadão. Sua privação ou restrição do seu exercício configuram exceção àquele princípio. Por conseguinte, a interpretação das normas constitucionais ou complementares relativas aos direitos políticos deve entender à maior compreensão do princípio, deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e ser votado enquanto as regras de privação e restrição hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal, segundo as boas regras de hermenêutica” (...) (DIREITOS POLÍTICOS, 2ª ED., BAURU: EDIPRO, 2000, p. 105, 108 E 110/111)”;
“No mesmo sentido, tem decidido os Tribunais Regionais Eleitorais:
“REGISTRO DE CANDIDATO – VEREADOR – INDEFERIMENTO – INELEGIBILIDADE – ANALFABETISMO (ART. 14, § 4º, CF) – INADMISSIBILIDADE. ELEITO QUE DEMONSTRA CONHECIMENTOS RUDIMENTARIES DE LINGUAGEM ESCRITA – CONDIÇÃO DE SEMI-ALFABETIZADO QUE NÃO SE CONFUNDE COM O DO ANALFABETO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. ERROS E FALTA DE DESENVOLTURA NA ESCRITA, DESDE QUE DEMONSTRADO UM MÍNIMO RAZOÁVEL, REVELA INSUFICIÊNCIA PRÓPRIA DE QUEM É SEMI-ALFABETIZADO, MAS NÃO A INEXISTÊNCIA, A CARÊNCIA TOTAL DE INFORMAÇÃO PRÓPRIA DO ANALFABETO. ESSE O SENTIDO DA INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 14, § 4º DA CF. PRECEDENTES SUCESSIVOS: REC Nº: 19590 (REC) – SP, AC. Nº 148065, DE 03/08/2004, REL.: EDUARDO MUYLAERT - REC Nº: 19643 (REC) – SP, AC. Nº 148142, DE 03/08/2004, REL.: DÉCIO NOTARANGELI - REC Nº: 19644 (REC) – SP, AC. Nº 148143, DE 03/08/2004, REL.: EDUARDO MUYLAERT - REC Nº: 19646 (REC) – SP, AC. Nº 148145, DE 03/08/2004, REL.: EDUARDO MUYLAERT.
(REC – RECURSO CÍVEL 19564 – ACÓRDÃO 148039 – RELATOR DÉCIO DE MOURA OTARANGELI – PUBLICADO EM SESSÃO, DATA 03/08/2004)
“REGISTRO DE CANDIDATO – INDEFERIMENTO – ALFABETIZAÇÃO DEMONSTRADA – RUDIMENTOS DE LEITURA E ESCRITA PRESENTES – PROVIMENTO DO RECURSO. RES. TSE 17902: “COMPROVADA A CAPACIDADE DO CANDIDATO DE LER E ESCREVER, NÃO HÁ QUE SE FALAR EM INELEGIBILIDADE” (REC – RECURSO CÍVEL 14822 – ACÓRDÃO 1358807 – RELATOR OTÁVIO H. SOUZA LIMA – PUBLICADO EM SESSÃO, DATA 14/08/2000)
“RECURSO. IMPUGNAÇÃO A REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INELEGIBILIDADE. ANALFABETISMO (ART. 14, § 4º, CF). DEMONSTRADO EM TESTE DE VERIFICAÇÃO QUE O CANDIDATO, EMBORA COM CERTA DIFICULDADE E COM GRAVES ERROS DE GRAFIA, AFASTADO RESTA O ANALFABETISMO COMO CAUSA DE INELEGIBILIDADE, POIS QUE, ENTRE NÓS, ANALFABETO AINDA É A PESSOA QUE “NÃO TEM AS LETRAS”, OU SEJA, NÃO SABE LER E ESCREVER MINIMAMENTO. RECURSO PROVIDO”
(RE – RECURSO ELEITORAL 550 – ACÓRDÃO 23929 – RELATOR DR. VALTER RESSEL, PUBLICADO EM SESSÃO,DATA 14/08/2000)
“IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. VEREADOR. INELEGIBILIDADE ARGUIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 14, PAR. 4 C/C ART. 14, PAR. 10 E 11 DA CF/88.
O ART. 14 DA CF/88, QUE SE INSERE NO CAPÍTULO IV, DO TÍTULO II, QUE TRATA DOS DIREITOS POLÍTICOS, ESTABELECE EM SEU PAR. 4, QUE ‘SÃO INELEGÍVEIS OS INALISTÁVEIS E OS ANALFABETOS’. ASSIM, TAMBÉM, DISPÕE O ART. 1º, INCISO I, DA LC 64/90.
ENTENDE-SE COMO ‘ANALFABETO’ A PESSOA QUE NÃO SABE LER E ESCREVER, SEGUNDO A DEFINIÇÃO DO MESTRE AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA. DAÍ DECORRE QUE COMPROVADA A CAPACIDADE DO CANDIDATO DE LER E ESCREVER, ATESTADA POR QUALQUER AUTORIDADE, O MESMO SERÁ CONSIDERADO ELEGÍVEL, DESDE QUE PREENCHA OS DEMAIS REQUISITOS PARA ESSE FIM EXIGIDOS. RECURSO PROVIDO.
(RE – RECURSO ELEITORAL 1932 – ACÓRDÃO 18917 – RELATOR DES. HAROLDO BERNARDO DA SILVA – PUBLICAÇÃO DJ – DIÁRIO DA JUSTIÇA, DATA 21/071994)”. (grifamos)
Como se vê, a Justiça Eleitoral tem considerado inelegíveis apenas os analfabetos absolutos, e não os funcionais e é sob essa ótica conceitual que se deve pautar o exame da afirmação contida na declaração prestada pelo acusado no processo de registro de sua candidatura, com reflexos na conduta que lhe é imputada em sede de ação penal.
E não poderia mesmo se adotar outra interpretação, notadamente porque, do contrário, seria restringir ainda mais aquela condição negativa de elegibilidade, sem considerar o perfil médio de grau educacional do povo brasileiro.
Na espécie, o acusado, com certo comprometimento de seu desenvolvimento motor, atestado por parecer técnico juntado ao ensejo da defesa, demonstrou disposição para a escrita, ainda que tenha se recusado a se submeter à colheita do material gráfico, utilizado apenas para dirimir a dúvida quanto a discrepância de grafia entre a assinatura por ele firmada e a declaração contendo a afirmação de que sabe ler e escrever, já que admitira em sua defesa que contou com o auxílio de sua esposa para firmar a declaração.
As peritas, ao ensejo da audiência realizada para esse fim, respondendo a quesito complementar formulado pelo Dr. Promotor de Justiça Eleitoral, disseram que não era possível afirmar, mesmo à vista do documento original, inserido nos autos do processo de registro de candidatura que estava à disposição do juízo, ser aquela declaração proveniente de escrita guiada e que somente com a presença da esposa do acusado para uma simulação, poderia ser obtida uma resposta mais conclusiva.
De toda a sorte, o acusado não se recusou a se submeter a um ditado simples, seguido de exercício de leitura, na mesma oportunidade da colheita do material gráfico, a requerimento da própria defesa, demonstrando ainda um mínimo de intelecção do conteúdo do texto, apesar da dificuldade na escrita.
Digno de menção que o acusado submeteu-se por duas vezes ao exercício da leitura, seguido de compreensão de texto, tendo apresentado um desempenho compatível com o déficit apontado pela fonoaudióloga Ana Alvarez, que, apesar de ter ratificado o seu parecer técnico que instrui a defesa, respondeu exaustiva, paciente e detalhadamente a todas as perguntas formuladas pelo Dr. Promotor de Justiça, fazendo questão de enfatizar que nos testes por ela aplicados o acusado teve um certo comprometimento na primeira leitura e compreensão de texto e na segunda leitura obteve maior desenvoltura de sua compreensão, o que se repetiu na audiência em que se submeteu aos dois exercícios de leitura e compreensão de texto, a afastar qualquer dúvida quanto a não ser um analfabeto absoluto, pelo menos para fins de exercício de seus direitos políticos.
Nesse sentido não há como acolher os argumentos da acusação que se pautou na premissa não adotada por estejuízo quanto a equiparar o conceito de analfabeto como condição negativa de elegibilidade prevista em norma constitucional com o conceito meramente técnico que enquadraria o acusado como analfabeto funcional, mas para outros fins.
Por essa razão, do conteúdo probatório trazido pela defesa e complementado pelo ditado simples, seguido de leitura e compreensão de texto, impõe-se a sua absolvição sumária quanto ao fato imputado no aditamento da denúncia, com fundamento no disposto no artigo 397, III do CPP (que o fato narrado evidentemente não constitui crime), tornando irrelevante a investigação sobre quem, como ou em que circunstâncias a declaração que continha a afirmação de que saber ler e escrever foi produzida.
E, mesmo que assim não fosse, as testemunhas que foram arroladas pela acusação Ciro Botelho e Victor Ferreira, inquiridas em audiência de instrução e julgamento, não tiveram o condão de sustentar o contrário e - o que é pior - mentiram em aspectos essenciais para esclarecimento das circunstâncias em que a matéria jornalística que embasa a denúncia se deram.
Ciro Botelho negou que tivesse afirmado, em conversa telefônica mantida com Victor Ferreira, que o acusado não sabia ler e escrever, esclarecendo ser prática comum dos artistas, antes da gravação de cenas, que sejam auxiliados por outras pessoas, “passando-lhes o texto”, o que teria se dado da mesma forma com o acusado em ocasiões que presenciara no passado.
Porém, em sede de audição da mídia contendo a conversa telefônica, reproduzida em “pendrive” e depois em “cd” (este juntado aos autos), seguida de acareação, confirmou o que dissera no seu depoimento, esclarecendo apenas que seu interlocutor (Victor Ferreira) não se identificara como repórter da Revista Época, pensando que se tratava de outra pessoa com o mesmo nome, ligado ao meio humorístico.
Na aludida audiência de audição da mídia e ouvindo novamente o trecho da conversa telefônica, este magistrado identificou que a testemunha Ciro Botelho inicialmente respondeu a pergunta formulada pelo seu interlocutor (se o Tiririca sabia ler e escrever) utilizando o termo “SABE!”, para imediatamente afirmar que ele (o acusado) não sabia ler e nem escrever.
Da impressão subjetiva pelos sentidos limitados deste magistrado, mas com o emprego de “escuta dinâmica”, suficientes para a formação de seu convencimento, denota-se que a primeira resposta se deu em tom aparentemente irônico, em uma conversa despreocupada, completamente divorciada do teor da matéria jornalística que instruiu a denúncia, dando a impressão que a testemunha Ciro Botelho estaria, com aquela afirmação, querendo chamar para si a autoria exclusiva da redação e adaptação das piadas publicadas em livro e que o acusado não teria condição de escrevê-lo sozinho, o que explica ter, em seguida, afirmado que “Tiririca” não sabia ler e escrever.
Vale dizer: a testemunha Ciro Botelho foi pega em verdadeira “armadilha” do repórter, mediante ardil de duvidoso apuro ético, na sanha de extrair resposta induzida, para produzir a matéria jornalística e suscitar aos futuros leitores o sabor da especulação e da dúvida quanto a ser o acusado um analfabeto.
Ciro Botelho, ao ratificar o seu depoimento, ao ensejo da acareação, cometeu falso testemunho, pois, apesar de fora do contexto, afirmou, de forma irônica, maliciosa e leviana, que o acusado não sabia nem ler e nem escrever, como constou da matéria jornalística, prestando um grande desserviço tanto para a Justiça Eleitoral como principalmente para a sociedade, que tem direito a informação segura a respeito de fatos relevantes, relacionados às condições de elegibilidade do candidato a deputado federal, mas sem o direito a constrangê-lo pela invasão de sua privacidade, com violação dos direitos de personalidade a que todos, sem exceção, fazem jus.
Assim como Ciro Botelho, Victor Ferreira, que também ratificou o seu depoimento, ao ensejo da acareação, cometeu falso testemunho, ao afirmar em juízo que teria se identificado como repórter tanto em um primeiro telefonema não atendido por Ciro Botelho como na conversa telefônica por ele gravada, pois também não se identificara como tal.
Diante daquele contexto da conversa telefônica mantida entre Ciro Botelho e o repórter Victor Ferreira, era de ser exigir deste, por dever de lealdade profissional e comportamento minimamente ético, que se identificasse, mas não o fez. Assim agindo, externou ardil de cunho leviano e malicioso, sem se dar ao cuidado de, na mesma conversa, para que não houvesse dúvida, indagasse uma vez mais se o “Tiririca” sabia ou não ler e, perante o juízo, procurou alterar a verdade de tal contexto, a fim de justificar a seriedade da apuração jornalística dos fatos, a configurar o delito de falso testemunho.
Diante do exposto, com fundamento no disposto no art. 397, III do Código de Processo Penal, absolvo sumariamente FRANCISCO EVERARDO DE OLIVEIRA SILVA, melhor qualificado a fls. 286, das acusações que lhe foram imputadas.
P.R. e I. Com o trânsito em julgado, extraiam-se cópias desta sentença; da denúncia e aditamento; dos depoimentos da testemunhas Ciro Botelho e Victor Ferreira; do termo de audiência para verificação da mídia e acareação; da mídia contendo a conversa telefônica e encaminhem-se a autoridade policial, para fins de instauração de inquérito policial, com apuração do delito de falso testemunho.
ALOÍSIO SÉRGIO REZENDE SILVEIRA
Juiz Eleitoral
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