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Lei de recuperação de falência é discutida no Congresso Internacional de Direito Empresarial, organizado pelo INRE

A lei de recuperação e falências completou cinco anos de vigência neste mês com saldos positivos para empresas e para o Judiciário. No entanto, após esse período, desembargadores do TJ/SP afirmaram, durante o recém-promovido Congresso Internacional de Direito Empresarial : Os Cinco Anos da lei de recuperação e falências, que a lei precisa de mudanças para melhorar, ainda mais, o processo e que permitam abranger um número maior de categorias empresariais, passando pela pequena, média e grande, além do produtor rural.

21/6/2010

Lei de recuperação e falência

Lei de recuperação de falência é discutida no Congresso Internacional de Direito Empresarial, organizado pelo INRE

A lei de recuperação e falências (clique aqui) completou cinco anos de vigência neste mês com saldos positivos para empresas e para o Judiciário. No entanto, após esse período, desembargadores do TJ/SP afirmaram, durante o recém-promovido Congresso Internacional de Direito Empresarial : Os Cinco Anos da lei de recuperação e falências, que a lei precisa de mudanças para melhorar, ainda mais, o processo e que permitam abranger um número maior de categorias empresariais, passando pela pequena, média e grande, além do produtor rural.

Para o desembargador Carlos Henrique Abrão, do TJ/SP, a lei exige que seja apresentado um plano de recuperação antes mesmo do diagnóstico da crise na empresa. "Isso é o inverso do que é visto em outras legislações no mundo, além disso, como é possível apresentar um planejamento sem determinar os motivos que levaram a companhia àquela situação", indagou. Outro ponto destacado pelo desembargador foi a situação do passivo que deveria estar no início do processo, diferentemente do que ocorre na atual legislação.

O desembargador Ricardo José Negrão Nogueira, do TJ/SP, sugere que deveria ser incluída na lei uma categorização de créditos, como existe nas legislações da Argentina e Espanha, por exemplo. "Isso possibilitaria reunir os créditos com similaridades, minimizando os conflitos de interesse dentro do processo recuperatório", afirmou. Negrão ainda ressaltou que as empresas em recuperação precisam de ativos para que possam sair de uma crise, mas o que é visto, atualmente, é um bloqueio de créditos para essas companhias.

Outra crítica à lei de recuperação e falências apresentada pelo professor de Direito Civil e Recuperatório da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Flavio Galdino, refere-se à dificuldade de aplicação da lei em comarcas longínquas. "Além da falta de um administrador competente, o custo pode ser muito elevado, inviabilizando qualquer possibilidade de recuperação", ressaltou. "Determinados tipos de litígio deveriam ser direcionados para a capital do Estado onde ocorreu a ação ou para o Distrito Federal", acrescentou.

No entanto, a lei tem seus pontos positivos, segundo o presidente da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falência da OAB/SP, Luiz Antônio Caldeira Miretti. "Os credores tornaram-se os agentes principais no processo de recuperação, o que levou os devedores a encará-los de uma nova maneira. Além disso, a lei está deixando no mercado apenas as empresas viáveis para a recuperação, retirando as inviáveis", explicou.

Conflitos de competência

"O sistema bancário deve ter papel mais ativo na recuperação das empresas em dificuldades, dando crédito a negócios ainda viáveis, que passam por obstáculos financeiros contornáveis", disse a ministra Nancy Andrighi, do STJ. De acordo com a ministra, a retenção de bens das empresas, por parte dos bancos, prejudica a recuperação. "São as empresas que criam os empregos, que pagam o grosso dos tributos que financiam toda a sociedade. Portanto, devem ser recuperadas e não apenas ganhar sobrevida".

Nancy Andrighi disse que existem alguns pontos polêmicos em relação à lei, apesar de sua vigência de cinco anos, especialmente em relação à competência entre a Justiça do Trabalho e a comum, mas que o STJ tem sido fiel na aplicação da lei. No final, elogiou a criação de varas especializadas na condução de falências e recuperações judiciais em alguns estados. "A especialização é o caminho mais viável para viabilização da recuperação de empresas".

Para o ministro Sidnei Beneti, do STJ, os conflitos de competência, principalmente entre os entendimentos de juízes trabalhistas e falimentares, atrasam a tramitação dos processos. No entanto, o ministro pediu um crédito de confiança ao STJ. "Já existem 33 teses jurídicas que caminham para a jurisprudência estável", reiterou.

Beneti disse que o número de processos sobre recuperação de empresas não é tão significativo entre os 380 mil em julgamento no STJ, "mas com certeza são agudos em termos de conseqüências para toda a sociedade". O ministro também elogiou a criação de varas especializadas. "A especialização nos tribunais confere mais rapidez aos julgamentos".

Sobre os conflitos de competências, o juiz Homero Batista Mateus da Silva, da 88ª vara do Trabalho de São Paulo, mostrou que um dos responsáveis por essa divergência entre as varas trabalhistas e falimentares é a falta de comunicação. "É imprescindível que haja mais interação e comunicação para que o entendimento alcance um senso comum", explicou.

Outro ponto de divergência entre as varas é a definição do grupo econômico. "Para nós, um grupo econômico não é apenas o nome na junta comercial, mas tudo o que envolve o cenário de trabalho, sendo mais abstrato", ressaltou.

Conflito entre credores e devedores

O presidente do TRT da 2ª região, Décio Daidone, disse no painel sobre os credores e devedores na recuperação judicial, que a lei deve se adaptar melhor às necessidades do Direito do Trabalho. "A apuração do débito da empresa com o trabalhador tem que ser feito na Justiça do Trabalho. Temos que preservar o bem mais sagrado do trabalhador, que é o sustento de sua família".

Luiz Roberto Ayoub, da 1ª vara de Direito Empresarial do TJ/RJ, disse que a lei foi pintada com tinta econômica. "Mas ela tem que ser vista pela ótica econômica, empresarial, política e jurídica. Se uma empresa em dificuldades for viável, temos de encontrar meios para salvá-la". O juiz defende a eliminação da sucessão fiscal e trabalhista. "Nenhuma empresa se sustenta com bloqueios diários de suas contas", afirmou.

Marcos Lisboa, vice-presidente do Itaú-Unibanco, disse que quanto mais se protege a empresa em dificuldade, maior o custo dos créditos. "Essa proteção prejudica não apenas as empresas devedoras, mas especialmente as saudáveis. E são elas que também pagarão a conta se houver flexibilização da Lei, como a abolição da trava bancária".

O advogado Cristiano Imhof, especializado em recuperação de empresas, disse que a lei é falha, tem lacunas, mas que a Justiça tem ser sensível à manutenção da empresa e do emprego. "Existem sérios conflitos entre a Justiça comum e a Justiça do Trabalho. Não há clarividência de quanto termina a competência de uma e começa a da outra".

Má-fé

Araken de Assis, desembargador aposentado do TJ/RS, elogiou a redação do novo CPC, em tramitação no Senado, no último dia do Congresso Internacional de Direito Empresarial. Mas disse que a prova de má-fé nos processos de recuperação de empresas continuará tendo dupla interpretação. "Será que é preciso algo mais, uma ciência para determinar a fraude?", perguntou. De acordo com ele, o CPC é um "código moralista e precisa fechar a porta para a má-fé".

Ainda sobre fraudes na lei de recuperação e falências, a procuradora de Justiça, Selma Negrão Pereira dos Reis, do MP/SP afirmou que existem dificuldades para a apuração desse tipo de operação. "Muitas vezes não há informações ou não temos acesso às provas, documentos, perícias e auditores", relatou.

Lei de Recuperação e Falências no mundo

O modelo norte-americano, segundo Robert Drain, juiz Federal do U.S. Bankruptcy Court Southern District of New York, tem a vantagem de lastrear concordatas e antecipação de créditos e financiamentos. Apresenta menos conflitos e pouco recurso processual e tem mais êxito na recuperação do que na quebra de empresas.

Para Michael Schillig, professor de Direito Concursal do King’s College, de Londres, a lei inglesa caminha no sentido do common law. Tem natureza mais prática do que teórica. Tem menos riscos em relação à contribuição do sistema financeiro para empresas em crise.

Phillipe Peyramaure, presidente da Féderation Nationale pour le Droit de l’Entreprise, de Paris, disse que a lei francesa foi alterada várias vezes e está sob cuidado do tribunal do comércio, com pessoal especializado em detectar crise nas empresas. Existe estado de insolvência.

Já o modelo alemão, de acordo com Heinz Vallender, presidente da Corte de Recuperação e Falências de Colônia, é ágil na administração e protelação. Se a empresa não for viável, decreta-se a quebra. Dependendo da situação, tem menor ou maior ingerência do Estado.

Legislação modelo para insolvência em múltiplas jurisdições

"É muito difícil encontrar uma solução única em casos de insolvência envolvendo mais de um país que atendam os interesses dos credores locais", afirmou a juíza María Elza Uzal, presidente da câmara Nacional de Apelaciones en lo Comercial de la Capital Federal de Argentina, Buenos Aires. "Cada jurisdição possui uma lei e, na maioria das vezes, ela não é compatível, o que resulta em avaliações e entendimentos diferenciados entre as cortes", justificou.

Para uma harmonização entre os processos existentes, Uzal acredita que a cooperação seja a única saída. "A crise internacional mostrou como as empresas são globais por isso as cortes precisam trabalhar em conjunto para que o processo central seja regulado de forma eficiente, atendendo as múltiplas partes envolvidas e, também, os outros processos decorrentes do pedido de insolvência", declarou.

Nesse sentido, o promotor de Justiça, Eronides dos Santos, da Promotoria das varas de Falência do MP/SP, falou sobre o arresto das aeronaves da Varig nos Estados Unidos que foi resolvida por meio de uma diplomacia judiciária entre juízes de falência do Rio de Janeiro e a corte de falências de Nova York. "Havia uma situação de conflito entre as duas cortes, mas nesse caso, houve uma compreensão por parte da Justiça americana após as considerações feitas pelos juízes brasileiros", explicou.

O promotor ainda comentou sobre o modelo legislativo internacional criado pela UNCITRAL – Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional para ser adotado em diversas nações sem ferir a unidade de cada uma delas. O modelo, que visa atender demandas comerciais internacionais buscando solucionar as complexas questões que norteiam os concursos internacionais, é adotado por 19 países na atualidade. "É chegada a hora de se discutir no Brasil um modelo de lei de insolvência multijurisdicional que concilie, entre as diversas legislações falimentares internacionais, um direito falimentar único, assegurando a continuidade das relações comerciais internacionais", diz Eronides.

Agronegócio

O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócios da FGV/SP, depois de mostrar a importância do agronegócio na economia brasileira – R$ 76,5 bilhões, ou 26,5% do PIB – criticou a falta de governança para solucionar a trombada existente entre a globalização e a economia verde e de instrumentos para o Brasil suprir a enorme demanda por alimentos no mundo, hoje com mais de um bilhão de famintos. "Temos um avião pronto para ser pilotado", afirmou.

Rodrigues também pediu solução mais rápida para os agricultores endividados em razão da crise de 2004/2006, quando a agricultura perdeu 28 milhões de toneladas e os custos foram às alturas. "O processo de endividamento ainda não está totalmente resolvido", disse.

O vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Luiz Carlos Pinto Guedes, também ex-ministro, fez coro com Rodrigues. "A crise de 2004/2006 gerou passivos que perduram até hoje. Se não houver incentivos para os agricultores, a crise da agricultura brasileira será permanente".

Segundo Euclides Ribeiro, advogado especializado em agricultura, parte do problema desse passivo vem da falta de conhecimento sobre agronegócios. "Precisamos sair daqui conscientes de que os agricultores, sejam pessoas físicas ou jurídicas, têm capacidade de se valer da recuperação judicial. E a solução tem que ser regulada pelo mercado".

Encerramento

"O segredo fiscal é um tema que ainda gera muitas controvérsias. Os segredos do ser são aqueles absolutos, pessoais, que devem ser mantidos em silêncio, enquanto os segredos do ter, que se adquire, como um bem, por exemplo, podem ser relativizados, mostrados em circunstâncias específicas, mas sempre nos estritos casos previstos na lei", afirmou a ministra Carmen Lúcia, do STF, na palestra magna de encerramento do Congresso, ao falar sobre sigilo fiscal e bancário na visão do STF. Ela estava acompanhada do presidente do INRE, Keyler Carvalho Rocha.

De acordo com a ministra, o sigilo bancário e fiscal é um direito constitucional, mas a transparência das relações que existem hoje contradiz com esse direito. "Vivemos uma fase de celebridades. Muitos querem manter intactos seus segredos, mas fazem de tudo para mostrar os segredos dos outros". O sigilo fiscal de uma empresa, diz Carmen Lúcia, numa época de tecnologia avançada, é de conhecimento do sistema bancário, do fisco, "mas o que tem que ser preservado é a sua divulgação".

A ministra disse que o sigilo é para resguardar a idoneidade, a integridade e a individualidade de pessoas e empresas, e não pode ser usado para esconder as estripulias, as fraudes. Apesar de dizer que os juízes, assim como os advogados, fazem Direito e não milagres, Carmen Lúcia disse que o STF ajudou a mudar o Brasil para melhor nos últimos 20 anos. "É preciso que cada brasileiro se sinta responsável pela CF/88, com seus direitos e deveres", concluiu.

Promovido pelo INRE - Instituto Nacional de Recuperação Empresarial, o Congresso Internacional de Direito Empresarial: Os Cinco Anos da Lei de Recuperação e Falências foi realizado em São Paulo, entre os dias 10 e 12 de junho e teve patrocínio da Petrobrás, BM&FBovespa, Banco ItaúUnibanco, BRFoods e ERS, e apoio especial da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Escola Nacional dos Magistrados, da OAB/SP e do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.

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