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A guerra fiscal e a não-cumulatividade do ICMS

Não abraçamos, nem de muito longe, a idéia de que a chamada "Guerra Fiscal" seria um fato consumado, com o qual deveríamos conviver, aceitando-o como conseqüência inevitável das características de uma Federação arquitetada sobre diferenças geográficas e econômicas tão marcantes como aquelas dos Estados brasileiros.

19/1/2005

A guerra fiscal e a não-cumulatividade do ICMS


Luiz Fernando Mussolini Júnior*

Não abraçamos, nem de muito longe, a idéia de que a chamada "Guerra Fiscal" seria um fato consumado, com o qual deveríamos conviver, aceitando-o como conseqüência inevitável das características de uma Federação arquitetada sobre diferenças geográficas e econômicas tão marcantes como aquelas dos Estados brasileiros.

Assim não admitimos, porque, como antigo operador do direito, temos plena convicção da acintosa inconstitucionalidade, aliás, muitas vezes já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que vem contida nas iniciativas unilaterais dos Estados e do Distrito Federal em conceder benesses fiscais para atrair investimentos. Estamos conscientes de que tais programas de estímulos representam violenta agressão ao sistema jurídico posto, a par de que, como cidadãos, somos sabedores dos danos que esses artificialismos geram as finanças públicas, em prazo mais longo e no contexto macroeconômico, bem ainda do desequilíbrio injusto e predatório que trazem para a livre concorrência entre os agentes privados da economia.

Essa postura poderia nos conduzir, a mim e a nós todos, a ver legitimada a atitude de reação agora assumida pelo Estado de São Paulo. Seria apenas mais um dos intermináveis episódios do conflito tributário.

Com efeito, não há como negar que a medida consubstanciada no Comunicado CAT nº 36 tem justificativas políticas de sobra. Todavia, temos sérias dúvidas sobre a validade da atitude da Administração Fazendária Paulista, isto em termos estritamente de direito.

Num primeiro lance, parece-nos que se quer combater inconstitucionalidades, com a adoção de procedimento que pode ser considerado desconforme às normas maiores do ordenamento. Explicamos.

Somos de opinião que a circunstância de que um estímulo tributário deferido à uma empresa localizada fora do Estado de São Paulo tenha sido concebido à margem do sistema jurídico, não pode ter como conseqüência a restrição ao direito ao crédito do ICMS debitado no documento fiscal e pago pelo adquirente da mercadoria ou tomador do serviço, isto sob pena de se fazer letra morta a norma constitucional maior da não-cumulatividade do tributo, posta no art. 155, I, da Carta Política de 88, com as exceções estampadas no inciso II do mesmo artigo.

É verdadeiro que a Lei Complementar nº 24/75 prevê que a outorga de benefícios ou incentivos fiscais está vinculada à sua aprovação através de convênio entre as unidades federadas, e que, nos termos do § 1º do seu artigo 8º, a não observância dessa forma acarreta, cumulativamente, a nulidade do ato concessório e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria (à época não havia a incidência sobre serviços), e, mais ainda, e exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do crédito correspondente.

Todavia, em nosso entendimento, tanto não dá estofo ao artigo 36, parágrafo 3º, da Lei Estadual nº 6.374/89 (em que busca supedâneo o Comunicado CAT nº 36/04), segundo o qual não se considera cobrado. Para fins de crédito posterior, o ICMS destacado em documento fiscal que corresponder à vantagem econômica decorrente de qualquer subsídio, benefício ou incentivo fiscal concedido em desacordo com dispositivo da Constituição Federal.

Impossível negar, dentro de nosso sistema jurídico, que a nulidade e a conseqüente ineficácia do ato concessório do estímulo fiscal, e as implicações dessas máculas, hão que ser previamente reconhecidas pelo Poder Judiciário, mais precisamente pelo Supremo Tribunal Federal, que tem competência exclusiva de controle concentrado de constitucionalidade dos atos legislativos estaduais, entre outros.

Em outras palavras: o fato, mesmo que notório, de o benefício ser concedido unilateralmente por uma certa unidade da Federação, não tem, de per si, o condão de tornar ilegítimos os créditos a que têm direito os adquirentes das mercadorias e tomadores de serviços situados em unidades federativas.

Por esse exato motivo é que o Estado de São Paulo vem buscando a decretação da inconstitucionalidade de várias legislações de diversos Estados e do Distrito Federal, como se vê do próprio Anexo I do Comunicado CAT nº 36/04, mostrando-se, por essa mesma razão, claramente contraditórias as disposições do referido ato administrativo, projetadas na direção de invalidar automaticamente, mecanicamente, os créditos do ICMS pago a fornecedores e prestadores de serviços de tais unidades, pois essa providência afronta o direito à não-cumulatividade do imposto, que há de ser respeitado até que a norma instituidora do estímulo, que ingressou validamente no sistema jurídico, dele seja extirpada pelo reconhecimento, pelo STF, da sua incompatibilidade com as regras maiores da Constituição Federal.

Em conclusão, temos que os contribuintes paulistas, na hipótese de serem atingidos pelas determinações do Comunicado CAT nº 36/04, poderão sustentar, diante das instâncias administrativa e judicial, o direito à apropriação e mantença integral dos créditos que forem impugnados pelo Fisco, salvo se decorrentes de operações ou prestações beneficiadas por regras já julgadas inconstitucionais.

Lembramos, por fim, que o encaminhamento do tormentoso problema da "Guerra Fiscal" parece ir no sentido de convalidação legislativa dos incentivos até agora conferidos à margem da Lei Complementar nº 24/75, e de sua limitação no tempo, provavelmente há dez anos.
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*Advogado e contabilista, sócio-diretor de Piazzeta, Boeira, Rasador e Mussolini Advocacia Empresarial






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