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Provas digitais - Geolocalização: Processo do trabalho

TST valida uso de geolocalização como prova digital na jornada de bancário, suscitando debate sobre privacidade e proteção de dados.

21/6/2024

Em 17/5/24 foi publicada notícia no site do TST, referente ao julgamento proferido nos autos do processo ROT-23218-21.2023.5.04.0000. 

A matéria foi intitulada “TST valida geolocalização como prova digital de jornada de bancário”, sendo nela indicado que “o processo ficará em segredo de justiça”. Com efeito, o acesso ao conteúdo do acordão, quando de sua publicação, não será franqueado.  

A questão em análise decorre da quebra de sigilo de dados por intermédio de tecnologias GPS, Bluetooth, sinal Wi-Fi, torres de celular e outras, com a finalidade de buscar o histórico de localização geográfica de determinada pessoa.

A utilização da prova digital de geolocalização no processo do trabalho tem gerado grandes controvérsias, no que diz respeito às interpretações de disposições previstas em nossa legislação, notadamente constitucionais.

Uma corrente é contrária ao fundamento principal de que a utilização desse meio de prova viola os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade (art. 5º, X, da CF), bem como o de sigilo e proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais (art. 5º, XII e LXXIX, este último com redação dada pela Emenda Constitucional 115/22). 

E, ainda, entendem que vulnera a lei 13.709/18 - LGPD – ao estabelecer que a proteção dos dados pessoais tem como fundamento o respeito à privacidade e à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (art. 2º, incisos I e IV), salvo em caso de consentimento do titular (art. 7º, I).

Para outra corrente o deferimento desta prova, que é mais um meio de busca da verdade real será permitido, quando a parte assim requerer. 

O consentimento do titular é dispensável nos termos do art. 7º, VI, da lei 13.709, se o acesso aos seus dados pessoais objetivarem "o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral”.

Sustentam que a vedação da prova não poderá prevalecer, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, consagrados nos incisos LIV e LV, do art. 5º, da Constituição Federal. 

Asseveram também que o art. 765, da CLT, assegura aos julgadores “ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas” e o art. 369, do CPC, preconiza que “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.” Exemplificativamente, confira-se a seguinte decisão:

NULIDADE DO JULGADO. PROVA DIGITAL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. CONFIGURAÇÃO. Configura cerceio de defesa o indeferimento de produção de prova digital (posts de geolocalização), quando a discussão dos autos envolve matéria controvertida, relativa à ultrapassagem da jornada de trabalho sem a anotação respectiva, desconsiderando os controles de ponto que contemplam registros após o horário declinado na inicial. Assim, devem os autos retornar à instância de origem para reabertura da instrução processual e prolação de nova sentença. (Acórdão TRT-11 - 2632420215110015, publicado em 18/8/22).

Já a corrente intermediária posiciona no sentido de que o deferimento desse meio de prova deve ser avaliado caso a caso, resguardando-se ao máximo os direitos à privacidade e à intimidade daquele, cuja prova será produzida, razão pela qual o seu uso não deve ser autorizado de forma indiscriminada ou sem uma plausível justificativa.

Nessa hipótese, recomenda-se que a prova seja adotada excepcionalmente, esgotandose a utilização de outros meios legais e legítimos para fazer prova da pretensão buscada, sendo mantido o processo em segredo de justiça, naturalmente. 

Nessa linha é o que pode ser deduzido do seguinte jugado:

PROVA. GEOLOCALIZAÇÃO DO TRABALHADOR. JORNADA DE TRABALHO. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LEI Nº 13.709 /2018). A prova que se pretende produzir com a "geolocalização" do trabalhador consiste "dado pessoal" que, nos termos do art. 5º, I, da lei 13.709/18 é a "informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável". De acordo com o art. 7º, I, da lei 13.709/18, o fornecimento dos dados pessoais somente poderá ser realizado, mediante o expresso consentimento do titular, o que, no caso, não se confirmou. O consentimento do titular será dispensável, em tese, nos termos do mesmo art. 7º, IV, da referida lei, se o acesso aos seus dados pessoais objetivarem "o exercício regular de direitos" do reclamado. Não haverá, entretanto, exercício regular de direitos do reclamado sobre a geolocalização do trabalhador para aferição da jornada de trabalho, por ausência de previsão legal, porque a lei trabalhista prevê que se comprove jornada de trabalho por meio de "registro manual, mecânico ou eletrônico" (CLT, art. 74, § 2º). Nesse sentido, inclusive, é a súmula 338 do TST. Se o acesso a dados pessoais do reclamante não permite o exercício regular de direitos do reclamado, não é possível o deferimento da prova requerida, sob pena de violação ao art. art. 7º, VI, da lei 13.709/18. (Acórdão TRT-9 - Recurso Ordinário Trabalhista: ROT 295520195090019, publicado em 5/7/23). (Destacamos).

Retornando à notícia publicada em 17/5/24, nela foi realçado que no julgamento, “por maioria de votos, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do TST cassou liminar que impedia que o Banco Santander S.A. utilizasse prova digital de geolocalização para comprovar jornada de um bancário de Estância Velha/RS”, que segundo o Banco exercia o cargo de gerente e, portanto, não estava sujeito ao registro da jornada de trabalho.

Consta da matéria que o ministro relator Amaury Rodrigues “considerou a geolocalização do aparelho celular adequada como prova, porque permite saber onde estava o trabalhador durante o alegado cumprimento da jornada de trabalho por meio do monitoramento de antenas de rádio-base. A medida é proporcional, por ser feita com o menor sacrifício possível ao direito à intimidade. O ministro lembrou que a diligência coincide exatamente com o local onde o próprio trabalhador afirmou estar, e só se poderia cogitar em violação da intimidade se as alegações não forem verdadeiras. Quanto à legalidade da prova, o relator destacou que não há violação de comunicação, e sim de geolocalização. “Não foram ouvidas gravações nem conversas”, ressaltou. Em seu voto, o ministro lembra que a Justiça do Trabalho capacita os juízes para o uso de tecnologias e utiliza um sistema (Veritas) de tratamento dos relatórios de informações quanto à geolocalização, em que os dados podem ser utilizados como prova digital para provar, por exemplo, vínculo de trabalho e itinerário ou mapear eventuais “laranjas” na fase de execução.

Ficaram vencidos os ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Dezena da Silva e a desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, sendo destacado que “para Veiga, a prova de geolocalização deve ser subsidiária, e não principal. No caso, ela foi admitida como primeira prova processual, havia outros meios menos invasivos de provar as alegações do empregado. Na sua avaliação, as vantagens da medida para provar a jornada não superam as suas desvantagens. “A banalização dessa prova de forma corriqueira ou como primeira prova viola o direito à intimidade”, concluiu”.  

O tema, portanto, é bastante delicado, sendo que várias outras discussões ocorrerão. E devido às questões de natureza constitucional envolvidas e relativas aos direitos fundamentais da pessoa humana inerentes à privacidade e à intimidade, competirá ao STF apaziguar as controvérsias.

Orlando José de Almeida
Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

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