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Multipropriedade: Revolução imobiliária ou risco jurídico?

A multipropriedade imobiliária avança no Brasil, exigindo segurança jurídica e adaptação dos cartórios para evitar litígios.

sábado, 22 de março de 2025

Atualizado em 21 de março de 2025 13:34

Multipropriedade imobiliária: O novo ouro dos cartórios ou a nova "Bomba Jurídica" do mercado?

Introdução

A multipropriedade imobiliária tem sido apontada como uma das maiores inovações do mercado imobiliário brasileiro nos últimos anos. Seu crescimento acelerado foi impulsionado pela lei 13.777/18, que trouxe maior previsibilidade ao modelo, permitindo que múltiplos proprietários compartilhem um mesmo imóvel de forma regrada e escalável. No entanto, apesar dos avanços regulatórios, a prática revela desafios que vão além do texto normativo, envolvendo complexidades registrais, conflitos judiciais e riscos ainda não totalmente mapeados pelo setor.

Em artigo anterior publicado no Migalhas (Multipropriedade imobiliária e registro de imóvel: segurança e desafio), analisamos os principais aspectos do regime jurídico da multipropriedade e sua recepção pelos cartórios de registro de imóveis. Agora, neste novo estudo, ampliamos a abordagem para explorar questões ainda mais profundas: quais são as reais dificuldades enfrentadas pelos registradores? A segurança jurídica desse modelo é sustentável a longo prazo? O Judiciário já começou a delimitar parâmetros para sua interpretação?

Este artigo se propõe a ir além do diagnóstico inicial, analisando como os cartórios estão lidando com os registros de multipropriedade, quais problemas jurídicos já surgiram e se esse modelo representa uma tendência irreversível ou uma possível bolha imobiliária prestes a estourar.

O crescimento da multipropriedade: Mercado e registros

O crescimento da multipropriedade imobiliária no Brasil não é um fenômeno isolado, mas sim uma tendência consolidada no mercado internacional, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. A ideia de compartilhar um imóvel por frações de tempo tem atraído investidores e consumidores que desejam acesso a bens de alto padrão sem arcar com os custos totais de sua manutenção.

Esse modelo ganhou respaldo no ordenamento jurídico brasileiro com a lei 13.777/18, que trouxe segurança jurídica para a comercialização e o registro desse tipo de propriedade. Antes da regulamentação, as frações de tempo eram organizadas de maneira precária por meio de contratos particulares, o que muitas vezes gerava conflitos entre multiproprietários, incertezas quanto à posse e dificuldades na alienação da fração adquirida. Com a nova legislação, a multipropriedade passou a ser reconhecida como um regime de condomínio especial, no qual cada titular possui uma unidade periódica autônoma, registrada individualmente na matrícula do imóvel.

Impacto da multipropriedade nos cartórios de registro de imóveis

A introdução desse novo regime no ordenamento jurídico trouxe desafios significativos para os Cartórios de Registro de Imóveis, que tiveram que adaptar seus procedimentos para lidar com a nova complexidade registral. A qualificação dos títulos de multipropriedade exige uma análise detalhada das convenções condominiais, da estrutura jurídica do empreendimento e das cláusulas que regem o uso e a alienação das frações de tempo.

Além disso, a necessidade de um administrador comum - que atua como um síndico do condomínio e coordena a gestão das unidades periódicas - tornou o registro ainda mais complexo. O cartório não apenas registra a multipropriedade, mas também desempenha um papel essencial na verificação da legalidade das disposições contratuais e na garantia da publicidade e segurança dos atos registrais.

De acordo com Caio Ivanov, o reconhecimento da multipropriedade como um modelo jurídico válido trouxe uma série de vantagens para o mercado imobiliário, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos dos adquirentes e à transparência das operações. A possibilidade de registro oficial no Cartório de Imóveis garante que cada fração de tempo tenha um reconhecimento formal, permitindo que os proprietários possam alienar, ceder ou alugar suas cotas sem os entraves jurídicos que existiam anteriormente.

A multipropriedade e os desafios jurídicos ainda presentes

Apesar da regulamentação, a multipropriedade ainda enfrenta lacunas na legislação e desafios práticos, especialmente no que se refere:

  1. À administração dos imóveis: A figura do administrador comum é essencial para a gestão da multipropriedade, mas sua atuação pode gerar conflitos entre os cotistas. A falta de regras mais detalhadas sobre suas responsabilidades e poderes pode resultar em litígios.
  2. Ao pagamento de encargos e tributos: A divisão das despesas condominiais e dos tributos imobiliários entre os multiproprietários nem sempre é pacífica. Há discussões sobre a possibilidade de execução individualizada de dívidas de condôminos inadimplentes e sobre a responsabilidade solidária dos demais multiproprietários.
  3. À fiscalização do uso e manutenção do imóvel: Como cada fração de tempo pertence a um proprietário distinto, é comum que haja divergências quanto às regras de conservação e ocupação do imóvel. Isso pode impactar diretamente o valor da propriedade e sua atratividade no mercado.
  4. À possibilidade de fraudes e conflitos judiciais: O modelo ainda é relativamente novo no Brasil, e há o risco de fraudes na venda de cotas, especialmente em empreendimentos turísticos. A proteção dos adquirentes contra abusos por parte de incorporadoras e administradores ainda precisa ser aprimorada.

O papel dos cartórios na consolidação da multipropriedade

A segurança jurídica continua sendo um dos principais fatores que garantem o sucesso desse modelo no Brasil. Como bem destaca Ivanov, "só é dono quem registra", e os Cartórios de Registro de Imóveis desempenham um papel fundamental nesse processo. Além de assegurar que as frações sejam registradas corretamente, os cartórios também ajudam a prevenir fraudes, garantindo que as transações sejam formalizadas dentro dos parâmetros da lei.

A tendência da multipropriedade não é apenas uma moda passageira, mas uma nova forma de propriedade que veio para ficar. Contudo, o mercado e o sistema registral ainda precisam amadurecer para lidar com seus desafios específicos. O papel dos cartórios e do Judiciário será essencial para garantir que esse modelo continue crescendo de maneira sustentável e sem comprometer a segurança dos envolvidos.

Principais desafios jurídicos para cartórios e incorporadoras

A multipropriedade imobiliária trouxe um novo paradigma para os registros imobiliários no Brasil, exigindo uma adaptação significativa tanto por parte dos Cartórios de Registro de Imóveis quanto das incorporadoras que comercializam esses empreendimentos. Apesar da regulamentação pela lei 13.777/18, ainda há diversas lacunas jurídicas e desafios práticos que precisam ser enfrentados para garantir a segurança jurídica do modelo.

Registros imobiliários e as particularidades da multipropriedade

O regime de multipropriedade alterou a dinâmica dos registros imobiliários ao permitir que um único imóvel possua múltiplos titulares com direitos fracionados no tempo, cada um detendo uma unidade periódica autônoma. Esse modelo exige que os cartórios operem com uma nova sistemática de matrícula e registros, diferente da tradicional.

As principais particularidades do registro da multipropriedade incluem:

  • Criação de matrículas independentes para cada fração de tempo, o que exige uma estrutura mais complexa do que o modelo tradicional de registro de imóveis.
  • Necessidade de um vínculo formal entre a unidade periódica e a matrícula principal do imóvel, garantindo que as alienações futuras respeitem os limites estabelecidos na convenção da multipropriedade.
  • Exigência de detalhamento sobre as regras de uso, administração e gestão da propriedade, evitando conflitos futuros entre multiproprietários.

Além disso, os Cartórios de Registro de Imóveis precisam garantir que todas as transações relacionadas à multipropriedade respeitem os princípios registrários, como especialidade subjetiva e objetiva, continuidade e legalidade. Isso significa que qualquer irregularidade documental pode impedir o registro, gerando entraves para incorporadoras e adquirentes.

Dificuldades na aferição dos requisitos para o registro

O processo de registro de empreendimentos de multipropriedade apresenta exigências documentais complexas, que vão além da simples lavratura de uma escritura de compra e venda. Os cartórios devem analisar aspectos como:

Impactos urbanísticos e ambientais:

A instalação de empreendimentos em áreas sensíveis, como zonas de preservação ambiental ou regiões litorâneas, pode demandar autorizações especiais.

O zoneamento urbano pode impor restrições ao modelo de multipropriedade, dependendo da legislação municipal e do plano diretor da cidade.

O aumento no fluxo de ocupação de determinadas áreas pode exigir investimentos em infraestrutura local, o que precisa ser analisado pelos órgãos públicos antes da concessão do registro.

Regularidade do empreendimento e da convenção de multipropriedade:

A convenção condominial da multipropriedade deve ser detalhada, prevendo regras claras sobre direitos, deveres e a administração da propriedade.

O cartório precisa verificar se a fração de tempo vendida a cada adquirente está devidamente descrita e individualizada na matrícula.

A falta de transparência na definição dos períodos de uso pode gerar insegurança para os multiproprietários e até inviabilizar o registro.

Exigências documentais e possíveis impedimentos:

A necessidade de comprovação da idoneidade das empresas envolvidas no projeto.

A verificação de que os contratos de venda não contenham cláusulas abusivas ou contrárias à legislação vigente.

O risco de práticas fraudulentas, como a venda de frações de tempo superiores à capacidade real do empreendimento.

Essa complexidade faz com que os cartórios assumam um papel de fiscalização e controle, muitas vezes exigindo exames rigorosos da legalidade do negócio antes de conceder o registro.

Multipropriedade e a lei de registros públicos (lei 6.015/1973)

A lei de registros públicos foi adaptada para comportar a multipropriedade, mas ainda existem desafios na aplicação prática do modelo. A regulamentação exige que o registro da multipropriedade seja feito de maneira que respeite os princípios da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Os cartórios precisam interpretar a nova legislação de forma alinhada com a lei 6.015/1973, garantindo que:

  • Cada unidade periódica tenha um registro próprio, sem comprometer a segurança jurídica dos demais multiproprietários.
  • A individualização da fração de tempo seja feita de maneira clara e objetiva, evitando a sobreposição de direitos.
  • Os registros de alienação das frações sigam os mesmos requisitos de segurança exigidos para outros negócios jurídicos imobiliários.

A multipropriedade ainda é um modelo em construção no Brasil, e os cartórios desempenham um papel fundamental para garantir sua consolidação sem comprometer a segurança do mercado imobiliário. O futuro do setor depende de uma interpretação uniforme da legislação, da modernização dos procedimentos registrais e do fortalecimento dos mecanismos de fiscalização para evitar abusos e fraudes.

A tendência de crescimento da multipropriedade no Brasil reforça a necessidade de um equilíbrio entre inovação e segurança jurídica, permitindo que o modelo continue se expandindo sem gerar conflitos jurídicos complexos.

Multipropriedade e conflitos: A visão do Judiciário

O crescimento acelerado da multipropriedade imobiliária no Brasil trouxe consigo uma série de desafios jurídicos, que começam a ser enfrentados pelo Poder Judiciário. Como todo modelo inovador, a multipropriedade ainda carece de uma uniformização interpretativa e sua aplicação tem gerado disputas que vão desde inadimplência e execução de dívidas até fraudes e desafios contratuais.

O artigo "Multipropriedade imobiliária e registro de imóvel: segurança e desafio", publicado no Migalhas, já alertava sobre os pontos críticos da multipropriedade, destacando que, embora o modelo traga inovações e potencialize o mercado imobiliário, ele exige um forte embasamento jurídico e registral para evitar conflitos que podem comprometer sua segurança jurídica.

A seguir, analisamos alguns dos principais problemas enfrentados nos tribunais e como o Judiciário tem interpretado as controvérsias relacionadas à multipropriedade.

Inadimplência e execução de dívidas

Um dos conflitos mais comuns nos tribunais decorre da inadimplência dos multiproprietários. Diferente de um condomínio tradicional, na multipropriedade cada fração do imóvel é vinculada a um período específico de uso. O grande problema surge quando um multiproprietário deixa de arcar com suas obrigações financeiras, como taxas de manutenção, despesas condominiais e impostos.

Questões que chegam ao Judiciário:

  • Como executar um multiproprietário inadimplente sem comprometer os demais?
  • A fração de tempo pode ser penhorada ou leiloada?
  • O não pagamento de taxas por um multiproprietário pode gerar responsabilidade solidária para os demais?

Na jurisprudência, os tribunais vêm entendendo que, embora cada fração seja autônoma, a gestão dos empreendimentos precisa prever regras claras para lidar com inadimplentes, evitando que os custos sejam transferidos aos outros multiproprietários. Algumas decisões vêm determinando a penhora da fração de tempo e, em casos mais graves, até a extinção da multipropriedade em casos de inviabilidade financeira do empreendimento.

Ponto crítico: Diferente dos condomínios tradicionais, a execução de dívidas na multipropriedade pode ser mais difícil, pois não há posse contínua sobre o imóvel, dificultando a liquidação da dívida e a penhora da fração de tempo.

Fraudes e venda irregular de frações

A multipropriedade também tem sido alvo de esquemas fraudulentos, onde frações de tempo são vendidas sem o devido registro imobiliário ou com promessas enganosas por parte das incorporadoras.

Principais fraudes identificadas:

  • Venda de frações sem o devido registro no cartório de imóveis, tornando o comprador vulnerável.
  • Comercialização de frações superiores à capacidade real do empreendimento.
  • Omissão de informações essenciais sobre taxas condominiais, regras de uso e administração do imóvel.

Algumas decisões judiciais já condenaram incorporadoras e intermediadores por propaganda enganosa e má-fé na comercialização de frações imobiliárias. Os tribunais têm adotado uma posição mais intervencionista, garantindo aos consumidores o direito à rescisão contratual e a indenizações por danos materiais e morais em casos de fraude.

Ponto crítico: A falta de transparência na venda da multipropriedade pode levar à anulação de contratos e ao enfraquecimento do modelo no mercado.

Desafios contratuais e direitos dos multiproprietários

Outro ponto que tem gerado litígios recorrentes é a gestão dos empreendimentos de multipropriedade. Como a lei 13.777/18 delegou grande parte da regulamentação para as convenções condominiais, muitos contratos acabam sendo redigidos de forma desequilibrada, favorecendo as administradoras em detrimento dos multiproprietários.

Conflitos contratuais mais comuns:

  • Restrição ao direito de uso: Algumas convenções impõem limitações excessivas, impedindo a livre fruição do imóvel.
  • Alteração unilateral de regras: Empresas gestoras, em alguns casos, alteram cláusulas contratuais sem o consentimento dos multiproprietários.
  • Dificuldade na retirada do regime de multipropriedade: Muitos adquirentes encontram barreiras para sair do sistema, mesmo quando o modelo não atende mais suas expectativas.

Os tribunais vêm reconhecendo que a liberdade contratual tem limites e que cláusulas excessivamente onerosas ou que criam um desequilíbrio na relação de consumo podem ser declaradas nulas.

Ponto crítico: Sem uma regulamentação mais rígida, há o risco de que as convenções condominiais sejam elaboradas de maneira abusiva, prejudicando a segurança jurídica do multiproprietário.

O posicionamento dos tribunais e o futuro da multipropriedade

Embora o modelo da multipropriedade seja relativamente recente no Brasil, os tribunais já começam a criar uma jurisprudência mais sólida sobre o tema. O Judiciário tem adotado uma postura protetiva, especialmente em relação ao consumidor, garantindo que:

  • O princípio da boa-fé e transparência seja respeitado nos contratos de multipropriedade.
  • Fraudes sejam combatidas com a anulação de contratos e a aplicação de penalidades.
  • A inadimplência não comprometa o direito dos demais multiproprietários, impondo regras mais rígidas para sua execução.

No entanto, ainda há desafios regulatórios. Como apontado no artigo do Migalhas, a multipropriedade precisa de uma regulamentação mais robusta para evitar abusos e garantir que o modelo se consolide sem gerar insegurança jurídica.

O futuro da multipropriedade dependerá de um equilíbrio entre inovação e proteção jurídica, garantindo que o modelo continue crescendo sem comprometer os direitos dos envolvidos.

Multipropriedade: Um modelo de sucesso ou uma bolha jurídica?

A multipropriedade imobiliária, consolidada pela lei 13.777/18, tem sido apresentada como um modelo inovador, capaz de democratizar o acesso a imóveis de alto padrão e impulsionar o mercado imobiliário. No entanto, apesar do seu crescimento expressivo nos últimos anos, surgem questionamentos sobre sua sustentabilidade a longo prazo e os riscos de um colapso jurídico e econômico semelhante ao que ocorreu com o mercado de timeshare.

A experiência internacional com modelos semelhantes revela que, sem uma regulamentação adequada, os riscos aumentam exponencialmente. Nos Estados Unidos, o mercado de timeshare, que compartilha semelhanças com a multipropriedade, sofreu uma série de colapsos financeiros e fraudes, levando à desvalorização dos ativos e ao surgimento de inúmeras disputas judiciais. O receio é que o Brasil possa repetir esses erros se não houver mecanismos sólidos de controle e proteção aos adquirentes.

Segurança jurídica e multipropriedade: Há riscos no modelo atual?

A segurança jurídica da multipropriedade depende de três pilares fundamentais:

  • Clareza na regulamentação para evitar conflitos de interpretação.
  • Rigor na qualificação registral para impedir fraudes e garantir a transparência.
  • Proteção aos consumidores contra cláusulas abusivas e desequilíbrios contratuais.

A lei 13.777/18 trouxe avanços significativos ao definir um marco regulatório para o setor. No entanto, lacunas ainda persistem, especialmente em relação ao direito dos multiproprietários, às regras de governança dos empreendimentos e às implicações de inadimplência.

Entre os principais desafios enfrentados, destacam-se:

  • Vendas agressivas e falta de transparência: Muitos adquirentes assinam contratos sem entender completamente suas obrigações financeiras e restrições de uso.
  • Dificuldade de revenda das frações: Diferente de um imóvel tradicional, a multipropriedade não possui um mercado secundário consolidado, dificultando a saída de multiproprietários insatisfeitos.
  • Gestão centralizada e riscos para os adquirentes: Algumas administradoras concentram poderes excessivos, impondo taxas elevadas e alterando unilateralmente regras de uso.

O papel dos cartórios na fiscalização e proteção dos adquirentes

Os cartórios desempenham um papel essencial na fiscalização dos registros imobiliários e na proteção dos adquirentes. Ao exigir documentação rigorosa para a abertura de matrículas de multipropriedade, os registradores evitam que frações sejam comercializadas de forma irregular e garantem que os empreendimentos estejam em conformidade com a legislação vigente.

Além disso, a transparência registral promovida pelos cartórios possibilita que qualquer interessado consulte previamente a matrícula do imóvel, verificando as condições do empreendimento e as regras da multipropriedade. Esse controle é fundamental para minimizar riscos de fraudes e garantir que os adquirentes tenham acesso a informações claras antes da aquisição.

No entanto, com o crescimento acelerado do setor, os cartórios também enfrentam desafios, como a padronização dos registros e a necessidade de aprimoramento contínuo na qualificação dos títulos. Em alguns casos, a falta de normatização específica para exigências documentais e impactos urbanísticos pode dificultar o trabalho dos registradores e comprometer a segurança jurídica dos empreendimentos.

A multipropriedade não pode ser vista como um modelo infalível, mas sim como uma inovação que exige vigilância constante para evitar os erros do passado. Embora a regulamentação brasileira tenha criado um ambiente favorável para o desenvolvimento do setor, a ausência de regras claras sobre inadimplência, governança e revenda pode comprometer sua estabilidade a longo prazo.

Se bem regulamentada e aplicada com responsabilidade, a multipropriedade pode se consolidar como um modelo sustentável e benéfico para o mercado imobiliário. No entanto, se os desafios não forem enfrentados com seriedade, há o risco de que se transforme em uma "bolha jurídica", resultando em litígios e insegurança para consumidores e investidores.

Conclusão

A multipropriedade imobiliária representa uma inovação no mercado, trazendo novas oportunidades para investidores e consumidores, mas também desafios significativos para o Direito Registral e o próprio setor imobiliário. O crescimento acelerado desse modelo exige uma regulamentação mais clara e eficaz, capaz de reduzir incertezas e evitar conflitos futuros.

Os principais desafios envolvem a segurança jurídica dos contratos, a governança dos empreendimentos e a proteção dos adquirentes contra abusos e fraudes. A experiência internacional mostra que a falta de normatização adequada pode levar a problemas como a insustentabilidade financeira dos empreendimentos e um colapso semelhante ao que ocorreu com o mercado de timeshare.

Apesar das dificuldades, os cartórios de registro de imóveis desempenham um papel essencial na preservação da transparência e confiabilidade desse modelo. O rigor na qualificação registral e a fiscalização documental são instrumentos indispensáveis para evitar irregularidades e garantir que os adquirentes tenham segurança em suas transações.

Diante desse cenário, é fundamental que haja um debate contínuo sobre a regulamentação da multipropriedade, buscando soluções que garantam equilíbrio entre inovação e proteção jurídica. A evolução desse modelo dependerá da construção de um ambiente sólido, onde cartórios, legisladores, incorporadoras e tribunais possam atuar conjuntamente para evitar litígios e fortalecer a credibilidade desse segmento no Brasil.

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1 BRASIL. Lei nº 13.777, de 20 de dezembro de 2018. Altera o Código Civil para disciplinar o regime jurídico da multipropriedade e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13777.htm.

2 IVANOV, Caio. Multipropriedade imobiliária: inovação no registro de imóveis. Sinoreg/ES, 2023. Disponível em: https://www.sinoreg.org.br/artigos/multipropriedade-imobiliaria-inovacao-no-registro-de-imoveis.

3 PIRES, Gabriel de Sousa. Multipropriedade imobiliária e registro de imóvel: segurança e desafio. Migalhas, 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/424744/multipropriedade-imobiliaria-e-registro-de-imovel-seguranca-e-desafio.

4 CNB/CF. A Multipropriedade e sua regulamentação no Brasil. Conselho Nacional de Notariado e Registro, 2023. Disponível em: https://www.cnb.org.br/multipropriedade.

5 STJ. Recurso Especial nº 1.788.670/SP. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 10/12/2023. Disponível em: https://www.stj.jus.br.

Gabriel de Sousa Pires

VIP Gabriel de Sousa Pires

Advogado, ex-Conselheiro Seccional e atual membro da Comissão de Seleção da OAB-DF. Especialista em Direito Contratual, Imobiliário e Empresarial. Sócio da J Pires Advocacia & Consultoria

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