A violência cometida por indivíduos com transtornos mentais graves tem se tornado um crescente foco de interesse entre médicos, autoridades policiais e população em geral. Diversos estudos na última década têm mostrado uma associação entre transtornos mentais e comportamento violento. Uma das principais abordagens para estudar esta relação são as pesquisas com indivíduos homicidas, uma vez que o homicídio é considerado uma expressão mais grave da violência.
A maioria dos estudos que descrevem a relação entre homicídio e transtornos mentais utiliza a expressão inglesa traduzida "transtornos mentais maiores". Na prática, essa expressão se refere a transtornos mentais graves, como esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão maior e transtorno delirante.
É difícil interpretar os dados sobre o risco de comportamento violento entre indivíduos com transtornos mentais que vivem na comunidade. Para países como os Estados Unidos, com elevadas taxas de homicídio, a proporção de homicídios atribuídos a transtornos mentais é menor do que em países como o Reino Unido, onde há baixas taxas deste tipo de crime. Um dos poucos estudos comunitários sobre a associação entre transtornos mentais e violência foi a pesquisa do Epidemiologic Catchment Área. 8% a 10% dos indivíduos com esquizofrenia relataram aos pesquisadores que tinham sido violentos nos últimos 12 meses anteriores à entrevista, comparados a 2% da população geral. Os que abusaram de drogas, apresentando ou não transtornos mentais, tiveram um risco maior.
Segundo pesquisas australianas, o aumento do número de condenações por homicídio em pessoas com esquizofrenia acompanhou os níveis de aumento de homicídio da sociedade em geral. Pessoas com transtornos mentais graves são mais condenadas por crimes violentos do que aquelas sem transtornos mentais. São três os tipos de investigação que dão suporte a estes achados. Primeiro, estudos que acompanham indivíduos a partir de seu nascimento até a idade adulta (denominados de "birth cohort studies") e comparam aqueles indivíduos que desenvolveram transtornos mentais graves e são hospitalizados com aqueles sem história de internação por transtorno mental. Estes estudos têm encontrado um número maior de pessoas que desenvolveram transtornos mentais condenadas por pelo menos um crime, comparadas àquelas sem transtornos mentais. As diferenças nas taxas de prevalência entre aqueles com e sem transtornos mentais foram maiores para crimes violentos do que para crimes não violentos, sendo a associação entre transtornos mentais e criminalidade (incluindo criminalidade violenta) mais importante para as mulheres.
Um segundo tipo de investigação é aquela que compara a atividade criminal de pessoas que receberam alta de hospitais psiquiátricos àquelas sem transtornos mentais, que vivem na mesma comunidade. Estes estudos têm encontrado taxas mais altas de criminalidade entre indivíduos com transtornos mentais graves. Steadman et al. seguiram amostras de pacientes de hospitais psiquiátricos gerais dos Estados Unidos, liberados para a comunidade e provenientes de quatro cidades. Os diagnósticos primários incluíram: 42% de depressão, 21,8% de abuso de substâncias, 17% de esquizofrenia, 14% de transtorno bipolar, 2% de transtornos de personalidade e 3% de outros transtornos psicóticos. Foi constatado que, durante o ano que se seguiu a alta, 27,5% dos pacientes cometeram pelo menos um ato violento que resultou em necessidade de ajuda médica por parte da vítima. As maiores frequências de comportamento violento foram de 14,8% na esquizofrenia; 28,5% na depressão e 22% no transtorno bipolar. Um achado importante deste estudo foi que o maior preditor de comportamento violento era a existência de comportamento violento prévio.
Um outro estudo de metodologia semelhante recrutou 110 pacientes do sexo masculino liberados de hospitais forenses do Canadá, Finlândia, Alemanha e Suécia, com diagnóstico de esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo ou transtorno esquizofreniforme. Vinte e cinco (22,7%) dos pacientes forenses tinham sido condenados por homicídio. Estes foram comparados com 47 pacientes liberados de hospitais psiquiátricos gerais, com o mesmo diagnóstico. Foi encontrado que os atos violentos, incluindo o homicídio, foram oito vezes mais prevalentes entre os pacientes forenses do que naqueles provenientes de hospitais psiquiátricos gerais. Ainda neste estudo, uma avaliação do grupo de pacientes provenientes de hospitais psiquiátricos gerais verificou que aqueles com passado de condenação tinham uma prevalência significativamente maior de diagnóstico de abuso de substâncias e transtorno de personalidade anti-social.
Em um terceiro tipo de investigação, estudos conduzidos entre prisioneiros homens, condenados por homicídio, descreveram prevalências elevadas de esquizofrenia (10,9% a 12,6%) e transtornos do humor (20,6%). Côté e Hodgins selecionaram uma amostra de 650 internos homicidas de uma penitenciária em Quebec, no Canadá, o que representava 22% da população penitenciária masculina em abril de 1988. Destes, 460 (71%) foram entrevistados, havendo também acesso aos seus processos criminais. Houve 109 indivíduos que apresentavam um transtorno mental ao longo da vida: 31 casos de esquizofrenia, 4 de transtorno esquizofreniforme, 51 de depressão maior, 21 de transtorno bipolar e 2 de transtorno mental orgânico. Significativamente mais indivíduos homicidas (35%) comparados a outros criminosos (21%) apresentavam transtornos mentais graves. Na maioria dos casos, o transtorno mental estava presente antes do homicídio. Em resumo, a associação entre transtornos mentais graves e comportamento violento ou homicida é demonstrada nos três tipos de investigação.
É importante salientar que essas pesquisas estão focalizando os transtornos mentais do eixo I. Talvez isso explique o porquê de não aparecer de forma evidente a associação entre transtorno de personalidade anti-social (que gera comportamento violento mais do que psicoses) e comportamento violento.
Quando se estuda a relação entre homicídio e transtornos mentais, um conceito importante é o de homicídio "anormal". Este é assim denominado por sua bizarria e incompreensibilidade, sendo também reconhecido pelo exame psiquiátrico do perpetrador e sua caracterização como indivíduo que apresenta um transtorno mental grave. A incidência de homicídios anormais tende a ser constante em diversas sociedades, acompanhando a incidência dos principais transtornos mentais, enquanto a incidência de homicídios "normais" reflete realidades mais amplas de uma sociedade, como a violência urbana, por exemplo. Alguns estudos têm encontrado maior incidência de homicídios de familiares ou pessoas próximas em indivíduos psicóticos, enquanto homicídios de pessoas desconhecidas pelas vítimas seria mais frequentemente associado ao abuso de álcool ou drogas pelo perpetrador. Simpson et al. encontraram que, em 74% dos homicídios "anormais", as vítimas eram familiares ou companheiros dos perpetradores, sendo esta relação de proximidade encontrada em apenas 9% dos homicidas "normais". Não se pode desprezar estudos sobre a importância da vítima no processo criminal.
As taxas encontradas de homicídios "anormais" têm variado entre diferentes estudos. O estudo de Simpson et al. encontrou uma taxa de 1,3 por mil habitantes. Vários estudos encontraram taxas maiores de homicídios "anormais". Estudos do Reino Unido e Canadá encontraram taxas de 11% e 12,6%, respectivamente. Quanto maior a taxa de homicídios de um país, menor é a proporção cometida por pessoas com transtornos mentais. A maioria dos estudos não encontrou alterações das taxas de homicídio "anormal" após o período de desinstitucionalização.
Um dado curioso é que há menos estudos de homicídios anormais em amostras formadas apenas por mulheres, comparados aos estudos com homens. Eronen estudou 127 homicidas na Finlândia, ao longo de um período de 13 anos, avaliando tanto os transtornos mentais do eixo I quanto os transtornos de personalidade (eixo II). Constatou-se que as mulheres homicidas tiveram um risco 70 vezes maior do que as mulheres da população geral de apresentar transtorno anti-social de personalidade, dependência de álcool/drogas com transtorno de personalidade, e esquizofrenia com dependência de álcool/drogas. Outro estudo realizou um seguimento de 132 mulheres homicidas, incluindo aquelas mencionadas no estudo anterior, com finalidade de avaliar o recidivismo criminal nestas pacientes. Verificou-se que, após o homicídio inicial, 31 (23%) das 132 mulheres cometeram novos delitos, 15% dos quais foram violentos. Das mulheres com recidiva criminal, 81% apresentavam transtornos de personalidade e 10% transtornos psicóticos. As demais não apresentavam transtornos mentais. Após o homicídio inicial, 3% das mulheres cometeram outro homicídio. Num estudo semelhante, envolvendo indivíduos do sexo masculino, 2% foram homicidas recidivantes.
Na atual política de desinstitucionalização, na qual a hospitalização é cada vez mais limitada, tem havido uma prioridade para o desenvolvimento de estratégias de manejo do risco de violência na comunidade. Estas estratégias incluem procedimentos formais de avaliação de risco de comportamento violento, maior controle do tratamento ambulatorial, mais atenção à comorbidade com abuso de substâncias e crescentes esforços para aumentar a adesão ao tratamento.
Estudos de homicídios em diferentes países
Na literatura têm sido documentados diversos estudos de homicídios em alguns países. Um aspecto relevante destes estudos é o tamanho das amostras, que comporta um número muito grande de indivíduos. Na Dinamarca, houve a realização de um estudo com acusados de homicídio, ao longo de um período de 25 anos, sendo a maioria examinada do ponto de vista psiquiátrico. Foram descritas altas taxas de esquizofrenia (6,5% em homens e 5,6% em mulheres) e depressão (3,3% em homens e 27,8% em mulheres). Menos de um quarto da amostra havia sido tratada em hospitais psiquiátricos. Um estudo na Islândia, com homicidas, encontrou uma taxa de 15% de esquizofrenia para ambos os sexos.
Na Suécia, Fazel e Grann investigaram 2.005 homicidas em um período de 14 anos (1988 a 2001).26 As informações psiquiátricas foram baseadas na avaliação psiquiátrico-forense e nos registros hospitalares. Foi encontrada uma prevalência de transtornos psicóticos de 20%, incluindo 9% com esquizofrenia. No subgrupo onde foi investigado um diagnóstico secundário, a frequência de uso de qualquer substância foi de 47% e a de qualquer transtorno de personalidade foi de 54%, sendo o cluster B (anti-social, borderline, histriônico e narcisista) o mais encontrado.
Na Nova Zelândia, foi realizado um estudo retrospectivo, de 1970 a 2000, tendo sido utilizadas fontes governamentais. Os homicidas mentalmente anormais foram definidos como aqueles enquadrados em quatro situações: incapazes para serem processados e julgados, inocentes devido à insanidade, condenados e sentenciados à internação psiquiátrica compulsória, ou condenados por infanticídio. O número total de homicídios no período foi de 1.498. Destes, 130 (8,7%) foram considerados homicidas mentalmente anormais. Os dados demográficos e clínicos foram disponíveis para 126 perpetradores de homicídios anormais. Do ponto de vista diagnóstico, 55 (43,6%) apresentavam esquizofrenia, 19 (15%) outros transtornos psicóticos, 13 (10,3%) depressão maior, 5 (3,9%) transtorno bipolar, 10 (7,9%) abuso de álcool ou substâncias, 9 (7,1%) transtornos mentais orgânicos, 9 (7,1%) retardo mental e 11 (8,7%), transtorno de personalidade primário ou secundário. Outro achado significativo foi a predominância do sexo feminino no grupo homicida anormal. Também foi encontrado que 37 (29%) dos 126 perpetradores de homicídios anormais não tinham história de admissão prévia em hospitais psiquiátricos. É importante salientar que a taxa de homicídios anormais neste estudo esteve entre as mais baixas dos estudos publicados internacionalmente. Uma hipótese que pode explicar essa diferença em relação a outros estudos é que homicidas com transtornos mentais podem ter sido considerados legalmente responsáveis, desta forma não fazendo parte do grupo de homicidas anormais.
Em um outro estudo dinamarquês, Brennan et al. examinaram uma amostra de 335.900 indivíduos nascidos entre 1944 e 1947. Os registros de internação hospitalar até 1991 foram obtidos através do Registro Psiquiátrico da Dinamarca. Foi encontrado que indivíduos com transtornos mentais graves tiveram uma probabilidade maior de serem presos por crimes violentos, inclusive o homicídio, quando comparados aos indivíduos que nunca tinham sido internados em hospitais psiquiátricos. Nos homens, o comportamento violento foi mais associado à esquizofrenia (11,3%), psicose orgânica (19,4%), psicoses afetivas (5,2%) e outros transtornos psicóticos (10,7%), comparados aos homens sem transtornos mentais (2,7%). Nas mulheres, o comportamento violento foi mais associado à esquizofrenia (2,8%), psicoses orgânicas (2%), psicoses afetivas (0,5%), comparadas às mulheres sem transtornos mentais (0,1%).
Na Inglaterra, um estudo examinou 500 indivíduos que foram condenados por homicídio, em um período de 18 meses. Este grupo representou 70% das condenações por homicídio no período estudado. Foi encontrado que 6% destes homicidas apresentavam esquizofrenia e 44% tinham história de qualquer transtorno mental; porém, outros diagnósticos não foram especificados. A maior parte destes indivíduos não tinha história de contato com serviços de saúde mental, sugerindo que este fator tivesse contribuído para a criminalidade.
Na Finlândia, um estudo baseado no exame de 70% de 693 homicídios acontecidos em um período de oito anos revelou que 6% da amostra apresentavam esquizofrenia, 2% outras psicoses e 33% algum transtorno de personalidade. Houve um risco aumentado de ação homicida em alguns transtornos mentais, comparados a indivíduos saudáveis da população: Na esquizofrenia (9,7 vezes no homem e 9 vezes na mulher) e na depressão (1,9 vezes em homens). Deve ser observado que alguns estudos incluíram a investigação de transtornos de personalidade, enquanto outros não.
Schanda et al., em um estudo austríaco, investigaram a freqüência de transtornos mentais em indivíduos que cometeram um ato homicida, durante um período de 25 anos (1975 a 1999), resultando em 896 condenações e 96 internações por ordem judicial. Os transtornos mentais mais encontrados foram esquizofrenia ou transtorno esquizofreniforme (4,5% dos homens e 17% das mulheres); episódio depressivo maior (0,7% dos homens e 5,6% das mulheres) e transtorno delirante (0,4% dos homens). Dos indivíduos com transtornos mentais graves, uma proporção significativamente mais alta de homens (77,4%) e mulheres (70,8%) tiveram diagnóstico de esquizofrenia. Desta forma, o risco de comportamento homicida em esquizofrênicos foi seis vezes maior nos homens e 26 vezes maior nas mulheres, quando comparados a indivíduos saudáveis, com predominância do subtipo paranóide (63,4% nos homens e 47% em mulheres). Transtornos relacionados ao abuso/dependência de substâncias foi diagnosticado em 46,3% dos homens e 11,8% das mulheres com esquizofrenia.
Outro estudo, na Inglaterra e Gales, realizou uma estimativa da taxa de transtornos mentais entre indivíduos condenados por homicídio. As informações psiquiátricas foram provenientes de cortes de justiça, serviços prisionais e outros serviços. Foram notificados 1.594 condenações por homicídio nestes países, durante três anos a partir de 1996. Houve informações pelas cortes de 1.168 casos (73%). Destes, 1.434 (90%) eram homens. Foi encontrado transtorno mental em um terço dos casos. A maioria não apresentava um transtorno mental grave, sendo os diagnósticos mais comuns transtornos de personalidade e dependência de álcool ou drogas. Dos perpetradores, 5% apresentavam diagnóstico de esquizofrenia. Dos 164 indivíduos com transtornos mentais à época do delito, 76 (46%) tinham sintomas de psicose (delírios e alucinações) e 101(62%) tinham sintomas de depressão. Um achado interessante é que a maioria dos perpetradores com história de transtorno mental não estava agudamente doente quando cometeu o homicídio e a maioria nunca tinha frequentado serviços de saúde mental.
Homicídio e transtornos mentais
Vários estudos têm investigado grupos específicos de pacientes com transtornos mentais, com a finalidade de estabelecer correlações entre comportamento violento ou homicida e variáveis sociodemográficas e psicopatológicas. Sem dúvida, a esquizofrenia é o transtorno mental mais bem estudado neste aspecto. A partir de agora, vamos estudar o comportamento violento ou homicida entre pacientes com transtornos mentais específicos.
1. Esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo e transtorno delirante
Em um estudo realizado por Schwartz et al. foram selecionados 267 pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, que faziam acompanhamento contínuo por um período de seis meses ou mais. Foi encontrada uma correlação significativa entre sintomas maníacos, sintomas psicóticos e prejuízo do funcionamento global e ideação e tentativa de homicídio, reforçando a suposição de que a falta de teste de realidade, julgamento, comunicação e outras áreas do funcionamento podem contribuir para o comportamento violento ou homicida.
Joyal et al. avaliaram 58 pacientes com diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, que foram condenados por homicídio ou tentativa de homicídio e encaminhados para tratamento em hospital forense. Foi encontrado que a maioria (86%) dos homicidas tinha uma relação pessoal ou profissional com a vítima. Os atos violentos aconteceram com maior frequência na residência privada (78%), do que em local público (22%). Entretanto, aqueles com transtorno de personalidade anti-social associado, com maior frequência agrediram pessoas não-membros de sua família ou residência. A forma paranóide de esquizofrenia foi a mais comum, sendo que 60% dos homicídios se seguiram a delírios e alucinações diretamente relacionados a eles. Um achado interessante é que uma proporção significativamente maior de pacientes sem transtorno de personalidade anti-social (83%), comparada àqueles com este tipo de transtorno (46%), foi influenciada por sintomas psicóticos no momento do crime. O tipo de delírio mais comum foi o persecutório. O subgrupo com transtorno de personalidade anti-social era mais jovem no momento da primeira ofensa e apresentou uma frequência maior de diagnóstico de abuso ou dependência de álcool do que o subgrupo sem este transtorno de personalidade.
Outro estudo examinou os antecedentes criminais de 2.861 indivíduos que tiveram uma primeira internação hospitalar devido à esquizofrenia, dos anos de 1975 a 2000, sendo comparados a igual número de indivíduos na comunidade, pareados por idade, sexo e região residencial.5 Foram considerados atos violentos: agressão, lesão física séria e homicídio. Observou-se que os pacientes com esquizofrenia foram significativamente mais condenados por pelo menos um ato violento, comparados aos indivíduos da comunidade (8,2% e 1,8%, respectivamente). Outro achado importante é que os pacientes com problemas de abuso de substâncias tiveram mais condenações por delitos do que aqueles que não utilizavam drogas (68% e 11,7%, respectivamente). Comparados ao grupo controle, indivíduos com esquizofrenia tiveram um risco 3,6 a 6,6 vezes maior de ter pelo menos uma condenação por comportamento violento.
Alguns autores acreditam que em 45% dos casos o comportamento violento entre indivíduos com esquizofrenia é diretamente relacionado aos sintomas deste transtorno mental. Determinados sintomas psicóticos são mais associados a comportamento violento do que outros, tais como delírios de perseguição e alucinações auditivas. Outros autores não encontraram associação entre sintomas psicóticos ativos e comportamento violento. Uma alternativa para explicar esta questão é que pessoas com tendências prévias para comportamento violento ou homicida aumentam o risco de apresentar este comportamento quando desenvolvem o transtorno psicótico. Desta forma, a avaliação dos sintomas associados aos atos agressivos pode ser útil na avaliação do risco de violência nestes pacientes.
De acordo com Hodgins, há dois grupos de pacientes com comportamento ofensivo na esquizofrenia: o primeiro, que é a maioria, composto por aqueles com comportamento anti-social desde a infância e adolescência; e o segundo, consistindo daqueles que iniciam comportamento ofensivo entre os 30 e 40 anos, entre os quais há um maior número de homicidas. É possível que nesse grupo mais velho os sintomas da doença (delírios, alucinações, perturbações da afetividade, etc.) contribuam de forma mais significativa para o homicídio. O risco deste último, na esquizofrenia, aumenta quando o indivíduo é do sexo masculino, abusa de substâncias e não reside com a família.
Alguns estudos têm encontrado comportamento homicida em indivíduos com transtorno delirante. Um deles encontrou em sua amostra de homicidas 2,1% com transtorno delirante de ciúme, enquanto outro encontrou uma frequência de 1,9% de "paranóia crônica" em homens homicidas.
2. Transtornos afetivos
Dois estudos que acompanharam pessoas desde o seu nascimento até a idade adulta avaliaram o risco de criminalidade em pessoas que desenvolveram transtornos afetivos. A primeira destas investigações incluiu 12.058 indivíduos nascidos na Finlândia, em 1966.7 Em 1992, foram colhidas informações sobre tratamento psiquiátrico ambulatorial e hospitalar e condenações por crimes. Na idade de 26 anos, apenas seis homens (0,001%) e três mulheres (0,006%) receberam diagnóstico de transtorno afetivo grave. Dos seis homens, dois tinham sido condenados, um deles por crime violento. Nenhuma das três mulheres teve história de criminalidade.
Na Dinamarca, um estudo, já mencionado, com a mesma metodologia, forneceu dados mais confiáveis, já que examinou 324.401 indivíduos com idade entre 43 e 46 anos. Entre os homens, tiveram história de pelo menos uma prisão: 13% daqueles que nunca haviam sido admitidos em tratamentos psiquiátricos, 20% daqueles que foram admitidos com depressão psicótica e 27% daqueles com transtorno bipolar. Nas mulheres, de forma semelhante, 3,5% das que nunca tinham sido admitidas em unidades de tratamento psiquiátrico, 8% daquelas com depressão psicótica e 10% daquelas com transtorno bipolar tinham sido presas. Outro dado encontrado é que o risco de delito violento foi maior entre os homens e mulheres com transtornos afetivos graves. Enquanto 3,3% dos homens e 0,2% das mulheres sem transtornos mentais tinham sido condenados por pelo menos um delito violento, isto aconteceu a 6,3% dos homens e 0,6% das mulheres com transtornos afetivos graves.
Em um estudo com uma amostra de 495 prisioneiros no Canadá, foram encontradas taxas de prevalência de 17% de depressão maior e 4,8% de transtorno bipolar. Além disso, dois outros estudos encontraram taxas maiores de depressão entre indivíduos homicidas do que na população geral. Um aspecto que não pode deixar de ser levado em consideração é que estes estudos subestimam a associação entre transtornos afetivos graves e homicídio, porque os homicidas que se suicidaram não foram incluídos, sendo que muitos destes poderiam apresentar transtornos afetivos graves.
Novamente em Quebec, Hodgins examinou uma amostra de pacientes com transtornos afetivos graves e esquizofrenia durante um período de 24 meses após alta de um hospital forense e dois hospitais psiquiátricos gerais. A amostra foi formada por pacientes do sexo masculino, sendo 30 com diagnóstico de transtorno afetivo grave (18 com transtorno bipolar, 12 com depressão maior) e 74 com esquizofrenia. Após o período de seguimento, 33% dos pacientes com transtornos afetivos graves e 15% daqueles com esquizofrenia cometeram delitos, a maioria violentos, de acordo com a definição do estudo (homicídio, tentativa de homicídio, assalto e posse e uso de armas de fogo e agressão sexual). Proporções iguais de pacientes com depressão maior (4 de 12) e transtorno bipolar (6 de 18) foram condenados durante o período de seguimento. Outro achado foi que o uso de drogas durante o período de seguimento pareceu estar mais fortemente relacionado ao comportamento violento entre pacientes com transtornos afetivos graves do que naqueles com esquizofrenia.
Variáveis psicopatológicas parecem também ter importância no comportamento violento ou homicida de indivíduos com transtornos afetivos graves. Pacientes maníacos podem apresentar violência não premeditada, súbita e grave, decorrente de ideação persecutória ou frustração diante da colocação de limites. Um estudo de revisão encontrou que a frequência de homicídios na depressão psicótica é maior do que na depressão não acompanhada de sintomas psicóticos.
3. Transtornos mentais orgânicos
Poucos estudos têm pesquisado a associação entre transtornos mentais orgânicos e comportamento violento ou homicida. Na realidade, a maioria dos dados sobre transtornos mentais orgânicos e violência fazem parte de investigações mais amplas sobre criminalidade e transtornos mentais. Infelizmente, a porcentagem de pacientes com transtornos mentais orgânicos nestes estudos é frequentemente baixa. Estudos epidemiológicos não confirmam que pacientes com lesão cerebral importante cometem mais crimes do que a população geral. A frequência de comportamento violento em indivíduos com lesão cerebral varia de 18% em pacientes demenciados a 60% em pacientes com lesões frontais.
Uma inconsistência das pesquisas relacionadas aos transtornos mentais orgânicos é a questão da causalidade. A maioria dos estudos sobre esses transtornos pressupõe que os mesmos precedem e causam o comportamento criminal. Leygraff (1988), apud Grekin et al., encontrou que 52% dos pacientes com transtornos mentais orgânicos de hospitais forenses da Alemanha Ocidental cometeram seu primeiro delito antes do diagnóstico de psicose orgânica. Desta forma, enquanto estes transtornos podem levar alguns indivíduos a cometer delitos, outros apresentam comportamento anti-social muito antes de se tornarem doentes.
A epilepsia não tem sido associada de forma significativa a comportamento violento. Entretanto, lesão cerebral adquirida na vida adulta pode aumentar o risco de comportamento violento e homicídio. Na demência, o comportamento violento é maior na presença de delírios, sendo que, nesses casos, as principais vítimas são representadas pelos familiares e vizinhos.
Hafner e Boker (1982), apud Martell, acompanharam 533 indivíduos que entraram no sistema de saúde mental forense da Alemanha, ao longo de um período de 10 anos. Seus dados sugeriram que 33,6% destes pacientes apresentavam um diagnóstico que refletia dano cerebral orgânico, incluindo retardo mental (12,7%), lesão cerebral adquirida na vida adulta (8%), atrofia cerebral (7,5%) e epilepsia (5,4%).
Na Dinamarca, foi estudada uma amostra de 565 pacientes do sexo masculino com diagnóstico de transtorno mental orgânico, com história de pelo menos uma internação psiquiátrica e de ter sido preso por pelo menos uma vez, por crimes violentos, incluindo o homicídio. O achado mais importante deste estudo foi que os indivíduos que iniciaram atividade criminal antes dos 18 anos de idade foram significativamente mais recidivantes do que os demais. Estes indivíduos também apresentaram com maior frequência diagnóstico de transtorno de personalidade anti-social.
Nos Estados Unidos, em Nova Iorque, um estudo examinou uma amostra de 50 pacientes do sexo masculino. O diagnóstico de transtorno mental orgânico foi encontrado em 16% dos casos, de acordo com os critérios do DSM-III-R.44 Este diagnóstico incluiu casos de demência alcoólica, demência de Alzheimer, transtorno delirante orgânico, alucinose orgânica e retardo mental. Outro achado foi que todos os pacientes com diagnóstico de transtorno mental orgânico tinham sido presos ou internados por crimes violentos. Destes, 75% foram internados no hospital forense por homicídio ou tentativa de homicídio. Avaliando-se apenas o delito homicídio na amostra, 30% de 20 indivíduos que cometeram este delito apresentavam diagnóstico de transtorno mental orgânico.
Certamente, estes dados apontam para a necessidade de realização de uma anamnese completa sobre passado de dano cerebral, avaliação clínico-neurológica e exame da integridade da função cerebral em populações forenses. O prejuízo do funcionamento cerebral pode ser um fator de risco para comportamento violento. Além disso, a disfunção cerebral pode ter um impacto significativo na resposta do paciente a várias formas de tratamento.
Discussão
A maioria dos estudos que encontraram altas taxas de comportamento violento ou homicida em indivíduos com transtornos mentais graves retrata a situação européia, cujos índices de violência são relativamente baixos, não podendo estes resultados serem generalizados para países com altas taxas de criminalidade e abuso de substâncias. Constatamos que na literatura há uma escassez de estudos sobre a relação entre homicídio e transtornos mentais nos países em desenvolvimento, onde é provável que as taxas de homicídios relacionados aos transtornos mentais seja baixa, em relação aos homicídios "normais" (intencionais).
Um estudo epidemiológico no Brasil verificou que, na década de 1990, os homicídios se mantiveram como uma relevante causa de morte da população brasileira, situando-se em primeiro lugar entre as mortes por causas externas. As armas de fogo constituíram o principal instrumento na ação homicida na população total e nos dois sexos, sendo estas mortes, em grande parte, relacionadas à criminalidade urbana. Estes dados refletem que em países com elevadas taxas de homicídios, aqueles "normais" são muito mais comuns que os "anormais".
Embora diversos estudos mostrem uma associação significativa entre transtornos mentais graves e violência, ainda não está estabelecido porque alguns pacientes apresentam comportamento violento e outros não. Para Hodgins, o comportamento violento está associado a fatores contextuais e individuais. Entre os primeiros, estão incluídos repressão policial e disponibilidade e adequação de tratamento psiquiátrico. Entre os segundos, estão a presença de transtornos de personalidade comórbidos e transtornos relacionados ao uso de álcool e/ou drogas, o que é reforçado por outros autores além de falta de aderência ao tratamento e ausência de insight em relação ao transtorno. Pessoas que apresentam abuso de substâncias têm um risco de 12 a 16 vezes maior de se envolver em comportamento violento do que outras que não usam substâncias. Ressalte-se que a conduta criminosa se constitui em processo sociocultural, sendo que os indivíduos com transtornos mentais se inserem neste cenário. Assim, verifica-se que os fatores educacionais e de equilíbrio social contribuem para uma diminuição de comportamentos de violência na população em geral, assim como entre aqueles com transtornos mentais. O transtorno mental pode funcionar como facilitador de comportamento violento, não como gerador de conduta criminal, por si só.
Em relação aos transtornos de personalidade, tem sido demonstrada uma associação significativa entre transtorno de personalidade anti-social e violência em pacientes com esquizofrenia. Em um estudo com 708 pacientes com transtornos psicóticos, Moran et al. encontraram que transtorno de personalidade comórbido foi significativamente associado com comportamento violento ao longo de um período de seguimento de dois anos, sendo esta associação independente de outros fatores de risco para a violência. No Brasil, um estudo com 29 indivíduos condenados por homicídio ou tentativa de homicídio, que se achavam detidos em delegacia policial, encontrou que 51,72% apresentavam transtorno anti-social de personalidade. Sem dúvida, o transtorno de personalidade anti-social é associado com vários riscos para comportamento violento (abuso de substâncias, baixo nível educacional, impulsividade, etc.). Desta forma, é essencial a avaliação da personalidade em pacientes com transtornos mentais graves.
As pessoas com transtornos de personalidade e abuso de substâncias formam a maior parte de uma categoria ampla de pessoas com transtornos mentais que cometem homicídio. Indivíduos que apresentam transtornos mentais em combinação com transtorno de personalidade anti-social e abuso/dependência de substâncias são frequentemente rejeitados pelos clínicos e mais orientados para o sistema de justiça criminal do que para o sistema de saúde mental. De fato, um grande número de homicidas com transtornos mentais graves descritos em diversos estudos apresenta comorbidade com transtornos de personalidade ou de abuso/dependência de substâncias, de forma que é difícil saber a contribuição exata de cada transtorno para o comportamento homicida, quando os mesmos estão associados.
Há alguma preocupação de que o processo de desinstitucionalização tenha resultado em um aumento do número de pessoas com transtornos mentais graves que cometeram delitos, o que não está comprovado do ponto de vista científico. Isso se deve a uma carência de estudos sobre o número de pessoas com transtornos mentais presas antes da era da desinstitucionalização, bem como dados sobre comportamento criminal entre pessoas com transtornos mentais antes desta era. Certamente, as políticas de cuidados extra-hospitalares em saúde mental têm uma participação essencial na prevenção da criminalidade entre os indivíduos com transtornos mentais.
Programas de tratamento com múltiplas abordagens, visando atingir problemas específicos apresentados pelos pacientes (manejo de sintomas, abuso de substâncias, déficits de habilidades sociais e transtornos de personalidade) são mais efetivos do que abordagens tradicionais, centradas unicamente no tratamento farmacológico, podendo, desta forma, contribuir para prevenção do comportamento violento ou homicida. É importante que os serviços de saúde mental trabalhem para prevenir a perda de contato e não-aderência ao tratamento, que frequentemente precedem o homicídio cometido por pessoas com transtornos mentais graves. Também é fundamental que a sociedade e autoridades governamentais atenuem barreiras de acesso a tratamento psiquiátrico e psicossocial.