Discute-se, se a promessa de permuta devidamente registrada em consonância à lei de registros públicos, alterada no ano de 2021 (MP 1.085), que incluiu este tipo de instrumento no rol do art. 167 (“18”), conferiu o status de direito real, em equiparação à promessa de compra e venda. Em defesa desta linha de raciocínio, o rol do art. 1225 do Código Civil, é exemplificativo, pois a lei não veda o reconhecimento de outros direitos com caráter de direito real à luz da liberdade contratual e da autonomia da vontade preconizado pelo nosso sistema jurídico que se desenvolvem ante a dinâmica das inovações nas relações jurídicas . Ainda que se admitisse o art. 1225 do Código Civil tratar o rol em caráter taxativo, nada obsta uma classificação expansiva dos modelos ali inseridos, vale dizer, não se trata propriamente de novos direitos, mas o reconhecimento de institutos jurídicos análogos, justamente, por interpretar a equiparação da promessa de permuta com a de compra e venda dada a tutela do art. 533 do Código Civil e, também, a normatização mais recente autorizando o registro da promessa de permuta perante o cartório de imóveis.
1. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. Data do Julgamento: 26/4/16, 3ª turma, relator: ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA)1
O contra-argumento em prol da taxatividade do rol do referido artigo de lei, baseia-se na primazia da segurança jurídica ao proteger os direitos reais contra a liberdade de criação de modelos sem a devida reserva legal. O rol é taxativo, pois preserva aos modelos jurídicos ali listados a garantia e os efeitos legais especiais destinados exclusivamente aos direitos reais, justamente em proteção das relações jurídicas na coletividade. A taxatividade é uma das características dos direitos reais, afinal são numerus clausus definidos por lei.
O instrumento particular de promessa de compra e venda por força do art. 1.225, VII, combinado com o art. 1417, ambos do Código Civil, conferem direito real ao promitente comprador, observados os requisitos de: (i) não pactuação da cláusula de arrependimento; (ii) celebração por instrumento particular ou público; e (iii) registro no respectivo Cartório de Registro de Imóveis.
Essa disposição legal está em linha com a lei de registros públicos que, em seu art. 167, também prevê o registro do compromisso na matrícula do bem imóvel, a saber:
9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações;
Este artigo veio a ser alterado e complementado pela MP 1.085/21 (trata do SERP - Sistema Eletrônico dos Registros Públicos), a qual incluiu os seguintes incisos no tocante ao registro da permuta:
18) dos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas condominiais e de promessa de permuta, a que se refere a lei 4.591/64, quando a incorporação ou a instituição de condomínio se formalizar na vigência desta lei;…. e 30) da permuta e da promessa de permuta;
No mesmo artigo de lei há, inclusive, a previsão de registro das operações de permuta, cuja transmissão da propriedade se dá por escritura pública. Sustenta-se que o instrumento particular de promessa de permuta é registrável por se tratar de instituto análogo à compra e venda, seguindo os mesmos fundamentos para permitir o registro no cartório de imóveis com efeito erga omnes, haja vista a ausência de vedação ou distinção da troca ou permuta com a compra e venda, senão a forma de pagamento. Neste sentido, o STF , ao analisar o recurso extraordinário (RE 89.501-9), reconheceu a possibilidade de registro de instrumento particular de promessa de permuta, com a seguinte ementa:
Adjudicação compulsória. Promessa de permuta. Registro Público, decreto lei 58/37 e lei 6014/73. A inscrição no registro de imóveis é condição essencial a adjudicação compulsória de imóvel prometido a permuta por instrumento particular. Aplicabilidade às permutas das regras pertinentes às promessas de compra e venda, no caso, o decreto lei 58/37, na redação da lei 6014/73, que impõem esse requisito. Recurso Extraordinário conhecido e provido. (grifos nossos)
A permuta do terreno para construção de empreendimento imobiliário no qual a contraprestação é a promessa de cessão de unidades futuras não retira a registrabilidade do pacto particular, ponderando-se que, preenchidos os mesmos requisitos legais do art. 1.417 do Código Civil, a condição futura de entrega das unidades não representa um óbice ao registro, porque o negócio jurídico é condicionado à construção do prédio, isto é, se aguardará o cumprimento da contraprestação para extinção da obrigação e conclusão do contrato, de modo que o inadimplemento da construtora ou incorporadora ensejará a resolução do pacto pela falta de entrega das unidades futuras prometidas (cláusula resolutiva expressa).
A promessa de permuta representa um instrumento válido para registro, igualmente a promessa de compra e venda com pagamento parcelado em prestações vincendas. Com a quitação do pagamento, implementa-se o direito para exigir a transferência da propriedade em favor do adquirente, nos mesmos moldes em favor do permutante que conclui a entrega das unidades construídas no próprio local, encerrando-se satisfatoriamente o trato.
Acordão RE 89501-9 STF, voto min. relator Rafael Mayer2
O enunciado 435 das Jornadas de Direito Civil do CJF (“o contrato de promessa de permuta de bens imóveis é título passível de registro na matrícula imobiliária.”) reforça a equiparação da promessa de compra e venda com a permuta, razão pela qual esta é tratada sob os mesmos aspectos.
Os principais efeitos jurídicos do registro são a publicidade do ato, de forma a legitimar o promitente permutante para exercer os direitos da propriedade e, eventualmente, da posse, defendendo o bem contra terceiros. A ausência de registro limita o contrato de promessa a efeitos no âmbito do direito obrigacional, com eficácia apenas entre os contratantes, o que impede o adquirente de reivindicar o imóvel na hipótese de um terceiro vir a adquiri-lo em concorrência, concomitantemente, incluindo-se ainda a hipótese de esse ter adquirido posteriormente, porém, em preferência por força do registro aquisição na matrícula do bem imóvel. A exceção é o direito de opor embargos de terceiro em caso de penhora mesmo sem ter registrado a promessa de compra ou permuta.
O efeito erga omnes, decorrente do registro, confere segurança jurídica ao adquirente inicialmente por meio da publicidade do ato para que terceiros tomem conhecimento dos direitos conferidos ao promitente comprador/permutante. Certamente o direito que se tutela com o ato registral é impedir que o bem objeto do negócio seja alienado a outrem ou sofra turbação e, especialmente, garanta o direito de sequela para aqueles que reconhecem o status de direito real para a promessa de permuta. O direito de sequela implica em defender e buscar o bem compromissado contra terceiros, ser oponível, e veda ao proprietário praticar ato de alienação ou compromissar o bem em confronto com o direito do promitente comprador/permutante, mesmo que o contrato ainda não esteja quitado, fato que se coaduna com a promessa de permuta, pois, neste caso, a contrapartida geralmente ocorre em único ato futuro com troca dos bens imóveis.
Ressalve-se, que, para fins de adjudicação compulsória, o registro não é requisito, pois o direito à adjudicação justifica-se partindo da premissa de que este é um direito pessoal da parte de exigir a transferência da propriedade da coisa por sentença judicial, oponível entre as partes. Se o proprietário permutante se recusar a assinar a escritura pública de transferência, a ordem translativa será emanada do poder judiciário, sujeitando o permutante à execução específica que consistirá na ordem judicial para suprir a obrigação do proprietário de outorgar a escritura definitiva.
Neste aspecto, note-se que, segundo a súmula 239 do STJ, a ausência de registro não retira o direito de requerimento judicial de adjudicação compulsória. (em entendimento contrário ao recurso extraordinário, STF – RE 89.501-9). É assim ao se compreender que este tipo de demanda representa uma ação pessoal que diz respeito ao promitente comprador, assim defendido por Darcy Bessone . Isto é, a ação estará fundada na relação contratual travada entre as partes contratantes, e, por não representar um direito real pela ausência de registro, não poderá ser intentada contra terceiros.
Pondere-se, por fim, como elemento de análise sobre a ação de adjudicação compulsória a questão da imprescritibilidade desta ação, em virtude da sentença de caráter constitutivo ao declarar o direito do promitente comprador em obter o suprimento judicial diante da negativa ou omissão injusta do vendedor proprietário. Entende-se que são imprescritíveis as ações constitutivas quando não há prazo legal estabelecido.
Tal direito pode ser exercido a qualquer tempo desde que preenchidos todos os requisitos como ausência de cláusula de arrependimento e adimplemento das obrigações pelo adquirente (“Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.” – Código Civil). Mais uma vez, o registro da promessa, apesar de gerar controvérsia sobre a sua obrigatoriedade para promoção da ação de adjudicação, é importante sublinhar que o entendimento jurisprudencial e doutrinário é inclinado pela dispensa. Ademais, apesar de imprescritível, na ação de adjudicação o seu limite temporal é o exercício da usucapião do bem por outrem, afinal a prescrição aquisitiva originária por terceiro extingue o direito daquele promitente.
Luiz Antônio Scavone Junior conclui de forma didática o tema do registro do compromisso de compra e venda:
Resumidamente, a melhor interpretação leva às seguintes conclusões: a) A promessa de compra e venda, enquanto não registrada, é um direito pessoal, seja por escritura pública ou por instrumento particular. b) Registrada, passa a constituir um direito real oponível erga omnes, atribuindo ao seu titular o direito de sequela (decreto lei 58/37, art. 5°; novo Código Civil, arts. 1.417 e 1.418). c) Registrada ou não, desde que irrevogável e quitada, autoriza a adjudicação compulsória, pelo procedimento comum (Código de Processo Civil, art. 318 e seguintes) acorde com o disposto no art. 16 do decreto-lei 58/37 e no art. 1418 do Código Civil. d) A diferença entre a promessa de compra e venda registrada e a não registrada reside na oponibilidade a terceiro de que dispõe aquela e não dispõe esta, e não na possibilidade ou não de se intentar ação de adjudicação compulsória.
Interpreta-se assim, nas palavras de Juliano Zorzi que:
O registro do memorial de incorporação depende do arquivamento, perante o Registro de Imóveis, dos documentos elencados no artigo 32 da Lei de Incorporações (dentre eles o título aquisitivo do terreno). Tal exigência tem por objetivo comprovar a possibilidade jurídica da realização do empreendimento e a idoneidade da incorporadora, bem como dar publicidade acerca de quaisquer condições, restrições ou gravames existentes sobre o imóvel que possam a incorporação pretendida, garantindo maior segurança jurídica aos adquirentes de futuras unidades autônomas.
O art. 32 da lei de incorporações (lei 4591/64) disciplina sobre o momento em que o incorporador poderá negociar as unidades habitacionais ou autônomas, ainda na planta, especificamente, após apresentar ao cartório de registro de imóveis competente a relação de documentos listados neste artigo, dentre eles, o título de propriedade do terreno onde será construído o empreendimento, cujo título pode ser um instrumento de promessa de permuta ou compra venda desde que irrevogável. No parágrafo segundo deste artigo, retromencionado, também está regido o direito de registro da promessa de permuta na matrícula imobiliária do terreno.
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1 Zorzi, Juliano – Permuta de terreno por unidades futuras em Incorporações
Imobiliárias/ Juliano Zorzi; orientador: Daniel Martins Boulos – São Paulo: Insper, 2013. 118 p. pg. 90
2 Artigo: “nao há óbice para registro de permuta em cartório”, autor Marcelo Guimarães Rodrigues, 12/05/2011, disponível em: https://www.conjur.com.br/2011-mai-12/nao-obice-registro-promessa-permuta- cartorio. Acesso em 5.3.22