A reforma administrativa proposta pelo governo passado, foi recentemente reavivada pelo presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Arthur Lira. Ela tem como um de seus argumentos a necessidade de reduzir os gastos com os servidores públicos, que seriam excessivos e privilegiados em relação ao setor privado. No entanto, essa narrativa não se sustenta diante de uma análise mais aprofundada dos dados e dos fatos. Vamos apresentar três pontos que desmontam o mito dos supersalários na administração pública e mostram que essa proposta de Reforma Administrativa não visa aprimorar o serviço público, mas, sim, fragilizá-lo e precarizá-lo.
1. Não há servidores públicos demais no Brasil
Um dos mitos que circula sobre a administração pública é que o Brasil teria um número excessivo de servidores públicos, que onerariam a máquina estatal e consumiriam grande parte do orçamento. No entanto, essa ideia não se confirma quando comparamos o Brasil com outros países e com as necessidades da população brasileira. Segundo dados da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o Brasil tem 12% de servidores públicos em relação ao total de trabalhadores, enquanto a média dos países da OCDE é de 21%. Além disso, o Brasil tem um déficit de profissionais em áreas essenciais, como saúde, educação, segurança e Justiça, que demandam mais investimento e valorização do serviço público.
Fonte: https://dados.republica.org/pessoas-do-setor-publico/dados, apud ILOSTA
Por outro lado, quando se questiona o suposto excesso de servidores públicos no Brasil, raramente há as seguintes ponderações: há profissionais de saúde suficientes para atender toda a população brasileira que necessita de atendimento do SUS? O setor de segurança pública tem profissionais em excesso e vivemos uma situação de tranquilidade em nosso dia a dia? Há escolas públicas demais no Brasil? Um mínimo de honestidade intelectual levará a uma resposta negativa a essas questões. Por sua vez, não raramente retoma-se o discurso genérico e sem explicar o como, sobre a necessidade do “enxugamento” do Estado brasileiro.
2. Servidores públicos, em geral, não ganham supersalários
Outro mito que se propaga sobre a administração pública é que os servidores públicos, em geral, ganham supersalários, que seriam muito acima da média do mercado e da renda da população. No entanto, essa ideia também não se sustenta quando analisamos os dados oficiais. Segundo o Atlas do Estado Brasileiro, do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a remuneração média dos servidores públicos federais, estaduais e municipais, em 2017, foi de R$ 4.256,00, R$ 3.834,00 e R$ 2.940,00, respectivamente. Esses valores estão longe de serem considerados supersalários, e ainda são inferiores aos dos servidores públicos de países desenvolvidos, como EUA, França e Alemanha.
Outro dado relevante, revelado em pesquisa do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2019, é que 90% da população brasileira ganhar menos de 5 mil reais. Veja, portanto, que, na média, os salários pagos pela administração pública estão dentro da média realidade desigual brasileira. Dentro dessa perspectiva, não se justifica a demonização que se faz em relação aos servidores públicos.
Se é verdade, que, comparativamente, é possível encontrar melhores salários no setor público que no setor privado, há apenas uma comparação entre o ruim e o péssimo. O Instituto Milenium divulgou pesquisa demonstrando essa distinção entre os setores, mas é possível observar, por exemplo:
Não há como defender, nessas profissões, que as remunerações do setor público ou do setor privado são ideais. Mas, certamente, afirmar que a remuneração do setor público representa algum tipo de privilégio está longe de ser razoável.
Por fim, nesse ponto, os salários mais elevados da administração pública representam um percentual muito pequeno em relação ao total de servidores públicos. Dados da PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua, de 2022, demonstram que apenas 5% dos servidores públicos possuem remuneração superior a 15 mil reais. E, entre esses, menos de 1% ganha acima de 27 mil reais. Boas remunerações, é verdade, mas estão longe de serem valores exorbitantes.
3. Os ditos supersalários não são absurdos, mas correlacionam com o grau de complexidade das atividades do Estado
Por fim, um terceiro mito que se difunde sobre a administração pública é que os ditos supersalários, que existem em algumas carreiras e cargos de alto escalão, seriam absurdos e injustificáveis, e que deveriam ser reduzidos ou eliminados. No entanto, essa ideia também não se sustenta quando comparamos os salários desses servidores com os do setor privado, levando em conta o grau de complexidade, responsabilidade e escolaridade das atividades de Estado que eles exercem.
Não há como negar que há cargos, no setor público, com um alto nível de complexidade e responsabilidade: ministros de Estado, ministros e desembargadores no poder judiciário, profissionais do alto escalão da segurança pública envolvem-se em assuntos que influenciam milhares de pessoas. Mesmo assim, a remuneração desses profissionais está limitada ao teto remuneratório do serviço público que, hoje, é de R$ 44.008,52.
Por sua vez, foi divulgado em 2022, pelo jornal O Estado de S. Paulo, que 90 CEOs (altos executivos de empresas) que compõem o Ibovespa receberam, somados, R$ 1.1 bilhão em remunerações. Apenas 90 pessoas, frise-se. Não está aqui defendendo-se que devam ser pagos remunerações milionárias no serviço público, mas, a título exemplificativo, o presidente do BCB - Banco Central do Brasil tem menos responsabilidade que o CEO de um banco privado? Suas decisões influenciam menos pessoas? Contudo, posto nessa perspectiva, a remuneração que se paga pelo nível de complexidade envolvida está longe de ser exorbitante.
Diante do exposto, fica evidente que o mito dos supersalários na administração pública e o projeto de reforma administrativa que se pretende retomar não se baseiam em dados e fatos, mas, sim, em uma narrativa ideológica que visa desqualificar e desmontar o serviço público, que é um direito da população e um dever do Estado. Por isso, é preciso defender e valorizar os servidores públicos, que são os responsáveis por garantir a prestação de serviços essenciais e de qualidade para a sociedade brasileira.