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NLLC: credenciamento e mercados fluídos sem cotação oficial

A hipótese de credenciamento para mercados fluídos que não contam com órgãos oficiais de cotação deve ser feito com a cotação pelos próprios credenciados, orçamento preferencialmente sigiloso e cotação feita sob a forma de proposta do licitante cadastrado.

9/2/2024

O credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade por “singularidade múltipla”.  O credenciamento é uma forma de respeito ao princípio da isonomia com a participação de todos os interessados.

Nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 79 da NLLC o preço deve ser previamente fixado pela administração pública.

Tema pouco abordado pela doutrina, porém, é o credenciamento previsto no inciso III do referido artigo onde NÃO há preço previamente estabelecido. Assim:

“Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:     

I – paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;

II – com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;

III – em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.”

O que é um mercado fluído?

O próprio artigo 79 dá uma pista sobre o sentido da expressão “mercado fluído” em seu parágrafo único, IV. Assim:

“Parágrafo único. Os procedimentos de credenciamento serão definidos em regulamento, observadas as seguintes regras:

(...)

IV - na hipótese do inciso III do caput deste artigo, a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação; (grifos nossos).

A existência de cotações é uma pista sobre o que seria mercado fluído.

Produtos com forte sazonalidade e produtos com forte influência do mercado externo estariam na categoria de “mercados fluídos”.

Como fazer a cotação na hipótese de não existir uma instituição encarregada de divulgar as cotações do mercado?

Se o Banco Central ou a Bolsa de Valores divulgam cotações a questão fica equacionada pela administração pública com a consulta a tais instituições.

Como fica a questão, porém, no caso de mercados fluídos em que não há instituição oficial encarregada da divulgação ?

Pensamos que, neste caso, deve haver prévia cotação entre os próprios credenciados para que enviem suas cotações que reflitam os preços de mercado.

Registre-se que as “cotações do Banco Central” ou “cotações da Bolsa de Valores” são meras “fotos” do mercado e não criações das referidas instituições. Tratando-se de instituições oficiais que gozam de presunção de veracidade o uso de tais cotações é um parâmetro suficiente para  aquisições. Não são, porém, cotações propriamente ditas mas meros registros de uma média de preços que resultam da oferta e da procura em determinado mercado em determinado período de tempo.

O presente texto aborda, exatamente, a hipótese em que o preço médio estabelecido pelo mercado não tem um “termômetro” de uma instituição oficial.

Nesta hipótese o próprio procedimento licitatório deverá ser a cotação do preço conjugada com a obtenção da proposta mais vantajosa para a administração pública.

A maneira possível e viável dentro do sistema licitatório brasileiro seria o credenciamento previsto no art. 79, III com a comunicação prévia dos licitantes credenciados sobre o envio de cotações em determinado momento.

Uma sugestão aos órgãos públicos é que haja indicação no edital de credenciamento de que haverá envio de e-mail (ou até mesmo whatsapp) para envio de cotação em determinado horário (que pode ser no próprio dia) e que o critério será o menor preço. É possível, na NLLC que haja escolha de marca, máxime quando se trata de aquisição de peças de veículos. 

Não se trata de um procedimento de manifestação de interesse previsto no artigo 75§3º da NLLC inobstante sua semelhança quanto à finalidade de ambos: obtenção de preço compatível com o mercado.

A ressalva é importante pois tanto a cotação quanto o procedimento de manifestação de interesse visam à mesma finalidade de espelharem o preço de mercado. A diferença substancial é que a manifestação de interesse pressupõe uma estabilidade mínima de preços que não terão variação significativa num período de 3 (três) dias e a cotação pela via dos credenciados pressupõe uma fluidez impossível de ser detectada por órgãos oficiais de cotação.

A hipótese mais provável de uso do credenciamento com cotação realizada pelos próprios licitantes é a aquisição de peças.

As peças de veículos configuram mercado fluído já que as cotações são variáveis e não são medidas por órgãos oficiais. A tabela de preços de peças das montadoras e o sistema Audatex não tem aceitação por parte das Cortes de Contas, notadamente não tem aceitação pelo TCE/SP. Inobstante a ausência de “termômetro”, a cotação deve ser obtida de alguma maneira. A lei não tem palavras inúteis.

A cotação é uma foto de um momento do mercado e, por tal motivo, a cotação deve ter lapso temporal curto (horas). A relevância do conserto do veículo da frota pública (ambulância, caminhão de lixo, etc), também é um motivo para a fixação de lapso temporal medido em horas. O mundo dos fatos existentes no mercado recomenda a celeridade da cotação com os próprios credenciados.

Desta forma, o credenciamento previsto no artigo 79, III da NLLC deve ser feito, em regra, com a utilização de estimativa sigilosa dos valores pesquisados pela administração pública já que favorece a competitividade e, também, a celeridade necessária ao conserto da frota pública.

O preço global também é um critério que pode ser utilizado, já que favorece a celeridade e, também, a qualidade da peça a ser adquirida. Não podemos deixar de lado o fato de que um veículo tem de 3.000 a 30.000 itens. A conjugação de uma peça com outra é fator relevante para o efetivo bom funcionamento do veículo.

A “compra casada” de conjuntos de peças não é uma opção de comodidade mas uma imposição para o bom funcionamento do veículo. Algumas marcas, inclusive, somente vendem “conjuntos inteiros” reforçando a necessidade de aquisição global para o bom funcionamento do veículo público.

Peças igualmente descritas “não se encaixam” inobstante o descritivo técnico ser, aparentemente, idêntico. Para piorar a situação a devolução por parte do Poder Público fica dificultada já que _formalmente _ a peça é adequada ao previsto no edital mesmo não sendo adequado ao bom funcionamento do veículo.

O fracionamento do objeto previsto na Súmula 247 do TCU que privilegia a aquisição por itens NÃO deve ser aplicada no caso de aquisição de peças já que tem potencial efetivo para prejudicar o funcionamento do conjunto automotivo a ser adquirido.

Em síntese: a hipótese de credenciamento para mercados fluídos que não contam com órgãos oficiais de cotação deve ser feito com a cotação pelos próprios credenciados, orçamento preferencialmente sigiloso e cotação feita sob a forma de proposta do licitante cadastrado. No caso de peças de veículos, deve haver aquisição pelo preço global diante da inviabilidade de aquisição por itens que comprometeria o conjunto automotivo em seu bom funcionamento.

Laércio José Loureiro dos Santos
Laércio José Loureiro dos Santos, é mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Nova Lei de Licitações", 2ª Ed. Dialética, 2.023.

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