O inferno gerencial decorre, conforme escreve o referido auditor, da “disputa excessivamente jurídica”. Ou seja, a NLLC tenta buscar na gestão privada parâmetros para a gestão pública e a gestão da frota é o epicentro do terremoto metafórico que é a alteração das regras “excessivamente jurídicas” por regras eminentemente gerenciais.
Daí a necessidade de uma visão majoritariamente gerencial e suplementarmente jurídica numa solução da filosofia do Direito Alemão do “pensamento tópico” de Theodor Viehweg obrigando-nos a resolver o problema jurídico com foco na solução.
A gestão da frota por critérios exclusivamente jurídicos da NLLC é simplesmente impossível. O conceito de “reserva do possível” do C. STF deve servir de norte para a decisão nesta área.
Merece destaque o fato inequívoco de que a frota de veículos tem dois componentes que a diferem do restante da gestão pública: o acentuado grau de imprevisibilidade e o acentuado grau de essencialidade de seu bom funcionamento. Não podemos esquecer que falamos de veículos da saúde pública, de estudantes, para manutenção de ruas e estradas.
Não há a infinitésima razoabilidade em valorizar-se o formalismo em detrimento da eficiência na prestação de serviços públicos inadiáveis.
O artigo 75,§7º é a válvula de escape para a gestão, afastando a regra da licitação em razão de diferenças substanciais existentes no mercado automotivo.
Assim prevê a referida regra da lei 14.133/21:
Art. 75. É dispensável a licitação:
I - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00, no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;
(...)
§ 7º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo às contratações de até R$ 8.000,00 de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluído o fornecimento de peças.”
Referido valor de R$ 8.000,00 atualizado para o ano de 2.024 é de R$ R$ 9.584,97 (decreto federal 11.871/23).
A possibilidade de aquisição por serviço automotivo deve ser interpretada em consonância, ainda, com o artigo 75. Assim:
Art. 75 (...)
(...)
§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão ser observados:
- o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela respectiva unidade gestora;
- o somatório da despesa realizada com objetos de mesma natureza, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade.
Ou seja, deve haver respeito ao princípio da vedação à aquisição de produto/serviço idêntico no mesmo exercício em contratos distintos. Ou seja, vedação da mesma dispensa (seja do caput, seja do §7º) que configuraria o ilícito fracionamento.
Seria possível a utilização do mesmo art. 75§º da NLLC para um mesmo veículo no mesmo exercício financeiro? Sim, desde que não haja identidade de objeto/serviço daquele mesmo veículo.
É possível que um mesmo veículo faça várias dispensas previstas no artigo 75,§7º ? SIM, desde que não haja repetição do serviço/produto no mesmo exercício.
O auditor Bruno M Nagata bem esclareceu em questão formulada prefeito de Taquaritinga no seminário proferido em Araraquara e mencionado mais adiante neste texto. Se um serviço é feito dentro do teto do art. 75,§7º e o carro sofre acidente na saída da deste serviço poderia realizar funilaria no mesmo teto? Sim, quaisquer serviços distintos podem ser realizados, desde que não haja repetição do mesmo produto/serviço no mesmo exercício.
O auditor Alexandre Sarquis, já mencionado usa o termo “fracionamento do fracionamento” que pedimos licença para batizar de fracionamento ao quadrado. O que a lei veda é o fracionamento ao cubo, ou seja, fracionar um mesmo produto/serviço já realizado no mesmo exercício.
Nesse sentido Diego Fonseca Silva1 escreveu:
“Em síntese, assim como previsto no presente artigo, o TCE/MG entende que podem ser realizadas diversas contratações que respeitem o limite fixado no § 7º do artigo 75, sendo irrelevante se as contratações são para um mesmo veículo ou para vários.”
E prossegue o referido texto:
“O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais tratou da matéria (TCE/MG, Processo 1121074, relator conselheiro Cláudio Couto Terrão, j. em 5.7.23), estabelecendo que o limite fixado no § 7º deve ser considerado por contratação, ressaltando, neste contexto, que independe ‘… de os serviços de manutenção de veículos da frota do órgão ou entidade, incluído o fornecimento de peças, serem para um ou mais veículos’. “
No mesmo diapasão, também, o auditor Bruno M Nagata, citando texto do auditor Sarquis mencionado supra no Seminário “Nova Lei de Licitações e Contratos: Aspectos Municipais – 26/5/23", respondendo à pergunta do Prefeito de Taquaritinga (2:34:20 até 2:37:00, acessível na Escola de Contas no Youtube).
Resumindo: O conceito de inconstitucionalidade progressiva do art. 75§7º da NLLC deve ser interpretado em consonância com o “ciclo de Deming” (conhecido como PDCA da sigla em inglês) No referido ciclo o gestor deve “planejar, fazer, checar e agir”. Na NLLC o gestor deve conjugar os mesmos verbos de maneira a reduzir, progressivamente, os percentuais de fracionamento históricos do ente público até torna-los, percentualmente irrelevantes. A regra do art. 75,§7º é uma figura de cristalização da falta de planejamento por impossibilidade existencial e necessidade intrínseca.
A válvula de escape do art. 75,§7º deve ser um “coringa” a ser utilizado cada vez menos com a utilização, por exemplo, de credenciamento de borracheiros, credenciamento de lavadores de veículos, registro de preços de filtros, de óleos, etc.
Não se pode perder de vista que _ rigorosamente _ o art. 75,§7º é uma regra em dissonância com o princípio do planejamento. Um planejamento prolongado com a utilização do ciclo de Deming e progressão no planejamento tornará a válvula de escape algo excepcional e insignificante numa administração pública bem organizada.
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1 https://www.conjur.com.br/2023-dez-11/manutencao-de-veiculos-na-nova-lei-de-licitacoes-e-especificidade-do-%C2%A7-7o-do-artigo-75/