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Guarda compartilhada e a importância da lei 14.713/23

O texto aborda a guarda compartilhada e sua modificação pela lei 14.713/23, diferenciando-a das modalidades de guarda do Código Civil e da disciplinada no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, destacando que esta última é uma forma de colocação em família substituta, garantindo assistência e direitos ao menor.

5/12/2023

Primeiramente, necessário destacar que o presente artigo visa analisar a guarda compartilhada e a alteração promovida pela lei 14.713/23 em sua aplicação. Insta salientar que a guarda compartilhada é uma das modalidades de guarda que decorrem do Direito de Família, previstas no Código Civil e na jurisprudência, que não se confundem com a guarda prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

Antes de tratar do tema em si, insta diferenciar as modalidades de guarda previstas no Código Civil e na jurisprudência e a guarda disciplinada ECA.

No ECA, a guarda é uma forma de colocação da criança ou do adolescente em família substituta, conforme elucida seu art. 281, destinando-se à regularização da posse de fato e obrigando o guardião à “prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”, conferindo “à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários”, conforme previsto no art. 33 do ECA.

Ainda de acordo com o referido diploma, a guarda é uma medida de proteção à criança e ao adolescente, sendo aplicável sempre que seus direitos se encontrarem ameaçados ou violados, conforme se extrai dos artigos 98 e 148.

Em suma: no ECA, fala-se em guarda nas hipóteses em que a criança ou o adolescente se encontra em situação de vulnerabilidade em razão da ameaça ou violação de seus direitos.

Já no Código Civil, a guarda é um instituto de direito de família e se aplica nas hipóteses em que os pais não residem juntos, geralmente resultado de separação ou divórcio, não havendo uma situação de vulnerabilidade da criança ou adolescente. Expressamente, são previstas duas modalidades de guarda: unilateral e compartilhada.

A guarda unilateral é, nos termos do Código Civil, aquela “atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (...)2, ao passo que a guarda compartilhada compreende “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que vivam sob o mesmo teto (...)3”.

Nesta modalidade, “o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos4.

Apesar da semelhança, a guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada, criação doutrinária – ou seja, não consta no Código Civil – que é a situação em que os pais revezam o tempo que ficam com seus filhos (as). Esta modalidade, apesar de muito aplicada, não é recomendável, pois essa alternância pode gerar prejuízos e traumas à criança ou adolescente.

Também decorrente da doutrina, tem-se a guarda nidal ou de nidação ou aninhamento, que “é caracterizada pela permanência dos filhos na mesma residência em que vivia o casal antes do divórcio. Os pais se retiram de casa e retornam em períodos fixos pré-estabelecidos, de modo que a criança não tem qualquer alteração em sua rotina espacial5”.

Em síntese: o Código Civil prevê duas modalidades de guarda, que são a unilateral e a compartilhada e a doutrina traz ainda duas outras, quais sejam: nidal e alternada, sendo esta muito adotada pela jurisprudência pátria.

Tratando especificamente da guarda compartilhada, é necessário superar  o mito de que na guarda compartilhada há alternância da guarda dos filhos: como visto acima, isso ocorre na guarda alternada, em que a criança transita entre as casas de seus pais, sendo chamado pela doutrina de filho “mochileiro6. Na guarda compartilhada, portanto, não há necessidade de haver uma distribuição igualitária dos dias em que o (a) filho (a) fica na casa de seus pais.

A Ministra Nancy Andrighi, em julgamento de caso envolvendo o tema pelo STJ, assim as diferenciou: "Com efeito, a guarda compartilhada impõe o compartilhamento de responsabilidades, não se confundindo com a custódia física conjunta da prole ou com a divisão igualitária de tempo de convivência dos filhos com os pais7",

Tanto é assim que o STJ já entendeu pela possibilidade de se aplicar a guarda compartilhada mesmo nos casos em que os pais residem em cidades diferentes8 e até mesmo em países diversos9.

Nesse diapasão, por tratar do compartilhamento de responsabilidades, a guarda compartilhada é adotada como regra pelo Código Civil, conforme permite concluir o art. 1.584, §1°10, somente não sendo aplicada em hipóteses taxativamente previstas no art. 1.584, §2°: (i) caso um dos genitores declare que não deseja a guarda; (ii) quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.

Essa segunda hipótese se trata de inovação legislativa trazida pela lei 14.713/23, recém publicada (publicação em 31 de outubro de 202311). Até então, apenas não se aplicava por desejo de um dos genitores, portanto.

Essa alteração é de suma importância, tendo por objetivo a proteção da criança ou adolescente, sobretudo diante de casos trágicos como do Henry Borel, que também motivou a edição da lei 14.344/22.

Mas não é só: ao não restringir a vítima de provável violência doméstica ou familiar, o legislador permitiu que, na opinião deste autor, seja determinada guarda unilateral na hipótese em que há probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar contra a genitora, visando, assim, protegê-la.

E não tem motivo para interpretar de maneira diversa, isso porque:

  1. o Código Civil, em seu art. 1.638, §único, inciso I, alínea “a” prevê expressamente que a prática de “homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher” contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar é hipótese de perda do poder familiar;
  2. a lei Maria da Penha (lei 11.340/06) traz, em seu art. 22, IV, como medida protetiva de urgência que obrigam o agressor, a “restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar”
  3. a lei Maria da Penha (lei 11.340/06) prevê, em seu art. 23, incisos III e V, como medidas protetivas destinadas a mulher vítima de agressão, a manutenção da guarda dos filhos, em caso de afastamento do lar, e “a matrócuila dos despendentes da ofendida em instituição de escola básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga”.

Trata-se, pois, de importante inovação não só na proteção da violência doméstica e familiar contra os filhos, mas também contra as genitoras.

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Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

2 Art. 1.583, §1°, CC.

3 Ibidem.

4 Art. 1.583, §3°.

5 DELGADO, Mário Luiz. Guarda alternada ou guarda compartilhada com duas residências? Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-dez-23/processo-familiar-guarda-alternada-ou-guarda-compartilhada-duas-residencias/. Acesso em 01 dez. 2023.

6 Ibidem.

7 Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/23062021-Guarda-compartilhada-e-possivel-mesmo-que-pais-morem-em-cidades-diferentes.aspx. Acesso em 01 dez. 2023.

8 Ibidem.

9 Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/07022023-Guarda-compartilhada-nao-impede-mudanca-da-crianca-para-o-exterior--define-Terceira-Turma.aspx. Acesso em 01 dez. 2023.

10 Art. 1.584, §1°: § 1º  Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

11 Disponível em: https://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-legis/legislacao-1/leis-ordinarias/2023-leis-ordinarias. Acesso em 01 dez. 2023.

Ariel Bianchi Rodrigues Alves
Graduação em Direito pela FDRP-USP. Pós em Direito Tributário pelo IBET e em Auditoria Governamental pela Estácio. Ex-advogado. Ex-auditor de Controle Interno municipal. Servidor da Justiça Federal.

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