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Delenda est Carthago e a ADIn 1183

As Guerras Púnicas duraram 83 anos. A promulgação de nossa Constituição já irá aos 35 anos outubro próximo, assim como seu intacto art.236. Sempre alertas. O quanto antes, em prol da República, assim como fez Cipião, rogamos celeridade ao Supremo, é preciso salgar bem esse solo.

21/9/2023

Cartago deve ser destruída! é uma frase histórica célebre. Ganhou fama durante a terceira e última das chamadas Guerras Púnicas, travadas entre a então República Romana e Cartago (cidade-estado fenícia, ao norte da África, atual Tunísia).

A razão da máxima se amparava no temor de Roma ante a extrema capacidade de “ressurreição” dos cartagineses, que já haviam sido derrotados por duas vezes em quase um século de guerras, mas conseguiam reconstruir rapidamente seu exército após cada derrota e se propunham a novas investidas contra a República.

Principalmente, Delenda est Carthago, era insistentemente proferida pelo Censor romano Catão, o Velho (234-149 a.C.), que já havia inclusive lutado contra os cartagineses e assim invariavelmente finalizava seus discursos. O recado manifesto era pela ausência de solução à insurreição dos cartagineses que não passasse pela eliminação definitiva de Cartago, considerando as reiteradas rejeições de tentativas de conciliação, seguidas de novas insurreições, por décadas, que se estenderam entre 264 a.C. e 146 a.C., sendo Cartago totalmente destruída ao final.

Seu significado transcendeu sua origem, a frase hoje nos alerta para a necessidade de decisões e soluções urgentes e definitivas, sem postergação.

Agora deixemos, por um momento, a história antiga e o Mediterrâneo, volvemos à história e ao calor mais recentes em nossos trópicos.

A origem dos cartórios no Brasil remonta ao Brasil Colônia e às Ordenações do Reino, mas somente após a Proclamação da República, com a independência dos Estados, conquistaram relativa independência e autonomia administrativa, consolidando-se como serviço indispensável nos momentos mais importantes na existência de um cidadão: seu nascimento e de seus filhos, seus contratos, seu casamento e até sua morte.

Infelizmente, não obstante (talvez em decorrência) sua indiscutível relevância, interesses outros dominaram secularmente a delegação do serviço de notória função pública desde a origem e, consequentemente, o termo cartório passou a ter sentido conotativo negativo, aquele do lugar dos amigos do rei.

A tentativa de correção derradeira da distorção somente veio à luz com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e seu artigo 236, e posteriormente com a vigência da Lei 8.935/94, que passou a tratar dos Serviços Notarias e de Registro.

Duas grandes divisas ali foram impostas: a obrigatoriedade de concurso público para a outorga da delegação do serviço e a abolição do termo Cartório, substituído por Serviços Notarias e de Registro, uma clara tentativa de correção semântica.

Contudo, com já dito alhures, a “eficácia plena perdida” do §3º do art. 236 da Constituição que diz que “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”, até então era considerada natimorta.

Mas era “só” uma Catalepsia de 34 anos.

Isso porque, no dia 11/9/23, o Supremo Tribunal Federal finalizou em sessão virtual  o julgamento dos Embargos de Declaração opostos na ADIn 1183, entendendo a maioria que a única “solução constitucionalmente válida” para o preenchimento das serventias extrajudiciais é o concurso público, ressuscitando a “eficácia plena perdida” do §3º do art.236 da Constituição Federal.

Ali, nossa Corte tomou emprestadas as palavras de Catão: As substituições interinas sem concurso devem cessar!

Contudo, embora ressuscitado, o dispositivo constitucional. O julgamento foi suspenso para posterior proclamação do resultado, em 20/9/23.

Noutro flanco, já se açoda no horizonte a Proposta de Emenda à Constituição 255/16, a qual visa, dentre outras investidas, assegurar a delegação aos substitutos ou responsáveis designados em situação de interinidade, sem a prévia aprovação em concurso público, em claro demérito aos caros princípios de Montesquieu e ao decidido pelo Supremo. No último dia 30/5/23 foi designado relator da Proposta.

O temor de Catão permanece no ar.

Voltando ao Mare Nostrum, após mais uma derrota do exército Romano comandado por  Pisão Cesonino, o jovem Cônsul Cipião Emiliano Africano (cujo pai havia vencido Aníbal)  foi mandado de volta a Cartago para comandar uma nova investida. Em 146 a.C., finalmente Cartago foi destruída e, reza a lenda, Cipião mandou espalhar sal sob seu solo para que ali nada de mais daninho crescesse.

As Guerras Púnicas duraram 83 anos. A promulgação de nossa Constituição já irá aos 35 anos outubro próximo, assim como seu intacto art.236.

Sempre alertas. O quanto antes, em prol da República, assim como fez Cipião, rogamos celeridade ao Supremo, é preciso salgar bem esse solo.

Andréa Chaves
Presidente da Associação Brasileira de Cartórios Extrajudiciais -ABRACE. Oficial de registro concursada em Minas Gerais, há doze anos, bacharel em dirieto pela Newton e licenciada em Letras p/ PUC-MG.

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