Uma novidade escondida nas “entrelinhas” é a ausência de necessidade de publicação no Diário Oficial do Estado quando não houver dinheiro deste ente político.
Nossa estimativa é a de que haja economia anual na ordem de meio milhão de reais para cidades de até 30.000 habitantes e economia de milhões em cidades acima de 80.000 habitantes. Mera estimativa obtida em conversas informais com atores dos setores de licitação, registre-se. Ainda assim, valores de grandeza absurdas.
Merece destaque, ainda, o fato de que o preço da publicação no Diário do Estado, muitas vezes supera o valor de mercado de um jornal privado de grande circulação. Ocorre uma refinada ironia com as regras licitatórias e com a jurisprudência dos Tribunais de Contas que sempre exigiram preços “compatíveis com o mercado”.
A exigência de publicação no órgão Oficial do Estado configurou, inúmeras vezes, um vilipêndio às regras de mercado e uma exigência inútil e burocrática, já que sempre existiram meios mais eficazes e muito mais baratos de divulgação da licitação.
A título de exemplo: um mesmo aviso de licitação no jornal “Gazeta de São Paulo” custava, em setembro deste ano, R$ 81,00 e no DOE a extraordinária cifra de R$ 720,00. O último preço é 888,88% do preço do jornal privado. Não há matemática de mercado que justifique tal diferença escorchante.
Até mesmo o agiota Shylock descrito por Willian Shakespeare na obra “O mercador de Veneza” prestava serviços bem mais em conta, exigindo apenas “uma libra da carne” do corpo do devedor.
A publicidade do PNCP supre o princípio da publicidade em boa medida e o §1º do artigo 54 da NLLC deve ser interpretado no sentido de que a publicidade junto ao PNCP deve ser somada à publicidade do respectivo ente político que está licitando além do jornal diário de grande circulação. Obvio que se houver dinheiro de outro ente político distinto daquele que está licitando o respectivo Diário Oficial também deverá ser utilizado como meio de divulgação.
Nesse diapasão são as palavras de Marçal Justen Filho1:
“4) A obrigatoriedade da publicidade por outros meios
A rejeição ao veto aposto ao § 1.º do art. 54 acarretou a obrigatoriedade da divulgação do edital da licitação não apenas no PNCP, mas também no veículo de publicidade oficial do ente federativo (Diário Oficial) e em jornal diário de grande circulação.” (grifos iniciais no original e finais nossos).
Assim, prevê a lei mencionada pelo respeitado autor:
“Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput, é obrigatória a publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, bem como em jornal diário de grande circulação. (Promulgação partes vetadas)
§ 2º É facultada a divulgação adicional e a manutenção do inteiro teor do edital e de seus anexos em sítio eletrônico oficial do ente federativo do órgão ou entidade responsável pela licitação ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, admitida, ainda, a divulgação direta a interessados devidamente cadastrados para esse fim.
§ 3º Após a homologação do processo licitatório, serão disponibilizados no PNCP e, se o órgão ou entidade responsável pela licitação entender cabível, também no sítio referido no § 2º deste artigo, os documentos elaborados na fase preparatória que porventura não tenham integrado o edital e seus anexos.” (grifos nossos).
A finalidade da norma foi, sem sombra de dúvidas, implementar o princípio da economicidade previsto na própria lei de licitações, além do princípio constitucional da eficiência.
A publicidade no Diário Oficial do Estado tinha previsão no artigo 21 do Códex moribundo. Assim:
“Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: (Redação dada pela lei 8.883, de 1994)
(...)
II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal quando se tratar, respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal;“
A regra é de um anacronismo ímpar. Em plena era da internet a regra é um fóssil jurídico cuja morte é muito bem recebida e seu enterro é motivo de alegria ao erário.
A publicidade será efetivada no mundo real com a divulgação no PNCP. As regras adicionais são, substancialmente, desnecessárias e contamos com a mitigação da tautológica e repetitiva publicidade prevista na lei pelos Tribunais.
Fruto do Lobby dos “cartórios da imprensa”, a publicidade repetitiva no PNCP e jornal de grande circulação diária tem seus dias contados (do ponto de vista do viés “cartorial”) quando os tribunais de contas mantiverem publicações diárias de seus jornais e facilitarem as publicações dos jurisdicionados.
A regra da lei anterior de publicação no Diário Oficial do Estado, porém, deverá ser mantida, caso haja transferência de dinheiro do respectivo Estado. Da mesma forma quando houver dinheiro da União.
Assim, a regra de publicação da licitação exige: publicação no PNCP e jornal de grande circulação diária (que pode ser o Diário Oficial do TCE, caso seja diário) e diário oficial do ente político licitante. Caso haja dinheiro de outro ente político, também deve haver publicação no Diário Oficial do ente que realizou a transferência de recursos.
Nosso modesto entendimento é o de que a hermenêutica de que o artigo 54,§1º no sentido de que haveria necessidade de sempre haver publicação nos Diários Oficiais dos três entes políticos (União, Estado/DF e Município) viola o princípio federativo já que seria uma forma de controle do dinheiro de um ente político por outro.
Entretanto, pelo mesmo motivo acima referido, deve haver publicação no Diário Oficial do ente político sempre que houver dinheiro deste mesmo ente político.
Já a publicação no Diário Oficial do Estado prevista no artigo 21 da moribunda lei 8.666/93 resiste apenas como registro histórico de um dinossauro jurídico que não sobreviveu à mudança climática dos princípios da economicidade e eficácia.
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1 “Comentários à lei de licitações e contratações administrativas”, Editora RT, 2.023, e-book, comentário ao artigo 54 da NLLC.