Nos últimos meses, o debate envolvendo o marco temporal para demarcação de terras indígenas retomou os holofotes do Congresso nacional, STF e mídia. E a atenção é pertinente, considerando os impactos negativos que Estados, municípios e consequentemente o agronegócio nacional sofrerão, caso seja decidido pela não aplicação do marco temporal.
Para aqueles que estão chegando agora e não sabem do que se trata essa discussão, sugiro a leitura atenta deste artigo, porque o que está em jogo é preocupante.
O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5/10/88, data de promulgação da Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido aos povos originários com previsão desde a criação do estatuto do índio (lei 6.001/73), Constituição Federal de 1988 (art. 231 e 231) e decreto 1.775/96 que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação, sendo de competência da União proceder.
Explicaremos no decorrer deste artigo, de forma objetiva, apesar da complexidade do tema, a origem da discussão e os impactos deste julgamento para a economia e ao agronegócio.
Após 35 anos de litígio e 4 anos da então homologação da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol/RR, o STF no julgamento da Ação Popular 3.388 em 2009 de relatoria do hoje aposentado Ministro Ayres Brito, julgou favorável à comunidade indígena, utilizando como uma das premissas para fundamentação do seu voto, o fato daquela comunidade estar na posse da terra anterior a promulgação Constituição Federal, que se deu em 5/10/88.
Com base no julgamento da homologação da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, diversos entes da federação e proprietários de imóveis rurais que estavam sofrendo com os processos de demarcação, solicitaram o seu cancelamento, ocasionando o ajuizamento de inúmeras ações de anulação de procedimentos demarcatórios e reintegração de posse.
Dentre estas ações, a que está hoje em julgamento no STF, tendo como partes a Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (FATMA) e de outro lado os indígenas da etnia Xokleng, Funai e União (Recurso extraordinário 1017365 – com repercussão geral).
Na primeira e segunda instância a FATMA teve seus pedidos atendidos, havendo a determinação judicial para reintegração da posse, sendo utilizado em todas as instancias julgadoras, o mesmo fundamento do julgamento da homologação da demarcação da Raposa Serra do Sol, de que somente poderiam reivindicar as terras comprovadamente ocupadas antes da promulgação da CF/88.
Neste caso acima, o TRF-4 aplicou o critério do "marco temporal' ao conceder ao instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ.
O caso de FATMA, não foi isolado. Tribunais de todo Brasil começaram a julgar também neste mesmo sentido. Foi aí então, que houve a intervenção do Ministério Público Federal (Ação Civil Pública) e da Advocacia Geral da União (através de pareceres), requerendo a suspensão de todos os procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas e ações que tratavam sobre o tema.
Com base nas inúmeras ações, foi que o relator do recurso, Ministro Edson Fachin, reconheceu que o assunto em questão deveria ser julgado como matéria de repercussão geral, ou seja, o que for decidido neste julgamento será aplicado em todos os casos de demarcação de terras indígenas. É a partir deste ponto que inicia a preocupação com o resultado deste processo.
Os povos indígenas e seus representantes defendem que o marco temporal é inviável, já que diversas tribos foram expulsas de suas terras antes da promulgação da Constituição Federal, e que por esse motivo não estão na posse de suas propriedades, inviabilizando assim a demarcação.
Do outro lado da celeuma, temos o agronegócio, Órgãos Federais, empresas e Estados da Federação que defendem a instituição do marco temporal, afirmando que a adoção dessa tese traz segurança jurídica e protege o direito à propriedade privada, sendo um risco para o agronegócio e a economia brasileira caso não seja fixada.
As consequências que a decisão contrária poderá provocar são imensuráveis, considerando que cidades e propriedades rurais poderão ser dizimadas dando espaço a demarcação, havendo nítido violação constitucional ao direito a propriedade privada (inciso II, do art. 170 da CF/88).
Importante recordar o que aconteceu com a área entre os limites dos municípios de Apiacás/MT, distante 1.005 quilômetros de Cuiabá e Jacareacanga/PA na gestão do Governo Dilma Rousseff (2013), onde uma cidade inteira foi literalmente derrubada.
O Ministro Edson Fachin, votou no dia 09/09/2021 de forma contrária ao Marco Temporal, defendendo que são fundamentais os diretos dos indígenas, entendendo que além de garantir a manutenção de uma vida digna aos índios, "a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas, sob pena de desconsideração desses direitos enquanto direitos fundamentais, bem como de todo o arcabouço normativo-constitucional da tutela da posse indígena ao longo do tempo".
O Ministro Kássio Nunes Marques votou no dia 15/9/21 a favor da tese do Marco Temporal, defendendo que a posse indígena sobre certa terra somente deveria existir até 1988, a fim de evitar a expansão ilimitada para áreas já incorporadas ao mercado imobiliário do país.
Já o Ministro Alexandre de Moraes, no dia 7/6/23 proferiu votou contra o marco temporal, defendendo a tese de que deveria haver uma conciliação, em nome da segurança jurídica, os direitos dos indígenas com os produtores rurais que adquiriram as terras de boa-fé. Após o voto do ministro, André Mendonça pediu vista.
Paralelamente às discussões que envolvem o STF, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) conseguiu aprovar em caráter de urgência o PL 490/07 na Câmara dos Deputados Federais, que além de transferir do Poder Executivo ao Legislativo a competência para realizar as demarcações, estabelece a fixação do marco temporal. O PL seguiu para o Senado Federal para revisão.
De acordo com a FPA, uma pesquisa realizada pelo Instituo Pensar Agropecuária (PensarAgro), que reúne 44 entidades do setor produtivo, concluiu que se não houver o marco temporal com base na promulgação da CF/88, nós teremos um salto de 14,1% para 27% do território brasileiro considerado terra indígena, o que acarretará a queda significativa nas exportações, e claro, o cancelamento de títulos de propriedade de imóveis, cujos proprietários apenas serão indenizados pelas benfeitorias e não pela terra.
Apesar de não ser possível datar a finalização do julgamento ou da votação pelo Senado, devemos ficar atentos ao resultado que impactará significante o agronegócio nacional. O Agro não é contra os povos indígenas, ou a favor daqueles que adquiriram e adquirem propriedades por meios irregulares, o setor defende o produtor de boa-fé que através do seu suor, conquistou de forma legítima o título de sua propriedade.
A não aplicação do marco temporal, com base na promulgação da Constituição Federal de 1988, seria um grave retrocesso, afetando diretamente o agronegócio e toda a população, dado o efeito cascata que ocorrerá com a diminuição da produção agrícola e até mesmo a extinção de cidades.
A título de exemplo, no dia 28/07/2023, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) apresentou um estudo pretendendo a demarcação de uma área equivalente a 360.000 mil hectares, que vai do município de Vila Rica/MT, Santa Cruz do Xingu/MT e São Felix do Xingu/PA. Estima-se que aproximadamente 200 proprietários de imóveis rurais corram o risco de perder suas propriedades.
Precisamos acompanhar as votações do PL 490/07 e exigir dos nossos representantes no Congresso Nacional que defendam o direito constitucional a propriedade privada e estabeleçam o marco temporal para demarcação das terras indígenas com base na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, ou seja, 5/10/88.