Migalhas de Peso

Os parâmetros de conveniência e oportunidade para celebração de termos de compromisso no âmbito da CVM

É questionável que a celebração do acordo fique vinculada à vontade de terceiros (os quais não raro estão no mesmo processo, porém acusados por ilícitos distintos).

11/4/2023

O termo de compromisso foi introduzido no mercado de capitais brasileiro pela lei 9.457/97, a qual incluiu as bases legais para a celebração dos termos na lei 6.385/76, a chamada “lei do Mercado de Capitais”.

O termo de compromisso está previsto no §5º do art. 11 da lei 6.385/76, onde estão dispostas as sanções administrativas que podem ser aplicadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O instrumento complementa a atuação sancionadora tradicional da CVM, sendo-lhe uma opção para finalizar processos sancionadores de modo célere e com ganhos de eficiência na alocação dos recursos humanos e materiais do regulador.

O termo de compromisso consiste, em linhas gerais, em um acordo celebrado entre a CVM e o acusado da prática de algum ilícito. De um lado, a CVM abre mão do seu jus puniendi e se dispõe a encerrar o processo administrativo sem julgamento de mérito e culpa. De outro, conforme os incisos II e II do §5º, o acusado se compromete a (i) cessar a prática considerada ilícita (em caso de ilícito de ilícito de natureza continuada); e (ii) indenizar eventuais prejuízos, da seguinte maneira: caso os danos prejudiquem terceiros identificáveis, deve indenizá-los; caso sejam danos difusos ao mercado como um todo, deve pagar uma quantia adequada para inibir a prática de infrações semelhantes pelos demais participantes do mercado.

Em 2017, a lei 13.506/17 aumentou o valor máximo da multa que a CVM poderá aplicar em processos administrativos sancionadores (de R$ 500 mil para R$ 50 milhões), incluindo os valores propostos em termos de compromisso. Os recursos das multas são apropriados inteiramente pelo Tesouro Nacional, o que é correto sob o ponto de vista de que existiria conflito de interesses caso a punição se destinasse a custear as atividades do regulador (ao contrário do que acontece com a taxa de fiscalização, como ex e atuais diretores da CVM discutiram em artigos recentes).

Em 2021, a CVM editou a Resolução CVM 45/21 que dispõe sobre o rito dos procedimentos relativos à atuação sancionadora da CVM, onde estão dispostas as demais condições e procedimentos para celebração do termo de compromisso.

Em 2022, a CVM celebrou termos de compromisso em 43 processos, envolvendo 70 acusados e resultando em multas no valor total de R$ 41,95 milhões, segundo dados do Relatório de Gestão da CVM 2022.

A propositura do termo de compromisso cabe exclusivamente ao acusado, enquanto a decisão em relação à aceitação ou rejeição da proposta depende unilateralmente do regulador, que pode negociar e então decidir dentro do perímetro legal propositalmente amplo e aberto disposto na lei 6.385/76 e Resolução CVM 45/21.

O parâmetro para a avaliação das propostas se modificou desde a introdução do instituto, conforme as alterações no art. 11 da lei 6.385/76:

A lei 9.873/97 introduziu o dispositivo assim: “Art. 11 (...) § 5º A Comissão de Valores Mobiliários poderá suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo, se o indiciado ou acusado assinar termo de compromisso”.

O decreto 3.995/01 alterou a redação original: “Art. 11 (...) § 5o A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu exclusivo critério, se o interesse público permitir, suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso (...)”.

A lei 13.506/2017 conferiu a redação atual: “Art. 11 (...) § 5o A Comissão de Valores Mobiliários, após análise de conveniência e oportunidade, com vistas a atender ao interesse público, poderá deixar de instaurar ou suspender, em qualquer fase que preceda a tomada da decisão de primeira instância, o procedimento administrativo destinado à apuração de infração prevista nas normas legais e regulamentares cujo cumprimento lhe caiba fiscalizar, se o investigado assinar termo de compromisso (...)”.

A celebração do termo de compromisso depende, em última instância, da “análise de conveniência e oportunidade” realizada regulador. A Resolução CVM 45/21 estabelece alguns critérios para essa análise:

“Art. 86. Na deliberação da proposta, o Colegiado deve considerar, dentre outros elementos, a oportunidade e a conveniência na celebração do compromisso, a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo, os antecedentes dos acusados ou investigados ou a colaboração de boa-fé destes, e a efetiva possibilidade de punição, no caso concreto”.

Vê-se que a discricionariedade do regulador foi sendo reduzida (“a seu exclusivo critério” do decreto 3.995/01 foi retirado), mas ainda há confortável margem de discricionariedade para a sua decisão (vide o uso de conceitos abertos como “conveniência e oportunidade” na lei 6.385/76, e a indicação de “dentre outros elementos” na Resolução CVM 45/21).

A amplitude é positiva pois permite que a interpretação acompanhe as transformações do mercado e leve em conta as particularidades do caso concreto para a celebração, ou não, do termo de compromisso. Mas não exclui a importância de entender melhor tais parâmetros, ainda que abertos, utilizados pela CVM, em linha com os princípios da motivação e segurança jurídica (listados no art. 2º da Resolução CVM 45/21).

Como dito acima, a propositura do termo de compromisso é um direito do acusado e que só cabe a ele., mas a aceitação da proposta é uma prerrogativa da CVM, não havendo qualquer direito subjetivo do investigado em celebrá-lo.

Sendo uma mera faculdade do regulador, e não existindo a possibilidade de revisão da decisão, é importante que a CVM (i) ex-ante, seja previsível em como interpreta o dispositivo legal; e (ii) ex-post, uma vez aplicada ao caso concreto, apresente a decisão com a devida fundamentação, de acordo com análise de “conveniência e oportunidade” realizada.

As decisões do regulador são elogiáveis quanto a fundamentação, com destaque para a exposição detalhada das razões no “Parecer de Termo de Compromisso”, preparado pelo “Comitê de Termo de Compromisso” e encaminhado para o Colegiado antes da decisão final.

Por outro lado, há pouca sistematização a priori em relação à interpretação dos dispositivos legais.

Antes de apresentar a proposta, o acusado tem dificuldades em prever como sua oferta será tratada. Isso pode afastar eventuais interessados em propor a celebração do termo ou, como outro lado da mesma moeda, atrair interessados que de outro modo sequer submeteriam a proposta (que embora não importe em confissão de culpa, envolve o ônus de apresentá-la e tê-la publicizada).

Por isso, tratar do tema é importante para que o instituto seja utilizado de forma transparente, justa e com razoável grau de previsibilidade pelos participantes de mercado.

Algumas decisões do Colegiado já discutiram os critérios de “conveniência e oportunidade” que fundamentam as decisões sobre termos de compromissos, como o voto da Diretora Luciana Dias no PAS CVM nº 2013/6625, julgado em 17.06.2014; e o voto do Diretor Alexandre Rangel no PAS CVM 2018/3113, julgado em 10.01.2023.

Trabalhos acadêmicos também tocaram no assunto, como a dissertação “Termos de compromisso em processo administrativo sancionador da Comissão de Valores Mobiliários” de Vinícius Fadanelli; e o artigo “Termo De Compromisso E Manipulação Do Mercado: Análise Crítica Das Decisões da Comissão De Valores Mobiliários” de Victor Barone.

Abaixo, apresento uma revisão sumária dos critérios que sustentam as decisões da CVM em torno das propostas de termo de compromisso.

A começar pela leitura do dispositivo da lei 6.385/76 que é a pedra angular do tema:

Lei 13.506/17 conferiu a redação atual: “Art. 11 (...) § 5o A Comissão de Valores Mobiliários, após análise de conveniência e oportunidade, com vistas a atender ao interesse público, poderá deixar de instaurar ou suspender, em qualquer fase que preceda a tomada da decisão de primeira instância, o procedimento administrativo destinado à apuração de infração prevista nas normas legais e regulamentares cujo cumprimento lhe caiba fiscalizar, se o investigado assinar termo de compromisso (...)”.

A análise de “conveniência e oportunidade” deve atender ao “interesse público”, termo que é de difícil definição, mas pode ser simplificado como a maximização do interesse coletivo que deve guiar a decisão de celebrar o termo de compromisso ou prosseguir o processo administrativo.

Deve se considerar que o interesse público, no primeiro nível, é satisfeito pelas consequências da celebração do acordo que discutimos acima: a cessão da prática do ato supostamente ilícito; e a indenização em face das irregularidades apontadas. No entanto, os casos podem envolver circunstâncias que desvirtuam a satisfação desse interesse público.

Uma vez discutidos os critérios acima, espero que estejam claros os parâmetros que regem e condicionam a atuação sancionadora da CVM no âmbito da celebração dos termos de compromisso, em especial naquilo que garante ao acusado, dentre outras prerrogativas, a eficiência, a previsibilidade e a segurança jurídica.

Por mais que a celebração do termo de compromisso leve a cessação da prática e a indenização dos prejuízos, há casos em que produz consequências negativas para a higidez e confiança do mercado que desvirtuam a “conveniência e oportunidade” de celebrá-los.

Portanto, pela análise da “conveniência e oportunidade”, deve-se entender a análise de se as consequências legais da celebração do termo (cessão da prática e indenização dos prejuízos) são preferíveis do que a decisão de não celebrá-lo.

A análise de “conveniência e oportunidade”. medirá como as circunstâncias do caso concreto preenchem os critérios para então aceitar, rejeitar ou majorar os valores propostos pelo acusado, visando a adequação entre as circunstâncias e os compromissos necessários para desestimular práticas semelhantes.

Os critérios que balizam a análise de “conveniência e oportunidade” estão dispostos no art. 86 Resolução CVM 45/21, como vimos acima:

“Art. 86. Na deliberação da proposta, o Colegiado deve considerar, dentre outros elementos, a oportunidade e a conveniência na celebração do compromisso, a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo, os antecedentes dos acusados ou investigados ou a colaboração de boa-fé destes, e a efetiva possibilidade de punição, no caso concreto”.

Note que o dispositivo também se refere a “conveniência e oportunidade”, sendo que dessa vez lado-a-lado com os demais critérios. A “conveniência e oportunidade” está na lei 6.385/1976 como a principal orientação para a decisão final, enquanto na Resolução CVM 45/21 como um dos critérios para essa decisão. Adianto que os precedentes da CVM se baseiam na primeira acepção, tendo verificado que as decisões sempre mencionam a “conveniência e oportunidade” como uma orientação para a decisão final.

Além dos critérios da Resolução CVM 45/21, a análise dos precedentes revelou que a CVM também considera (iv) a necessidade de posicionamento do Colegiado; (v) o estágio processual; e (vi) a possibilidade de economia processual.

Analisemos brevemente cada um dos critérios:

(i) a natureza e a gravidade das infrações: são casos em que tipo de infração, bem como o contexto e as circunstâncias que o cercam, salientam a gravidade da conduta. Como resumiu a ex-Diretora Norma Parente, “infração por demasiado grave ao mercado de valores mobiliários não admite o não julgamento da matéria” (PAS CVM nº 2003/7697, julgado em 23.8.05).

A gravidade do caso pode advir de diferentes circunstâncias, dentre as quais: a quantidade ou relevância dos dispositivos supostamente violados, o porte da companhia ou players envolvidos e até mesmo a repercussão midiática do caso (cf. PAS CVM 19957.009010/2021-72, julgado em 20.12.22, em que o colegiado rejeitou a proposta considerando que o caso “foi bastante rumoroso").

Embora semelhante ao critério de “necessidade de posicionamento do Colegiado” (descrito abaixo), o intuito é menos “orientar” do que servir como “exemplo”, com ênfase no efeito pedagógico da punição. A CVM entende que o efeito dissuasório do julgamento e eventual punição é mais relevante do que o mesmo efeito causado pela publicação dos termos de compromisso celebrados, pelos quais o mercado toma ciência de que determinada conduta ensejou a multa acordada no termo.

No Parecer/CVM/PJU/005 (de 10 de março de 1998), apresentado para explicar o então novo instrumento, a CVM explicou que “aquele que pratica uma infração de enorme potencial lesivo, com características marcadamente dolosas, ainda que não reincidente, não deveria fazer jus a tal benefício, uma vez que sua punição terá' repercussão mais positiva se encarada como exemplo para os demais agentes do mercado”.

(ii) o histórico dos acusados: é a avaliação dos antecedentes do acusado em que a CVM considera as condenações; os processos administrativos pendentes de julgamento; e os termos de compromissos já celebrados pelo acusado.

A consideração dos termos de compromisso celebrados é interessante já que a celebração, por um lado, não guarda relação com a caracterização da reincidência dos agentes (ou seja, o proponente se mantém réu primário a despeito de celebrá-lo); e, por outro lado, é levada em conta no momento da negociação de novos termos de compromisso - semelhante ao  que ocorre na transação penal em que o réu firma o compromisso de pagar uma multa e ter a persecução penal arquivada, sem que produza qualquer consequência na esfera criminal, exceto que não poderá realizar nova transação penal pelo prazo de 5 anos.

(iii) a efetiva possibilidade de condenação: está incluído dentre os critérios elencados pela Resolução CVM 45/21, mas não há exemplos de precedentes o considerou. As razões para isso são justas: levar em conta a “efetiva possibilidade de condenação” exigiria que o regulador analisasse os argumentos da defesa, o que resultaria em perda de agilidade e, pior, adentraria o mérito da acusação sob o risco de que enveredar numa espécie de julgamento antecipado.

(iv) a necessidade de posicionamento do Colegiado: envolve os casos em que a relevância e singularidade justificam que o colegiado tome uma decisão em sede de julgamento, tendo em vista que a respectiva decisão ultrapassa o caso em questão e serve como um pronunciamento do regulador apto a orientar as práticas do mercado.

Por mais que os termos de compromisso envolvam a publicidade dos acordos e a sua repercussão no mercado, o julgamento no colegiado é o meio por excelência para sinalização das prioridades do regulador. Conforme o voto da Diretora Flávia Perlingeiro, no âmbito do PAS CVM 19957.009206/2018-61, julgado em 28.2.23 “o presente caso configura importante precedente, em que tais aspectos das infrações imputadas aos Proponentes poderão ser analisadas quanto ao mérito dos argumentos da acusação e da defesa, razão pela qual o efeito paradigmático da resposta estatal exigível perante a sociedade em geral e, mais especificamente, os participantes do mercado de valores mobiliários como um todo, dar-se-á, mais adequadamente, por meio de um posicionamento do Colegiado da Autarquia em sede de julgamento”.

O oposto disso são os casos que envolvem ilícitos repetitivos – como falhas na divulgação de informações em prospecto, formulário de referência ou fato relevante – nos quais a celebração do termo de compromisso é usual. Daí que “ha' um consenso relativo no sentido de que tais acordos podem ser um meio eficiente para se encerrar com sucesso processos punitivos referentes a condutas uniformes, promovendo uma melhor alocação de recursos investigativos e processuais por parte das autoridades no aumento da detecção e punição de infratores a` legislação” (PA 08012.011142/2006-79, julgado em 17.12.2008), como frisou o Conselheiro Paulo Furquim de Azevedo no âmbito de processo administrativo no CADE (órgão em que o termo de compromisso foi introduzido pela primeira vez no ordenamento brasileiro)

(v) o estágio processual: é o momento em que o processo se encontra, o qual é avaliado pela CVM como (i) cedo demais ou (ii) tarde demais para fins de celebração do termo de compromisso.

Na primeira hipótese, a Resolução CVM 45/21 admite a apresentação de proposta de celebração de termo de compromisso ainda, antes ou na fase de apuração preliminar dos fatos (art. 82, §3º), mas há casos em que a CVM considera que o momento não é oportuno visto que o processo está em fase pré-sancionadora, com pouca visibilidade do ocorrido e, portanto, indefinido em relação aos seus efeitos no âmbito do mercado como um todo (cf. PROC. SEI nº 19957.010383/2018-91, julgado em 02.06.2020).

Na hipótese de “tarde demais”, a Resolução CVM 45/21 permite que o acusados apresentem propostas de termo de compromisso fora do prazo (30 dias após a apresentação da defesa) em casos excepcionais, mas há exemplos em que o regulador rejeitou a celebração do termo de compromisso porque o caso já estaria “maduro para julgamento” (cf. voto do ex-Diretor Henrique Machado no PAS CVM 19957.002738/2016-14, julgado em 30.04.2019) e, portanto, a CVM já teria dedicado esforços humanos e materiais para o julgamento, não mais existindo economia processual relevante que justificasse o encerramento via termo de compromisso.

(vi) a possibilidade de economia processual: são casos em que a CVM entende que a celebração do termo de compromisso não promoverá a eficiência e economia processual que justificam a opção do regulador pelo instituto.

O regulador enxerga isso especialmente nos casos em que envolve vários acusados. A celebração do termo de compromisso só importará em economia processual desde que todos os acusados celebrem o termo e o processo seja extinto. Caso contrário, entende-se que “não caracterizaria qualquer ganho para a Administração, em termos de celeridade e economia processual, vez que decerto será' dada continuidade ao procedimento administrativo com relação aos demais acusados, nos termos da legislação aplicável a` matéria” (cf. voto do ex-Diretor Pedro Oliva Marcílio de Sousa no PAS CVM nº 22/2004, julgado em 30.01.2007).

É questionável que a celebração do acordo fique vinculada à vontade de terceiros (os quais não raro estão no mesmo processo, porém acusados por ilícitos distintos). Em linha com o princípio da razoabilidade, os precedentes demonstram que a CVM não usa tal critério isoladamente, estando sempre acompanhado de outros critérios que justificam a eventual rejeição do termo de compromisso.

Uma vez discutidos os critérios acima, espero que estejam claros os parâmetros que regem e condicionam a atuação sancionadora da CVM no âmbito da celebração dos termos de compromisso, em especial naquilo que garante ao acusado, dentre outras prerrogativas, a eficiência, a previsibilidade e a segurança jurídica.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Partilha de imóvel financiado no divórcio

15/7/2024

Você sabe o que significam as estrelas nos vistos dos EUA?

16/7/2024

Inteligência artificial e Processo Penal

15/7/2024

Advogado, pensando em vender créditos judiciais? Confira essas dicas para fazer da maneira correta!

16/7/2024

O setor de serviços na reforma tributária

15/7/2024