Uma operação que entrou no páreo do mercado brasileiro nos últimos anos foi o chamado block trade.
O block trade consiste basicamente na venda de grandes lotes de ações. A diferença em relação ao follow on é que o procedimento de venda é simplificado (em especial porque não está sujeito ao regime geral de ofertas da Resolução CVM 160/22) e envolve apenas ações já existentes (enquanto o follow on inclui distribuição primária e/ou secundária). Quem participa do block trade são grandes acionistas ou investidores institucionais que detém grandes volumes de ações.
O elevado número de block trades se explica pela baixa do mercado brasileiro ao menos desde 2021, altura em que o Banco Central iniciou a reviravolta da Selic. Esse contexto estimulou as ofertas de venda de ações, a exemplo de fundos de investimento que diminuíram a exposição em renda variável, além do BNDES que executou o desinvestimento da sua carteira de ações durante a gestão do presidente Gustavo Montezano.
Pode-se dizer que a negociação de grandes lotes já é uma realidade no mercado brasileiro, mas isso não basta. Vale prestar atenção que as operações têm sido realizadas com ineficiências operacionais nada desprezíveis.
As ofertas de grandes lotes de ações, tal como realizada até então, promovem uma turbulência indesejada no preço da ação negociada.
Como um elevado montante de ações é posto à venda de uma vez só, observa-se uma volatilidade excepcional no preço que não se deve às características do emissor ou do ambiente macroeconômico. Deve-se tão somente a alguém vendendo tamanha quantidade de ações naquele instante, o que resulta em negócios realizados a preços distorcidos (e piores do que os preços das negociações de pequenos volumes).
Contra isso, a estratégia mais comum é o fatiamento das ordens de venda com o objetivo de diluir a oferta ao longo do tempo e evitar o impacto da colocação do lote de uma só vez. Mas isso gera custos operacionais e especialmente riscos de perda de controle da informação, já que a operação fica aberta tempo suficiente para que investidores informados a identifiquem e agridam com a finalidade de afetar o preço dos negócios.
A Resolução CVM 135/22, recentemente editada em substituição da Instrução CVM 461/07, passou a permitir a realização de operações com grandes lotes de ações por meio da constituição de segmentos de negociação específicos, tanto em mercados de bolsa quanto em mercados de balcão. Está aí a possível solução para a ineficiência que identificamos acima.
Negociação de grandes lotes de ações em segmentos específicos
Os segmentos específicos para as operações de block trade foram permitidos a fim de eliminar externalidades negativas que sucedem quando as ofertas de grandes lotes são realizadas no mercado regular. Os segmentos específicos conformam um ambiente customizado com características regulatórias e operacionais próprias para a negociação de atacado.
A principal distinção de tais segmentos, a exemplo do que vemos em mercados estrangeiros, é a opacidade na pré-negociação. No segmento de grandes lotes, a negociação se dá em ambiente apartado e sem interação com o livro de ofertas. Já no mercado regular, ao contrário, as ações são negociadas com alto nível de transparência e os preços são formados publicamente por meio do encontro entre as ofertas de compra e de venda no livro central.
Só que se os preços em geral são formados pela interação no livro, a retirada de operações do livro não ameaça a qualidade da formação de preço? Esse risco foi vocalizado pela ex-presidente da CVM, Maria Helena Santana, que criticou a novidade da Resolução CVM nº 135/2022 com a justificativa de que “dividir a liquidez em um mercado como o nosso, em que a profundidade não é tão grande como em outros mercados, é sempre um risco”.
Daí a importância de “garantir a adoção de todas as cautelas e cuidados necessários para evitar efeitos indesejados sobre a liquidez e sobre o processo de formação de preço no livro central de ofertas”, como disse o Superintendente de Relações com o Mercado e Intermediários da CVM, Francisco Santos.
O regulador brasileiro fundou a negociação de grandes blocos em segmentos específicos sob três pilares:
- a CVM deve definir periodicamente o lote mínimo das respectivas ações que pode ser negociado no segmento especial, tomando por base os diferentes padrões de liquidez de cada ação, para direcionar apenas as ofertas de volume elevado ao segmento, e assim evitar o esvaziamento o mercado regular;
- a negociação deve ocorrer em lote único e indivisível para impedir que o limite mínimo estabelecido pelo regulador seja atingido pela soma de várias ordens pequenas, o que atrairia a participação de investidores de varejo em detrimento de sua participação no mercado regular; e
- a operação deve contar com a participação de intermediário, sendo essa “uma espécie de contrapartida para as diversas flexibilizações que a CVM propôs para a negociação de grandes lotes”, como explicou o Diretor Alexandre Rangel.
Com base nisso, ao contrário de quem supõe que o livro de ofertas estará prejudicado, o livro estará, na verdade, devidamente protegido de ordens exorbitantes que causam volatilidade e ameaçam a higidez do processo de formação de preços.
Como concluiu a pesquisa de Margareth Noda, “quanto aos grandes lotes, os autores não encontraram evidências de que sua negociação em ambiente opaco possa prejudicar a formação de preços. Na realidade, eles assinalam que esse mercado tem características específicas e que a negociação de grandes lotes fora dos ambientes com transparência pode evitar distorções temporárias que podem ser causadas caso a negociação ocorra no ambiente transparente".
Negociação de grandes lotes de ações em bolsa ou balcão
A Resolução CVM 35/22, assim como a antiga Instrução CVM 461/22, veda a chamada “dupla listagem”, que consiste na negociação simultânea de ações em mercados de bolsa e mercado de balcão organizado.
A partir de agora, a exceção é justamente a negociação de grandes lotes de ações em segmentos específicos, que pode acontecer seja em mercado de bolsa, seja em mercado de balcão. A ratio dessa permissão é que como a negociação de grandes lotes não interage com o livro de ofertas, a fragmentação das operações em mercados distintos não é um problema.
No mercado de capitais, é bom lembrar que a concorrência se dá não apenas entre bolsas, mas especialmente entre ambientes de negociação. Só que essa concorrência se encontrava, ao menos no Brasil, bloqueada pela vedação a dupla listagem que confinava as ações aos ambientes de bolsa.
Desta vez, a B3 (única bolsa do país) poderá ser desafiada à medida que novos players se dediquem a criar ambientes para a negociação de grandes lotes de ações, podendo representar o primeiro passo na construção de infraestruturas de mercado aptas a operarem com ações e com potencial de se tornarem bolsa no futuro.
Por ora, além da B3, há apenas três entidades administradora de mercado organizado registradas na CVM – todas autorizadas a operarem apenas como mercado de balcão.
Uma delas, a CSD, afirmou que já está se preparando para criar um segmento para a negociação de grandes lotes (sendo necessário, ainda, uma autorização específica para a criação de determinado segmento). A SL Tools, embora ainda aguarde a concessão do registro de entidade administradora pela CVM, já anunciou a pretensão de criar um segmento para a negociação dos grandes lotes.
É assim que temos dois bons motivos para otimismo quanto ao futuro do mercado de capitais brasileiro: (i) o aperfeiçoamento da microestrutura pela criação de segmentos específicos para a negociação de grandes lotes de ações; e (ii) o acirramento da concorrência pelo estímulo às entidades administradoras de mercado organizado.