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Cabe imunidade tributária recíproca para as estatais de capital aberto?

Segundo a jurisprudência majoritária do TJ/MG não cabe imunidade tributária recíproca referente ao IPTU sobre imóveis de propriedade da CEMIG, sociedade de economia mista concessionária de energia elétrica.

5/9/2022

A imunidade tributária recíproca é prevista no art. 150, inciso VI, alínea a, da Constituição Federal e impede que os entes federativos instituam impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, vedação essa que também se estende às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (art. 150, inciso VI, §2º).

Diferente das empresas públicas, onde o Estado é o único proprietário, as Sociedades de Economia Mista têm uma parte minoritária das suas ações comercializadas na Bolsa de Valores com acionistas participando da tomada de decisões e dos lucros, enquanto a parte majoritária é de posse do governo.

Em que pese à legislação, coube a lei 13.303/16 regulamentar o estatuto jurídico dessas empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de prestação de serviços públicos (art. 1 da lei 13.303/16).

Contextualizando, em junho de 2020, o STF por meio do julgamento do Recurso Extraordinário 600.867 de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, com repercussão geral reconhecida (Tema 508), afastou a hipótese de imunidade tributária recíproca referente ao IPTU cobrado pelo Município de Ubatuba/SP em face da SABESP - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo.

Eis a tese de repercussão geral fixada: “Sociedade de economia mista, cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores, e que, inequivocamente, está voltada à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas, não está abrangida pela regra de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição, unicamente em razão das atividades desempenhadas”.

Durante a votação, enquanto o Ministro Joaquim Barbosa usou como base uma jurisprudência já pacificada pelo Tribunal em que na ocasião se discutia a possibilidade de se conferir o benefício da imunidade tributária recíproca à Petrobrás (RE 285.716 AgR), o Ministro Luís Roberto Barroso foi em sentido contrário.

Segundo o Ministro, o fato da sociedade de economia mista ter ações negociadas na Bolsa de Valores não tem qualquer efeito sobre a conclusão, pois o ponto central da questão é o fato da empresa prestar serviço público, além disso, “o fato de o Poder Público haver optado, como autoriza a Constituição, pela delegação de determinado serviço público não deve ter o efeito de onerar a sua prestação em regime não concorrencial. Em qualquer caso, o que a Constituição pretendeu desonerar foi o próprio serviço, notadamente para fins de promoção da modicidade tarifária.” (Trecho retirado do voto do Ministro Luís Roberto Barroso. Inteiro Teor do Acórdão - RE 600.867).

Bem, podemos presumir que a ideia trazida pelo Ministro Barroso é de que, embora estejamos falando de uma sociedade de economia mista de capital aberto, não devemos, em razão disso, excluí-la da hipótese de obter a imunidade tributária porque o legislador ao impor tal possibilidade se referia ao serviço, em si, e não a quem o irá cumpri-lo.

Nessa linha, se aplicaria então o caso da CEMIG, concessionária de energia elétrica, prestadora de um serviço público e essencial?

Vejamos, se as empresas estatais de capital aberto têm suas ações negociadas na bolsa de valores é porque ela está ativa no mercado. Logo, essa imunidade poderia criar uma concorrência desleal, recordemos o que prevê o art. 173, §2° da CF/88 que assim dispõe: “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”.

Somam-se a isso os entendimentos trazidos abaixo pelos Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes. Este último, inclusive, citou a situação da CEMIG durante o julgamento:

Ministro Teori Zavascki: “Não me parece compatível com o instituto da imunidade tributária que esse instituto seja utilizado para, de forma indireta, aumentar o lucro de empresa, porque reduz as suas despesas e, em outras palavras, produzir riqueza, produzir lucro a ser distribuído para investidores privados. Não me parece compatível. Acho que é uma extensão do princípio da imunidade recíproca que não pode ser ampliada, afinal, estamos diante de uma exceção ao poder de tributar que não comporta, no meu entender, esse tipo de elastério. (...) Quer dizer, nós teríamos que, então, também imunizar as empresas prestadoras de transporte coletivo pelo fato de a imunização incidir sobre serviço.” (Inteiro Teor do Acórdão - RE 600.867).

Ministro Gilmar Mendes: “Veja, por exemplo, nos processos suspensos, minha assessoria me adverte, há processos da CEMIG, que é uma empresa que está em bolsa, que tem o controle pelo Estado de Minas Gerais, mas que hoje já atua como uma grande empresa brasileira; por exemplo, ela comprou a Light, no Rio de Janeiro. (...) A gente vive esse fenômeno, por exemplo, na Europa, em que empresas estatais atuam como grandes multinacionais, Lufthansa, a DBAN, alemã, os próprios Correios alemães atuam hoje em outros Estados com essa perspectiva. Então isso é tudo muito complexo. Se nós fôssemos alargar essa ideia como propriedade estatal, nós teríamos que dizer que também gozariam de imunidade, quando, na verdade, estão exercendo atividade empresarial e de comércio.” (Inteiro Teor do Acórdão - RE 600.867).

A CEMIG é concessionária de energia elétrica, instituída na forma de sociedade de economia mista e de capital aberto, 50,97% das suas ações ordinárias são do Estado de Minas Gerais e 11% do Governo Federal. Além disso, suas ações são negociadas na bolsa de valores de São Paulo, New York e Madrid. De acordo com o Relatório Anual de Sustentabilidade de 2020, disponibilizado pela CEMIG em seu site, o valor de mercado da Companhia, em 31/12/20, era de, aproximadamente, R$ 23 bilhões de reais.

Em que pese à jurisprudência, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais vem afastando a hipótese de IPTU sobre os imóveis de propriedade desta, utilizados na prestação do serviço público de energia elétrica.

A título de exemplo, citam-se as seguintes decisões: Recurso de Apelação 1.0000.22.013026-4/001 (julgado em 6/7/22), 1.0000.22.071113-9/001 (julgado em 2/6/22), 1.0000.22.050013-6/001 (julgado em 28/4/22), 1.0000.21.228125-7/001 (julgado em 23/3/22), 1.0000.21.129944-1/002 (julgado em 8/3/22), 1.0000.21.257913-0/001 (julgado em 23/2/22) e 1.0000.21.190283-8/001 (julgado em 10/2/22).

Quanto a essa última, extrai-se desta o seguinte trecho:

“(...) é incontroverso que a CEMIG tem suas ações negociadas em Bolsa de Valores e, em razão disso, tem inequívoco interesse de remuneração de seus acionistas. E nem se alegue que o fato de a CEMIG prestar serviço público essencial, sem caráter concorrencial, garantiria a ela o direito à imunidade recíproca. Isso porque, a referida tese foi apresentada em voto-vista da Ministra Carmen Lúcia no julgamento do RE600.867, mas restou vencida. O fato é que, ao negociar suas ações em Bolsa de Valores e distribuir lucros, a apelada está agindo como empresa privada, motivo pelo qual não pode ser beneficiada com a imunidade recíproca, repise-se.” (Inteiro Teor da Decisão - TJMG -  Apelação Cível  1.0000.21.190283-8/001, Relator(a): Des.(a) Moreira Diniz , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/2/22, publicação da súmula em 11/2/22)

Em entendimento contrário recente, essa mesma Corte possui, de forma minoritária, poucas, mas algumas decisões em que a imunidade tributária foi reconhecida como no caso do julgamento dos Recursos de Apelação 1.0126.16.002121-1/001 (julgado em 15/3/22), 1.0000.22.005436-5/001 (julgado em 3/3/2022), 1.0000.21.190749-8/001 (julgado em 25/11/21), 1.0000.20.515599-7/001 (julgado em 31/8/21) e 1.0000.20.515599-7/001 (julgado em 26/8/21).

Em janeiro de 2020, no julgamento do Recurso de Apelação 1.0000.19.151733-3/001, interposto pelo Município de Contagem, o Tribunal Mineiro negou provimento ao recurso e manteve a imunidade tributária concedida à CEMIG pelo juízo a quo. O município obviamente recorreu, contudo o Recurso Extraordinário não foi admitido, tampouco o município logrou êxito em sede de agravo regimental.

“O inconformismo não merece prosperar. Como consignado na decisão agravada, esta Corte entende que as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos obrigatórios e exclusivos do Estado são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, do texto constitucional. No acórdão proferido pelo Tribunal a quo não se fez qualquer menção sobre a forma societária da parte agravada, nem se especificou se a entidade em questão negocia ações em bolsa de valores e está voltada à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas. Ademais, a parte agravante não abordou esse tema em seu recurso extraordinário, limitando-se a pleitear o sobrestamento do feito até o julgamento do RE 600.867, providência que não é de acatamento obrigatório pelo Ministro Relator. Assim, a questão relativa ao tema 508 da repercussão geral não foi deduzida pela parte agravante nas razões do apelo extremo, constituindo inovação recursal manifesta em momento inoportuno.” (Inteiro Teor da Decisão - RE 1311491 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 17/5/21, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-116 DIVULG 16-06-2021 PUBLIC 17-06-2021)”

Em suma, a ideia trazida neste artigo foi delinear de forma sucinta acerca do cabimento da imunidade tributária referente ao IPTU sobre imóveis de propriedade da CEMIG, partindo do entendimento firmado em sede de repercussão geral pela Suprema Corte (RE 600.867 – Tema 508).

Jéssica Pereira
Acadêmica de Direito no Centro Universitário de Belo Horizonte - UNIBH.

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