A lei 6.404/76, conhecida como Lei das Sociedades por Ações ou LSA, estabelece a competência da assembleia-geral para fixação da remuneração dos administradores, nos termos do art. 152, senão vejamos:
Art. 152. A assembleia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado. (Redação dada pela lei 9.457, de 1997)
§ 1º O estatuto da companhia que fixar o dividendo obrigatório em 25% (vinte e cinco por cento) ou mais do lucro líquido, pode atribuir aos administradores participação no lucro da companhia, desde que o seu total não ultrapasse a remuneração anual dos administradores nem 0,1 (um décimo) dos lucros (art. 190), prevalecendo o limite que for menor.
§ 2º Os administradores somente farão jus à participação nos lucros do exercício social em relação ao qual for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório, de que trata o art. 202.
Observa-se, portanto, que o administrador fará jus a uma remuneração, fixada pela assembleia-geral, atentando para as responsabilidades, para o tempo dedicado ao trabalho, para a competência e reputação profissional e para o valor dos serviços no mercado, sendo de extra utilidade tais parâmetros, por permitirem o controle, inclusive judicial, acerca da remuneração fixada1.
Quanto ao tópico, assim esclarece Nelson Eizirik2:
“(...) A lei das S.A. visou estabelecer equilíbrio entre a justa remuneração dos administradores e o interesse dos acionistas em participarem nos lucros. O legislador procurou limitar a liberdade da assembleia geral, ao estabelecer determinados critérios gerais, que devem ser considerados na fixação da remuneração dos administradores. Ademais, a Leis das S.A. deixou expresso que a assembleia geral constitui órgão competente para determinar a remuneração. Caso a assembleia, por algum motivo, não fixe a remuneração dos administradores ou o seu montante global, o conselho de administração pode, em caráter de urgência, deliberar que será mantida a última remuneração aprovada em assembleia, até que solucione amigável ou judicialmente essa questão. O pagamento de uma remuneração fixa decorre da relação orgânica mantida entre o administrador e a companhia, de caráter institucional e estatutário, como ele não é empregado da companhia, a remuneração que percebe pelo exercício de suas funções não apresenta natureza de salário. O administrador não goza, assim, da proteção que a lei dispensa ao assalariado, podendo a sua remuneração, estabelecida pelo estatuto ou pela assembleia geral, ser reduzida ou aumentada pelos acionistas, assim como revogada a qualquer tempo, pela destituição do cargo, sem que ele faça jus a qualquer reparação. A Lei das S.A. não estabelece parâmetros rígidos para a remuneração fixa dos administradores. Os critérios a serem observados são os seguintes: (i) suas responsabilidades, que decorrem dos cargos que ocupam e das funções que desempenham; (ii) o tempo dedicado às suas funções, podendo haver dedicação exclusiva- caso dos diretores- ou tempo parcial, como ocorre com os membros do conselho do conselho de administração e de outros órgãos técnicos ou consultivos; (iii) competência e reputação profissional, tendo em vista a sua experiência e qualificação; (iv) os riscos que assumem; e (v) o valor de seus serviços no mercado.”
Além das remunerações direta e indireta, permite a lei que os administradores façam jus à participação nos lucros da companhia (§1° e 2° do art. 152). Mas, para tal, exige a concorrência dos seguintes requisitos: a) previsão estatutária da participação; b) fixação, também estatutária, do dividendo obrigatório em vinte e cinco por cento ou mais do lucro líquido; c) que a participação total não ultrapasse a remuneração anual dos administradores nem um décimo de lucros, prevalecendo o menor limite; d) atribuição efetiva do dividendo obrigatório ao acionista, nos termos do art.202 da LSA3.
A remuneração variável, portanto, possui previsão legal, atrelada aos requisitos estipulados expressamente na LSA. Conforme Fábio Ulhôa Coelho, a remuneração variável, atrelada aos resultados positivos da companhia, visa resolver o conflito de agência entre administradores e acionistas, procurando alinhar os interesses dos dois grupos, havendo então um certo equilíbrio entre os direitos dos acionistas à distribuição dos lucros e à remuneração variável dos administradores vinculada à performance4.
Para a fixação dos parâmetros da remuneração variável, utiliza-se de instrumento contratual firmado entre a companhia e seus administradores, a saber o Contrato de Gestão.
O Contrato de Gestão deve ser compreendido como um instrumento contratual acessório e complementar ao próprio contrato de administração firmado entre a companhia e o administrador, dada sua natureza eminentemente relacionada à natureza jurídica da relação estabelecida entre tais partes.
Nesse passo, vale asseverar que o contrato de administração entre a sociedade e o administrador deve ser compreendido na junção entre a deliberação da sociedade – declaração negocial – e a aceitação do administrador – também declaração negocial. A deliberação social tomada pela sociedade, a partir de seu órgão de administração competente para tanto, cuja manifestação ocorrerá mediante um processo colegiado de discussão e votação5, reduzida a uma declaração de vontade imputável à própria sociedade, tem natureza negocial, quer dizer, visa constituir uma relação negocial entre partes definidas – a sociedade e o administrador.
A aceitação do administrador, igualmente, corresponde a uma declaração de vontade, autônoma e igualmente negocial, componente da relação jurídica a ser constituída entre a sociedade e o administrador; vale dizer, a aceitação não é um elemento meramente extrínseco do negócio constitutivo da relação de administração, mas um elemento componente essencial deste negócio6.
Nesse sentido, vale colacionar a conclusão de Marcelo Sacramone acerca da relação entre a sociedade e o administrador:
“(...) o ato de preenchimento de órgão de administração distingue-se dos contratos de mandato, de prestação de serviço e de trabalho. Trata-se de negócio jurídico bilateral sui generis ou atípico, de forma solene e passível de rescisão ad nutum, em que se exigem a plena capacidade de exercício, requisitos específicos e a inexistência de impedimentos do contratado para atribuição, mediante remuneração, de poderes de presentação e gestão, indelegáveis e intuitu personae, para exercício, autônomo e com a diligência de um administrador competente e consciencioso, de uma atividade destinada à obtenção do interesse social.”7
Depreende-se, portanto, que o Contrato de Gestão possui natureza jurídica idêntica ao contrato de administração: é negócio jurídico bilateral atípico, firmado no seio da sociedade anônima entre o órgão competente para tanto – competência derivada diretamente de lei – e a pessoa física eleita para o exercício do órgão de administração.
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1 TOMAZETTE, Marlon. Curso De Direito Empresarial – volume 1. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 691-692.
2 EIZIRIK, Nelson. A Lei S/A Comentada, Volume III - Arts. 138 a 205. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2015, p. 106-109.
3 CAMPINHO, Sérgio. Sociedade Anônima. 4.ed. São Paulo: Saraiva JUR, 2019, p. 315-316.
4 COELHO, Fábio Ulhoa. Lei Das Sociedades Anônimas Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 876.
5 Não são raras as vezes em que o administrador é convidado a apresentar para a assembleia-geral ou para o órgão de administração seus propósitos perante a sociedade, sua capacidade e conhecimento técnico, sua experiência e histórico profissional, e por vezes, inclusive, seu plano de atuação para o cargo que venha a exercer na sociedade, previamente à deliberação do colegiado, o que viria a dar suficiente legitimidade para o processo decisório de eleição. A assembleia-geral, ou o conselho de administração, restaria guarnecida de seus deveres perante a sociedade, ao proceder a uma análise prévia de verificação da qualificação técnica do administrador a ser eleito; diga-se ainda que tal prática, em determinadas sociedades de maior porte, é executada por um comitê de nomeações, que realiza os estudos técnicos para averiguação do preenchimento das condições exigidas ao pretendente gestor, sobretudo pelo estatuto social ou por políticas internas da companhia.
6 CORREIA, Luís Brito, Os administradores de sociedades anónimas. Coimbra: Almedina, 1993, p. 469.
7 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Administradores de sociedades anônimas: relação jurídica entre o administrador e a sociedade. São Paulo: Almedina, 2014, p. 234-235.