No dia 15/7/22, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, retirou de pauta o pedido de urgência para a tramitação do Projeto de lei 3.293/2021, o qual prevê alterações na Lei de Arbitragem. A medida foi tomada logo após os esforços das entidades e dos representantes do setor, como o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), que emitiu nota rechaçando a iniciativa legislativa, a qual foi apoiada por diversas câmaras de arbitragens do país, bem como pelo Conselho Federal da OAB e diversas seccionais, dentre outras instituições atuantes no setor.
Referido projeto é de autoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI) e foi protocolado ainda em outubro de 2021 no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça. Apesar de quase um ano ter se passado desde o protocolo do PL, os ânimos se exaltaram recentemente devido ao pedido de urgência na tramitação, protocolado em 6/7/22, assinado por sete deputados.
Em síntese, o PL pretende alterar a Lei de Arbitragem sob o pretexto de aprimorá-la, impondo limitações objetivas à atuação da figura do árbitro, expandindo o dever de revelação dos árbitros e tornando regra a publicidade dos atos processuais da arbitragem, incluindo-se aí a sentença arbitral.
Justificativas do PL para alteração da Lei de Arbitragem
Consta da justificação do PL que a presença de um mesmo árbitro em algumas dezenas de casos simultaneamente geraria um aumento no tempo de tramitação das arbitragens, o que abriria brecha para o ajuizamento de uma maior quantidade de ações anulatórias. A afirmativa é um contrassenso, visto que o próprio PL cita o art. 32 da Lei de Arbitragem, o qual não prevê dentre as hipóteses de anulação da sentença arbitral a sua eventual demora na tramitação.
Ademais, o PL visa prover limites objetivos à atuação do árbitro e otimizar o dever de revelação, vez que entende que a disponibilidade do árbitro é fator essencial para permitir sua atuação na arbitragem. De fato, a disponibilidade do julgador é essencial para o bom andamento dos procedimentos, mas a avaliação da existência de disponibilidade ou não deve ser discutida entre partes e árbitros, que são os maiores interessados no rápido encerramento do caso.
Outro objetivo do PL é impedir a repetição dos mesmos árbitros em painéis arbitrais que estejam funcionando concomitantemente, evitando-se, com isso, “a possibilidade de haver favorecimento a determinada parte”, além de gerar uma consequente diversificação da composição dos tribunais arbitrais. É lógico que a repetição dos mesmos árbitros não pressupõe a repetição das mesmas partes, assim, impossível seria a possibilidade de favorecimento no caso exposto pelo PL. Já nos casos em que o árbitro tem relação prévia com as partes, existe todo um sistema de revelações e formação de comitês de impugnação que previne decisões em conflito de interesses.
Por fim, o PL se dedica à questão da publicidade e da jurisprudência arbitral. A Deputada chega a afirmar que a Lei de Arbitragem não impõe que as arbitragens sejam confidenciais e que tal previsão decorre unicamente das convenções pactuadas entre as partes. A criação de uma jurisprudência arbitral deveria ser incentivada e seria sim benéfica ao mercado, mas não à revelia da autonomia da vontade das partes como previsto no PL. A propósito, o sigilo é considerado uma das grandes vantagens da arbitragem, visto que, por razões comerciais e estratégicas, muitas vezes as partes não entendem por bem expor seus conflitos a terceiros.
Conclusão: o tema não deve ser tratado com precipitação
Foram muitos anos para que a natureza jurisdicional da arbitragem fosse reconhecida, para que a lei fosse criada e a sua constitucionalidade reconhecida. Nas palavras de Petronio Muniz, “a arbitragem nacional não é assunto para amadores e muito menos para ser tratado aligeiradamente”, justamente o que se tem observado no referido PL.
Inclusive, relembra-se que Petrônio Muniz – antes de submeter o seu anteprojeto de lei de arbitragem ao então Senador Marco Maciel nos idos de 1992 - realizou pesquisa com cerca de 1.300 pessoas, indagando sobre as mazelas do juízo estatal. Logo, a atual Lei de Arbitragem refletiu os anseios da comunidade e seu projeto foi debatido e estudado por especialistas antes de ser submetida às casas legislativas.
Em face do exposto, é claro que o PL é apressado e pouco fundamentado, configurando-se como um atraso para a arbitragem brasileira, visto que propõe dispositivos atécnicos, uma indevida limitação da autonomia privada e não reflete os anseios dos cidadãos atuantes no setor. Assim, deve ser ele rechaçado e devemos nós atuarmos como outrora atuou Petrônio Muniz: como estrategistas.