O programa nacional de concessões de rodovias enfrenta um momento delicado. Após um período intenso de licitações levadas a cabo tanto pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) quanto pelos entes subnacionais, a capacidade de o setor absorver novos projetos começa a dar sinais de exaustão.
A agenda aquecida dos últimos anos envolveu a licitação de sistemas rodoviários de grande porte. Esses processos competitivos consumiram um volume considerável de recursos de um setor concentrado, que dispõe de poucas empresas aptas a competir por múltiplos ativos.
A inflação extraordinária que atingiu determinados insumos também explica o ambiente de menor competição. O acréscimo de custos impactou os estudos de viabilidade dos projetos, sobretudo, aqueles publicados no primeiro semestre de 2022.
Por fim, a demanda desses projetos foi percebida de forma mais crítica. Por serem estruturados durante a pandemia, período em que o comportamento dos usuários sofreu alterações e se criou um ambiente de incerteza sobre as projeções de crescimento econômico do país, as concessões rodoviárias foram tomadas com maior ceticismo pelo mercado.
Do ponto de vista dos entes públicos, responsáveis pela estruturação dos projetos, este ambiente é desafiador. Para se manterem atrativas, as concessões devem criar formas de amenizar o impacto de uma conjuntura desfavorável.
Nesse sentido, três pontos parecem se destacar.
Risco de demanda
Nos contratos do setor, o risco de demanda tem sido alocado integralmente ao parceiro privado. Isso significa que este suportará os efeitos econômicos da variação do volume de usuários em relação ao projetado pelos estudos de viabilidade.
Este modelo, em um contexto de maior incerteza em relação às variáveis que informam os modelos de projeção de demanda, ou dá ensejo a propostas menos vantajosas ou desincentiva a participação de interessados nos processos de licitação.
É preciso revisitá-lo. A transferência integral do risco de demanda é uma opção eficiente em ativos consolidados, em que já se tenha um histórico substancial em relação ao comportamento dos usuários sob uma concessão e uma economia estável. Para projetos em que estes dados não estejam disponíveis ou licitados em momentos de maior incerteza econômica, esta alocação não é eficiente.
Seria positivo observar mais experiências com outros arranjos de alocação deste risco.
Riscos inflacionários
Os riscos inflacionários também merecem discussão. Salvo algumas iniciativas recentes, a variação dos custos dos insumos é integralmente alocada ao parceiro privado. Esta forma de alocação do risco pode reduzir a atratividade dos projetos em contextos de picos inflacionários – tal como o ora experimentado.
Algumas alternativas podem mitigar os efeitos adversos associados a este risco.
A primeira é a adoção mecanismos contratuais para compartilhar, de forma efetiva, o risco de variação dos custos dos insumos entre Poder Concedente e concessionária.
A segunda é a instituição de índices de reajuste contratual mais alinhados ao comportamento da variação de preços enfrentada pelo setor.
Estas medidas podem ser adotadas conjunta ou isoladamente – a depender das características de cada projeto. O importante é não ignorar o tema e demonstrar abertura a novos tratamentos para os riscos inflacionários das concessões.
Atualização da TIR
Um último ponto relevante para retomar a atratividade destes contratos é repensar as taxas de retorno dos projetos. Até o momento, o que se tem visto é a manutenção das mesmas taxas dos projetos licitados no ano passado – tanto a nível estadual, quanto a nível federal.
O contexto experimentado no ano de 2022, porém, envolve maior aversão a riscos pelo mercado. Revisar as taxas de retorno é essencial para que os projetos estejam alinhados a este novo cenário.
Em última análise, para superar o contexto adverso que atualmente envolve as concessões de rodovias, é preciso que os contratos enfrentem de forma direta os desafios conjunturais que impactam a execução de investimentos no setor. Ignorá-los e seguir os mesmos dogmas adotados em um passado recente pode ser estratégia ineficaz para retomar o interesse do mercado em novos projetos de concessão de rodovias.