A 2ª seção do STJ decidiu que o rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS é taxativo, com algumas exceções importantes. A maioria dos ministros seguiu o entendimento do relator, Luís Felipe Salomão, que incorporou em seu voto alguns critérios de mitigação propostos pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. A síntese da decisão é a seguinte:
1. o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;
2. a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
3. é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
4. não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que I) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; II) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; III) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e IV) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a comissão de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
Entendo que são adequados os critérios definidos pelo tribunal nas "ressalvas" do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, exceto o critério que exclui a possibilidade de cobertura de qualquer tecnologia extra rol que já tenha sido objeto de análise negativa pela ANS.
O que o STJ quer com este critério é afirmar que o mérito do ato administrativo não pode ser controlado pelo poder Judiciário, ou seja, quando a ANS decide não incorporar um medicamento ao rol, não cabe à Justiça contrariar esta decisão. A decisão está, conceitualmente, correta, porque os poderes do Estado são independentes. Mas, ainda assim, a decisão está errada. Por quê? Na minha visão, por três motivos:
Primeiro, porque a decisão da ANS pode não ter observado um princípio ou mesmo o procedimento estabelecido na lei. Neste caso, o controle do poder Judiciário incidiria sobre a legalidade e não sobre o mérito da decisão de não incorporação. A Justiça pode e deve controlar os aspectos de legalidade do ato administrativo. Portanto, mesmo que a ANS já tenha decidido pela não incorporação de um medicamento, parece perfeitamente possível o juiz determinar a cobertura deste medicamento, se for reconhecida a existência de uma ilegalidade no processo de análise, por exemplo, a inobservância do rito procedimental.
Segundo, porque as decisões da ANS são dadas num contexto "datado". Imagine uma decisão negativa, por falta de evidências de benefício para o paciente. Se estas evidências são posteriormente produzidas, não faz sentido excluir a possibilidade de um juiz apreciar positivamente o pedido de cobertura de um medicamento, apenas porque a ANS um dia se posicionou contra a incorporação. O mérito do ato administrativo é imune ao controle jurisdicional, desde que o contexto que justificou a decisão seja o mesmo. Na saúde, o contexto muda constantemente, surgem novos estudos científicos e aparecem novas variáveis econômicas.
Terceiro, porque, do jeito que ficou, corremos o risco de surgirem propostas de atualização do rol, sabidamente inviáveis, apenas para provocar o pronunciamento negativo da ANS e inviabilizar pedidos judiciais de cobertura.
De qualquer forma, é importante dizer que, embora uniformize a jurisprudência das turmas da 2ª seção, a decisão não é vinculante. Isto significa que os demais tribunais do país devem, mas não são obrigados a adotar o novo entendimento do STJ. Entretanto, o mais provável é que as decisões da ANS sobre incorporação de tecnologias ganhem mais força, a partir de agora.
Com isso, ganha também mais relevância o papel da participação da sociedade civil organizada, na incorporação de tecnologias na saúde suplementar. Mais do que antes, é importante que as associações de pacientes e as sociedades médicas tenham consciência deste papel e se capacitem para discutir, tecnicamente, a respeito de evidências clínicas e de aspectos econômicos do processo de avaliação de tecnologias em saúde.