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Considerações acerca da evolução da atividade interpretativa jurisdicional

A evolução da atividade interpretativa jurisdicional. Será mesmo uma evolução?

17/5/2022

O Estado Legislativo de Direito era ambiente filosófico do juspositivismo. Compreendia direito como criado quando da elaboração de leis pelo Legislativo, lhe outorgando protagonismo entre os poderes.

A atividade interpretativa do juiz se dava através de um raciocínio formado pela combinação de premissas, uma maior (texto legislativo) e uma menor (fatos do caso concreto), onde a subsunção do fato à norma conduz a solução do caso concreto. Neste contexto, a sentença seria o resultado de uma atividade lógica desenvolvida pelo juiz, numa concepção da atividade judicial sem criação ou discricionariedade, mas um processo cognitivo, no qual o intérprete descobre e revela a norma jurídica concebida pelo legislador. Neste viés a atividade do juiz é  classificada como formalismo interpretativo ou cognitivismo interpretativo.

Com o passar do tempo, foi percebida a ambiguidade e vagueza do texto, numa perene incompletude, haja vista sua múltipla possibilidade de interpretações e a concretização do direito somente diante do caso concreto. Com a necessidade de o julgador atribuir o significado do texto legal, a decisão judicial é dotada de ato de vontade, que torna o juiz também responsável pela criação do direito.

Nesta ótica, a atividade interpretativa jurisdicional é classificada como não formalismo interpretativo ou não cognitivismo, emergindo a distinção entre o texto e a norma jurídica esclarecendo a questão: o legislador outorga textos, que são o ponto de partida da interpretação, enquanto a norma jurídica consiste no enunciado lógico construído a partir da interpretação do texto normativo pelo juiz.

A migração da atividade jurisdicional interpretativa cognitivista para a não formalista é uma das perspectivas de mudanças havidas do estado legislativo para o estado constitucional de direito, sendo válido percebermos o contexto sociológico e jurídico que a impulsionaram.

O positivismo era a doutrina predominante até a segunda guerra mundial, oportunidade em que na Europa questionou sua adequação frente às maiorias políticas, que levaram a sociedade ao totalitarismo. Neste cenário surgiu o movimento pós-positivista.

O pensamento pós-positivista é caracterizado pela exaltação da normatividade dos princípios, numa reaproximação entre direito e ética, em contraponto a tese juspositivista de separação entre direito e moral; prevalência dos princípios sobre as regras; supremacia da constituição; e busca pela justiça. No modelo pós-positivista os valores ingressam no sistema jurídico, por intermédio dos princípios, com o intuito de permitir a tomada de decisões com base em parâmetros de justiça (BICALHO e FERNANDES, 2011, p. 129).

O pós-positivismo se desenvolveu no Brasil após a CF/88 e é a matriz jusfilosófica que embasa o chamado neoconstitucionalismo. A distinção entre texto e norma antes mencionada é paradigma pós-positivista do direito, a norma jurídica não pode ser confundida com o mero texto normativo. Assim, existe um processo concretizador da norma jurídica realizado pelo interprete. Atualmente, porém, tem se evidenciado que o protagonismo reconhecidamente exacerbado do poder Legislativo migrou ao poder Judiciário.

A superação das regras pelos princípios, por exemplo, abre margem ao arbítrio. Em virtude de seu maior grau de abstração, as possibilidades de julgamento se alargam sobremaneira e, embasado numa hipotética busca pela “dignidade humana”, “direitos fundamentais” ou “controle de constitucionalidade”, é conferido ao julgador à própria criação de soluções jurídicas, através de mecanismos diversos, como o da ponderação, proporcionalidade ou interpretação conforme.

Não se nega a importância dos princípios, porém eles precedem às regras, que abordam a matéria de forma mais específica e ajustada, de acordo com a vontade da sociedade, através de seus representantes, após aprovação em procedimento legislativo legalmente previsto. Ferreira Filho bem elucida a questão:

(...), pois não fora esquecido, o que hoje parece posto de lado, que a densificação dos princípios, numa democracia, cabe ao Poder Legislativo, não ao juiz. Este, quando o faz, cria norma ad hoc para o caso concreto, podendo resvalar para a arbitrariedade.

Além disso, todos os “velhos” mestres da hermenêutica sempre apontaram que das regras se extraem princípios a elas anteriores e que as subsumem,

princípios que devem ser aplicados em matérias em que a lei é omissa e nas situações novas, não previstas pelo legislador. (p. 160)

Além disso, a prática tem mostrado uma proliferação de princípios nos tribunais, que são sequer positivados ou doutrinariamente definidos, mas ainda assim compreendidos como parte integrante do sistema jurídico. Tal situação é naturalmente contrária à segurança jurídica, em que necessárias regras definidas para convivência em sociedade, cuja aplicação seja previsível e coerente.

Nesse viés a interpretação jurisdicional atual no Brasil ganha tamanha liberdade e poder de criação, que torna o ordenamento jurídico incapaz de garantir certezas à sociedade, despreza à segurança jurídica em suposta busca por justiça, que por sua abstração oportuniza ao intérprete decidir inclusive conforme valores ou posições ideológicas próprias.

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FERREIRA FILHO Manoel Gonçalves, Notas sobre o direito constitucional pós- moderno, em particular sobre certo neoconstitucionalismo à brasileira. Revista de Direito Administrativo, ed. 250, p. 151–167. 2009. Disponível em https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/4141/2923. Acesso dia 01/05/2022.

FERNANDES Ricardo Vieira de Carvalho; BICALHO Guilherme Pereira Dolabella, Do positivismo ao pós-positivismo jurídico. O atual paradigma jusfilosófico constitucional. Brasília a. 48 n. 189 jan./mar. 2011. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?seq uence. Acesso dia 30/04/2022.

Déborah Schneid Pinto
Advogada desde 2010. Pós Graduanda em D. Civil e P. Civil. Pós graduada em Direito Público. Juíza Leiga TJRS por 5 anos. Assessora Jurídica em 3 Sessões Legislativas. Livro publicado em 2012.

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