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O "Golpe do WhatsApp” e a responsabilidade dos bancos

Uma breve reflexão a respeito da responsabilidade civil das instituições financeiras.

19/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O “Golpe do WhatsApp” é uma fraude que vem se tornando cada vez mais popular, com o seguinte modus operandi: um estelionatário, se passando por um parente próximo ou amigo da vítima, lhe pede um favor, consistente no pagamento de certo valor para um terceiro.

São inúmeras as vítimas que, sem desconfiar que estão conversando com um falsário do outro lado do chat, realizam a transferência bancária no calor do momento, preocupadas em auxiliar o parente ou amigo que lhe pediu ajuda.

Diante da propagação de golpes dessa natureza, é inevitável o questionamento: há alguma responsabilidade dos bancos envolvidos?

Os nossos tribunais, acertadamente, consideram que a vítima, ao efetuar uma transferência em nome de terceiro desconhecido, por sua conta e risco, utilizando o token e a senha de segurança, age com culpa exclusiva, na medida em que o banco, tão somente, se limita a realizar a operação bancária que lhe é solicitada, inexistindo, assim, falha alguma na prestação do serviço. Como decorrência, a responsabilidade da instituição é excluída, nos termos do art. 14, §3º, II, do CDC.

Entretanto, diante da inversão do ônus da prova prevista no CDC, em sendo comprovado que determinado banco burlou as normas de segurança que obrigatoriamente deveria cumprir justamente para a prevenção de fraudes, autorizando a abertura de conta bancária com falsa aparência de regularidade, pois em nome de um “laranja”, penso que a instituição financeira deva ser responsabilizada!

“Laranja” é o terceiro de boa-fé que teve a sua documentação ardilosamente fornecida ao banco pelo estelionatário, no momento da abertura da conta bancária utilizada para a aplicação do golpe. Minutos após a transferência dos recursos pela vítima, essa conta bancária é esvaziada, e o golpe se consuma.

É evidente que os bancos, ao flexibilizarem as rígidas normas de controle de abertura de contas bancárias estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, visando aumentar a sua carteira de clientes, auferem um lucro imenso. Mas também fomentam a criminalidade!

Nesse sentido, é certo que o Conselho Monetário Nacional editou a resolução 4.753/19, a qual estabelece os requisitos a serem observados pelas instituições financeiras no momento da abertura de contas bancárias, KYC – Know Your Customer.

O art. 2º da referida resolução assume especial importância:

“Art. 2º As instituições referidas no art. 1º, para fins da abertura de conta de depósitos, devem adotar procedimentos e controles que permitam verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta e, quando for o caso, de seus representantes, bem como a autenticidade das informações fornecidas pelo cliente, inclusive mediante confrontação dessas informações com as disponíveis em bancos de dados de caráter público ou privado”. (nossos realces)

Conforme se verifica, o art. 2º da resolução 4.753/19 delega às instituições financeiras a responsabilidade pela conferência acerca da exatidão das informações prestadas por seus clientes.

Em realidade, tamanha é a preocupação com a autenticidade da identidade e qualificação do titular da conta bancária, que o art. 7º da referida resolução disciplina:

“Art. 7º As instituições, por meio dos procedimentos e das tecnologias utilizados na abertura, na manutenção e no encerramento de conta de depósitos, devem assegurar:

I - a integridade, a autenticidade e a confidencialidade das informações e dos documentos eletrônicos utilizados;”

(nossos realces)

O rigor do Conselho Monetário Nacional é compreensível, por ser justamente por meio da facilidade de abrir contas bancárias em nome de “laranjas”, que fraudes como o “Golpe do WhatsApp” se multiplicam.

Vale ressaltar, ainda, que os bancos, ao possibilitarem a transferência de recursos para contas bancárias em nome de “laranjas”, não apenas viabilizam o golpe, como também impedem as vítimas de identificar o estelionatário, contra o qual elas poderiam, em tese, buscar o ressarcimento.

Em casos como esses, penso que as vítimas não são enganadas apenas pelos golpistas, mas também pelos bancos, ao permitirem que elas realizem transferências de recursos para contas bancárias que aparentam ser regulares, quando, na realidade, são fraudulentas, pois em nome de “laranjas”, sendo deveras injusto não os responsabilizar, até porque cabe apenas às instituições financeiras autorizar a abertura de contas bancárias.

Por conseguinte, defendo que os bancos que consideram legítimos e suficientes os documentos precariamente apresentados por terceira pessoa, devem assumir os riscos advindos de sua incúria, especialmente à luz da teoria do risco, segundo a qual aquele que lucra com determinada atividade, deve responder pelos riscos que dela resultam. O art. 14, caput e §1º do CDC, é categórico:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar (...)”

(nossos realces)

Apesar de serem minoritárias as decisões judiciais condenando as instituições financeiras, sigo lutando, como advogado, pela solução que me parece a mais acertada: responsabilizar os bancos, em se comprovando que o golpe foi aplicado mediante a utilização de conta bancária fraudulenta, em nome de “laranja”, sob pena de se conceder um salvo-conduto para que as instituições financeiras continuem desidiosas com os protocolos mínimos de segurança que lhe são exigidos pelo Conselho Monetário Nacional, especialmente diante da proliferação de fraudes dessa natureza por meio da plataforma de mensagens WhatsApp, vitimando milhares de terceiros de boa-fé.

Hugo Chusyd
Advogado. Formado pela primeira turma da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado (1999/2004).

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