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A tutela jurídica do meio ambiente e a perícia ambiental

A proteção ao meio ambiente, assunto corrente em nossos dias, não veio apresentar-se como tema efêmero ou transitório em nossa legislação. Representando um marco na estrutura legal brasileira, a Lei Federal nº 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, trouxe ao Direito o conceito de meio ambiente como objeto de proteção e estabeleceu a obrigação para o poluidor-pagador, através do princípio da responsabilidade objetiva - ou sem culpa – de reparar os danos ao meio ambiente, como fator repressivo e de recuperação.

10/2/2004

A tutela jurídica do meio ambiente e a perícia ambiental

 

Simone Bohnenstengel Bulhões*

 

A proteção ao meio ambiente, assunto corrente em nossos dias, não veio apresentar-se como tema efêmero ou transitório em nossa legislação. Representando um marco na estrutura legal brasileira, a Lei Federal nº 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, trouxe ao Direito o conceito de meio ambiente como objeto de proteção e estabeleceu a obrigação para o poluidor-pagador, através do princípio da responsabilidade objetiva - ou sem culpa – de reparar os danos ao meio ambiente, como fator repressivo e de recuperação.

 

Consagrado como bem de interesse da coletividade, o meio ambiente é igualmente responsabilidade de todos, tutelado jurisdicionalmente pela coletividade e pelo Poder Público, através de nossa Carta Magna de 1988 quando aborda Da Ordem Social no caput de seu artigo 225: “Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

 

O legislador ao promover a tutela jurídica do meio ambiente não só ao Estado mas também à coletividade, inovou ainda mais nos instrumentos de defesa do ambiente quando concedeu legitimação ao Ministério Público para propor Ação de Responsabilidade Civil por danos ambientais (Lei Federal nº 6.938/81) e democratizando a defesa dos interesses indisponíveis do indivíduo e da sociedade através da regulamentação da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347 de 24.07.85) - ferramenta jurídica principal pela qual a coletividade exerce esta proteção. Nossa Constituição determina ainda ao Poder Público, dentre outras, a responsabilidade de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” inc. VI, § 1º, art. 225, utilizando-se da educação ambiental como ferramenta pedagógica e preventiva na conscientização da sociedade para a conservação da natureza.

 

Em contrapartida aos mecanismos jurídicos que protegem o ambiente da degradação ou do risco de dano ambiental, vislumbramos, principalmente, dois cenários geradores de conflitos nesta área:

 

Primeiramente, o gerado por aqueles que, intencionalmente ou não, degradam a natureza por não adequarem-se aos parâmetros que os diversos órgãos que constituem o Sistema Nacional do Meio Ambiente impingem.  Inevitavelmente utilizamos os recursos naturais e alteramos seu equilíbrio como fruto das necessidades de geração de produtos, serviços e atividades inerentes ao desenvolvimento humano, e isto a despeito dos avanços tecnológicos.

 

Como segundo, aquele que é fruto de deficiências político-sociais, o qual manifesta-se, principalmente, através de uma população crescente e economicamente desamparada na busca por suprir suas necessidades básicas de moradia e alimentação, influindo na ocupação desordenada de áreas de preservação ambiental, contaminação do solo e de mananciais através do despejo incontrolado de resíduos na natureza.

 

É inquestionável que o meio ambiente permeia as relações de natureza econômica, social, comercial, financeira e política, fazendo-se mister que o desenvolvimento humano aconteça sem agredi-lo, resultando nisto na “sadia qualidade de vida” apregoada em nossa Constituição. Portanto, cabe a todos, no exercício da cidadania, da profissão, da aplicação da lei e da política, considerar e eleger como meta o conhecido conceito de “desenvolvimento sustentável”.

 

Desde a instituição dos diplomas legais acima citados e com o advento da Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), os tribunais dão conta de inúmeros processos movidos pela coletividade, pelo Ministério Público, pelo Estado ou pelo particular no exercício da proteção aos direitos individuais e coletivos na esfera do meio ambiente. O dano ou a ameaça ao meio ambiente é o objeto principal destas lides. “Se antes recorríamos à natureza para dar uma base estável ao Direito e, no fundo, essa é a razão do Direito Natural, assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre”. Miguel Reale. Memórias. São Paulo, Saraiva, 1987 v.1, pg. 297.

 

São nas ações judiciais sobre o meio ambiente que destacamos a Perícia Ambiental. Prevista no Código de Processo Civil (arts. 420 a 439 da Seção VII, Cap. VI – Das Provas), a prova pericial é solicitada sempre que, na averiguação da verdade dos fatos, faz-se necessária a atuação de profissionais com conhecimentos técnico-científicos especializados.

 

Na área ambiental as informações e documentos não bastam para elucidar a lide, “muitas vezes a averiguação da existência do fato danoso e dos efeitos prejudiciais depende de prova eminentemente técnica que somente pode ser produzida por profissionais especializados na área. É nesse momento que se fazem necessários exames e perícias”. Filho, J. S. C.  1999, Ação Civil Pública: Comentários por artigo, Lei 7.347 de 24.07.85, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, pg. 465.

 

A atividade pericial em meio ambiente é regida pelo Código de Processo Civil, bem como as demais modalidades de perícias. E, em razão da especificidade das questões ambientais, esta atividade deve ser amparada na Legislação Ambiental vigente no âmbito Federal, Estadual e Municipal.

 

A Perícia Ambiental tornou-se, assim, uma área técnica específica de atuação profissional. E embora tenha como objetivo esclarecer tecnicamente a existência ou não de ameaça ou dano ambiental, sua atuação como instrumento de auxilio à Justiça é mais amplo do que o Visum et repertum. É realizada por profissional especializado na área. Logo, além dos requisitos morais e écos inerentes a esta função, o Perito deve ser capacitado tecnicamente no tema de meio ambiente a ele designado. Deve estar apto a dirimir as dúvidas apresentadas através dos quesitos em fase processual específica e preencher os requisitos legais exigidos no Código de Processo Civil (art. 145 e §s seguintes).

 

Designado pelo Juiz, o Perito do Juízo atua como Auxiliar da Justiça assessorando o juiz na formação de seu convencimento. Trata-se, ainda, de pessoa de confiança do Magistrado e produz ao final dos trabalhos periciais o Laudo Pericial. A fundamentação do Laudo Pericial e a responsabilidade do perito sobre as informações prestadas por ele são tratadas, respectivamente, nos arts. 429 e 147 do CPC.

 

Observe-se que é direito das partes nomearem Assistentes Técnicos dentre os profissionais especializados e que forem de sua confiança. Estes profissionais irão orientá-los e assistí-los nos trabalhos periciais em todas as fases da perícia e, quando necessário, emitirão um Parecer Técnico. Diferentemente dos Peritos do Juiz, os Assistentes Técnicos não estão sujeitos a impedimento ou suspeição (art. 422 do CPC). Importante atuação dos Assistentes Técnicos é a de, durante os trabalhos de perícia, deixar transparecer os mesmos padrões exigidos pela legislação aos Peritos do Juízo, quais sejam, a capacidade técnica comprovada e os compromissos morais e éticos de elevado padrão.

 

A crescente presença em nossos tribunais de litígios envolvendo o meio ambiente tem repercutido sensivelmente em nossa sociedade. O Poder Público em suas diversas esferas tem procurado ajustar sua legislação ambiental e produzir políticas de preservação adequadas e eficientes para a manutenção daquilo que temos hoje em recursos naturais. Empresas com atividades potencialmente poluidoras têm ajustado seus Programas de Qualidade, adotando a Política Preventiva, em razão de nossa legislação predominantemente punitiva.

 

No esforço social de protegermos o meio ambiente, que amplie-se o espaço de atuação para estes profissionais, Peritos Ambientais e Assistentes Técnicos, não somente nas esferas de nossos tribunais, mas junto às organizações da sociedade civil, nas consultorias de qualidade e assessorias técnico-jurídicas, nas comissões políticas de proteção ao meio ambiente, nas escolas e bancos acadêmicos. Há que buscá-los, estes que comprometem-se com a verdade e o exercício eficaz da profissão no cumprimento desta valiosa tutela outorgada por nossa Constituição.

 

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*Advogada, especialista em Meio Ambiente e consultora do escritório de Perícias Judiciais e Avaliações Patrimoniais, Corrêa & Lucato Peritos Associados.

 

 

 

 

 

 

 

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