A unitização no atual estágio exploratório petrolífero do Brasil
Luiz Antonio Maia Espínola de Lemos*
Primordialmente, o que me levou a refletir sobre este tema tão complexo foi a mudança introduzida no último processo licitatório, no qual reduziu-se a dimensão das áreas ofertadas - tanto "onshore" como "offshore" - dividindo-as em setores, ao invés de blocos, e a recente devolução, pela Petrobras, de áreas em bacias produtoras (conhecidas como "blocos azuis" ou "golden blocks"), que, por falta de tempo hábil, não foram devidamente exploradas, e certamente despertará interesse do mercado na sexta rodada de licitações, prevista para agosto.
Por estas razões, é possível prever que o tema alcançará maior importância, exigindo da Agência Nacional do Petróleo (ANP) uma atividade regulatória mais precisa e robusta, uma vez que a unitização inegavelmente suscita questões técnicas, econômicas e operacionais relativamente novas à atividade petrolífera brasileira.
Conceitualmente, a unitização consiste na exploração conjunta de uma única jazida, a qual, por sua dimensão e/ou localização, se estende por áreas pertencentes a dois ou mais países, ou por áreas sob concessão de companhias distintas. Tem, normalmente, o propósito de recuperar operacionalmente a capacidade produtiva já nos últimos estágios de vida do reservatório, mas pode também ocorrer no início da atividade de exploração. O termo vem do inglês "unitization". São usados como sinônimos unificação e individualização. Na hipótese de um reservatório ultrapassar a fronteira, alcançando o território de Estado estrangeiro, está-se diante de interessante questão de direito internacional.
No âmbito nacional, os países hospedeiros, freqüentemente, exigem a unitização das operações, em face do interesse público de evitar o desperdício com perfurações desnecessárias, o que leva a uma redução de custos e de impactos ao meio ambiente, favorecendo, portanto, a produção em escala não predatória.
No Brasil, a Lei nº 9.478/97, ao dispor sobre o assunto em um único artigo (27), estabelece a necessidade de acordo para individualização da produção, cabendo à ANP, em caso contrário, decidir, com base em laudo arbitral. Assim, o órgão regulador decidirá a questão justificando-a com critérios técnicos, tais como pressão do reservatório, características do hidrocarboneto e outros fatores geológicos e de engenharia, ou mesmo econômicos, bem como com critérios de eqüidade e princípios gerais de direito aplicáveis.
Como se depreende, qualquer decisão do órgão regulador a respeito, forçosamente, estará assentado em uma análise minuciosa em termos técnicos, no que se convencionou chamar de as melhores práticas da indústria do petróleo, devendo a ANP se utilizar ainda de outros instrumentos legais de interpretação para a solução da controvérsia.
Por outro lado, os contratos de concessão relativos às cinco rodadas já realizadas pela ANP disciplinam os procedimentos dos concessionários quando houver necessidade de produção unificada. As regras a serem observadas se encontram na cláusula 12ª, cabendo à ANP um outro papel, que é o de mediador, função esta também prevista na lei do petróleo, em seu artigo 20, para a solução de conflitos entre os agentes econômicos.
Em quaisquer dos papéis que lhe são atribuídos por força de lei, ora como árbitro, ora como conciliador, compete à ANP exercer esse poder discricionário dentro de princípios enumerados no artigo 37 da Constituição e o processo decisório deverá ser motivado, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos, segundo os ditames da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, naquilo que lhe for aplicável.
Seja qual for a forma para alcançá-lo, o acordo de unitização deverá contemplar, tal como previsto nos contratos de concessão, os direitos e obrigações dos concessionários interessados quanto: (1) à definição da área a ser unificada; (2) ao operador da mesma; (3) às participações de cada um na exploração, avaliação, desenvolvimento e produção da jazida, concernente à divisão de custos e resultados e à sua redeterminação; e (4) aos pagamentos de participações governamentais e de terceiros, assim como outros aspectos usualmente previstos em contratos do gênero, e é neste particular que a prática internacional será de grande valia, pois dela serão extraídos os elementos técnico e de engenharia e geologia, bem como os procedimentos operacionais, a exemplo do que é feito nos "joint operating agreements".
A prática internacional sugere a criação de um comitê formado pelos próprios concessionários envolvidos no processo de unitização, com a finalidade de elaborar e propor a melhor estrutura contratual para a produção unificada. Normalmente, são formulados dois tipos de acordos, um regulando o direito material das partes e respectivas obrigações e outro disciplinando o "modus faciendi" da operação.
Assim, retornando à questão inicialmente posta, com a atual política de concessão para exploração e produção, cujas áreas serão ofertadas não mais por blocos, mas por células, próximas, inclusive, de bacias produtoras de hidrocarbonetos, se precipitará o uso desse instrumento legal/contratual, bem como definirá estratégias das companhias petrolíferas nas futuras participações e parcerias, nos processos licitatórios a serem realizados pela ANP.
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* Advogado do escritório Tozzini Freire Teixeira & Silva Advogados
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