Migalhas de Peso

O direito comunitário e o princípio da soberania

Para garantir a soberania dos países é necessário que no Direito Comunitário Internacional todo país tenha postura, voz e atitude para que realmente possa ser construída uma globalização igualitária, efetiva e justa.

3/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Atualmente, a ideia e o plano de mundo globalizado estão amplamente difundidos no cenário internacional. O intenso tráfego de pessoas e a crescente troca de insumos, mercadorias e sobretudo de informações requer da sociedade internacional não mais uma mera convivência dos Estados uns com os outros, cujos poderes normativos não ultrapassam o limite da fronteira de cada um, é necessário agora a formação de uma verdadeira comunidade internacional com normas e diretrizes que possibilitem a existência e a permanência dessa nova ordem mundial.

Antes, é importante conceituar a diferença entre os dois institutos retro mencionados, quais sejam, sociedade e comunidade internacional. Sociedade internacional é um conceito que não denota a existência de uma real interação entre os países, mas simplesmente a mera existência e convivência destes no espaço geográfico mundial, sem necessariamente haver relações mais intensas e diretas entre eles.

Já comunidade internacional traduz o conceito de uma viva relação entre as nações, na qual há uniões de países, regionais ou não, com o objetivo de criar novas oportunidades econômicas e de influência e também para a defesa de seus interesses, criando assim novas oportunidades para todos os envolvidos no grupo e para cada um dos países integrantes de maneira individualizada.

As comunidades internacionais podem ainda surgir com diferentes intuitos, ou como é mais comum, com vários deles ao mesmo tempo, sendo este um dos principais critérios para defini-la, passando então a ser reconhecida como uma comunidade social, política, econômica, militar etc.

Historicamente falando, essa relação ainda mais intrínseca entre os Estados surgiu no pós Segunda Guerra Mundial, tendo em vista que após o mundo haver sido severamente acometido pelos flagelos da referida guerra, a sociedade internacional reconheceu a necessidade da criação de organizações, institutos e mecanismos internacionais que dispusessem de capacidade e legitimidade para reger e normatizar as relações entre os países, objetivando torná-las mais eficientes, vantajosas e equilibradas e sobretudo distantes da deflagração de conflitos incomensuravelmente devastadores, mesmo porque um conflito de tal ordem atualmente seria um verdadeiro pacto de destruição mútua assegurada, MAD - mutual assured destruction.

Assim, por esses e outros motivos se deu o surgimento de organizações internacionais como a Organização das ONU - Nações Unidas, a OMS - Organização Mundial da Saúde, o FMI - Fundo Monetário Internacional, e os diversos blocos regionais e não regionais de países que se unem buscando integração e beneficiamento econômico. Cita-se como grandes exemplos desses blocos a UE - União Europeia, a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, a UA - União Africana, e o MERCOSUL - Mercado Comum do Sul, do qual o Brasil faz parte, entre outros.

É imperioso ressaltar a importância de tais organizações e blocos, no que tange ao auxílio que tais alianças podem proporcionar para o desenvolvimento de um Estado, e sobretudo a influência que podem exercer na resolução de conflitos de forma pacífica e humanizada. Porém, é importante ressaltar ainda que um país, ao aceitar integrar algum desses institutos, afirma conjuntamente que aceita se submeter às condições por eles impostas, ficando sujeitos às normas de tratados e acordos internacionais que devem ser ratificados e integrados às suas legislações pátrias.

É certo que um Estado soberano não fica necessariamente obrigado a acatar previsões normativas de âmbito internacional, contudo o não acatamento de tais medidas ou a prática de atos não adotados por tais grupos pode gerar a imposição de sanções indiretas que podem ser significativamente maléficas para um país no contexto da forte globalização atualmente vivida, cita-se como exemplo desse sancionamento a possível imposição de embargos econômicos.

É dessa forma que nasce o questionamento de que, até que ponto organizações internacionais podem impor normas aos seus membros sem interferirem demasiadamente e até mesmo fragilizarem a soberania nacional dos Estados envolvidos e por elas abrangidos. Estaria havendo em todos os casos apenas uma solidariedade sinceramente preocupada com o desenvolvimento das nações ou por vezes há alguma espécie de ingerência tendenciosa e talvez até mesmo prejudicial?

A polêmica acende-se em face de medidas interventivas, imposições e restrições comumente e frequentemente executadas por institutos como os ora discutidos, que podem ser sanções de caráter social, político, econômico, militar etc.

Um fato que deve ser sempre lembrado é que essas organizações, que tem como um grande exemplo a já citada ONU, são no mundo atual essenciais para a manutenção da ordem pacífica das nações e do equilíbrio internacional, não havendo então como suscitar dúvidas a respeito da necessidade de instrumentos como esse para salvaguardar a população mundial de flagelos como os anteriormente vividos e que podem ser evitados ou abrandados com a intervenção de pacificadores reconhecidos e validados mundialmente.

No entanto, é em defesa deste mesmo equilíbrio que se faz necessário sopesar ainda a existência de outros fatores. Embora seja esse o ideal perseguido em parte, sabe-se que a igualdade de condições de desenvolvimento econômico e humano dos países infelizmente ainda não perfaz uma realidade mundial, e é sabido que é grande ainda a quantidade de países que se encontram em subdesenvolvimento, o que podem colocá-los em situações de vulnerabilidade perante outros Estados.

E é de conhecimento geral também que as organizações internacionais atualmente são administradas e dirigidas por grandes nações desenvolvidas do primeiro mundo, que possuem altos índices de desenvolvimento humano e poderio político, econômico e bélico fortemente maior e superior a boa parte dos outros membros. Seguindo essa linha de raciocínio, não é difícil prever que possa haver uma maior influência e ingerência de alguns Estados sobre outros, colocando, sem dúvida, a soberania das nações mais vulneráveis em cheque.

Portanto, é necessário sim a existência não mais de uma mera sociedade, mas de uma verdadeira comunidade internacional integrada e organizada. Mas tal objetivo pode não ser alcançado se o controle dos mecanismos efetivadores de tal pretensão se concentrarem apenas nas mãos de nações ricas e poderosas. Para garantir a soberania dos países é necessário que no Direito Comunitário Internacional todo país tenha postura, voz e atitude para que realmente possa ser construída uma globalização igualitária, efetiva e justa.

Melissa Aparecida Batista de Souza
Advogada, pós-graduanda em Ciências Penais, colaboradora jurídica, entusiasta das ciências jurídicas e sobretudo do Direito Penal e Processual Penal.

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