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Nova portaria interministerial e seu conflito com a lei 14.128/21

A Portaria Interministerial MTP/MS 14/22 traz, além de novas diretrizes quanto aos afastamentos e o controle e mitigação dos riscos de transmissão da covid-19, um flagrante conflito com a lei 14.128/21.

3/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Semana passada, mais precisamente, no dia 25/1/22, os Ministérios da Saúde e do Trabalho e Previdência (MTP/MS) publicaram a Portaria Interministerial MTP/MS 14/22.

De início, registra-se que este artigo abordará a implicação da mencionada Portaria na exigência de atestado médico para o afastamento por Covid-19 dos empregados e do seu aparente conflito com a lei 14.128/21. Aqui não serão abordadas as regras quanto a contagem e os dias de afastamento e os procedimentos obrigatórios que a empresa deve instituir para prevenir a transmissão da Covid-19 entre os seus funcionários.

Contextualizando, a Portaria traz como obrigação o encaminhamento dos casos suspeitos para o ambulatório médico da empresa, quando existente, para fins de avaliação e acompanhamento adequado. Na prática significa dizer que quem possui ambulatório médico tem o dever de encaminhar os casos suspeitos para avaliação dos profissionais da saúde que atuam na empresa.

A Portaria permite a realização de trabalho home office para empregados com suspeita ou confirmação de Covid-19, pois menciona “afastar das atividades presenciais” esses casos. Todavia, esta medida deve ser avaliada com cautela, pois subentende-se a ausência de atestado médico, ou seja, só é permitida nos casos que os funcionários não possuam atestado médico indicando o afastamento das atividades laborais. Havendo este documento, o empregado deve ser imediatamente afastado das atividades laborais, pois o documento médico deve prevalecer a qualquer norma pré-estabelecida na Portaria.

Aliás, importante enaltecer que a possibilidade de realização de atividade laboral para os assintomáticos ou os sintomáticos que tenham condições de trabalhar em home office por certo só pode ser avaliada por profissional médico, o único capacitado a atestar se a pessoa contaminada pode exercer suas atividades laborais em home office e realizar apenas o isolamento social para mitigar o contágio de outros indivíduos ou se deve se afastar das atividades laborais e repousar para fins de recuperação clínica.

O ponto que se quer destacar e que causa certa insegurança é que a Portaria MTP/MS 14/22 deve ser interpretada de forma conjunta com a lei 14.128/21, em razão do princípio da hierarquia das normas no sistema jurídico brasileiro.

Relembrando, a lei 14.128/21 acrescentou os seguintes dispositivos ao art. 6º da lei 605/49:

“§ 4º Durante período de emergência em saúde pública decorrente da Covid-19, a imposição de isolamento dispensará o empregado da comprovação de doença por 7 (sete) dias.

“§ 5º No caso de imposição de isolamento em razão da Covid-19, o trabalhador poderá apresentar como justificativa válida, no oitavo dia de afastamento, além do disposto neste artigo, documento de unidade de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) ou documento eletrônico regulamentado pelo Ministério da Saúde.”

Nesse cenário, a referida Lei, vigente enquanto durar o estado de emergência de saúde pública em razão da Covid-19, dispensa o empregado de comprovar a doença por 7 dias e apenas a partir do 8º dia o obriga a apresentar a justificativa do afastamento (exame/teste, atestado ou algum outro documento médico que comprove o diagnóstico da doença ou a necessidade de afastamento), sob pena de desconto das faltas por ausência de justificativa válida. Sem falar na legislação trabalhista que exige a apresentação de atestado médico com a finalidade de abonar as faltas com o pagamento do salário no período correspondente, até o limite de 15 dias, tendo em vista que o afastamento em período superior conduz ao INSS para percepção de benefício previdenciário a partir do 16º dia, além de suspender o contrato de trabalho durante a percepção do auxílio-doença.

É importante ter em mente, para contextualizar, que os afastamentos das atividades laborais indicados pelas autoridades em razão da Covid-19 não dizem respeito apenas em relação a incapacidade para o trabalho, mas também em razão da possibilidade de contaminação dos demais indivíduos, ou seja, o afastamento não é pura e simplesmente em razão das condições físicas do trabalhador, o que traz um novo cenário aos afastamentos por doença no ambiente de trabalho.

Logo, analisando os regramentos já citados, é certo que a empresa deve afastar o funcionário sem necessidade de atestado médico quando a confirmação se der por teste positivado (RT-PCR, RT-LAMP ou teste de antígeno), devendo observar os pormenores existentes na Portaria 14/2022 para o retorno quanto aos dias de afastamento e início da contagem dos dias de afastamento.

Nos demais casos que não possuam resultado de teste, a partir do 8º dia de afastamento seria possível a solicitação de algum documento médico justificando o afastamento (em razão da já mencionada lei 14.128/21 e da lei 605/49). No entanto, deve-se ressaltar a existência de entendimento contrário em razão da Portaria MTP/MS 14/22 instituir um dever de afastamento em determinados casos, o qual, é possível dizer, não ser o mais adequado, já que conflitante com o exposto na lei 14.128/21, devendo ser aplicado o princípio da hierarquia das normas e a legislação trabalhista afeta a situação.

Até porque em quadros mais graves ou em afastamentos superiores a 15 dias é indispensável a exigência de atestado médico para que o empregado seja encaminhado ao INSS (instituto Nacional do Seguro Social). Pela legislação previdenciária, lei 8.213/91, esse encaminhamento para percepção de auxílio-doença só é possível mediante atestado médico que comprove o afastamento médico superior a 15 dias (ou a vários atestados médicos oriundos da mesma patologia que somem este período) o que permite concluir que a ausência de exigência de atestados médicos nestes casos poderá causar penosa consequência financeira para as empresas que terão que arcar com a remuneração dos seus funcionários eventualmente afastados por mais de 15 dias em razão da Covid-19.

Assim, tem-se a certeza de que o teste positivado por si só conduz ao afastamento do empregado e ao direito de não ter os dias descontados da remuneração sem a necessidade de apresentação de atestado médico, mas tão somente do resultado do teste.

Para as empresas que possuem ambulatório médico na organização a solução do problema de certa forma é mais fácil e segura juridicamente. Basta que encaminhe o funcionário com suspeita de contágio ao ambulatório tanto para cumprimento da Portaria 14/22 que ordena este encaminhamento quanto para que se resguarde no caso de eventuais afastamentos superiores a 15 dias, possibilitando com isso o encaminhamento do empregado ao INSS para percepção do auxílio-doença.

Para as empresas que não possuem ambulatório médico a decisão de solicitar ou não o atestado médico requer um pouco mais de cuidados.

Conquanto, ausente legislação específica dispensando a apresentação de atestado médico para os casos suspeitos de Covid-19 ou por contato com casos confirmados ou suspeitos de Covid-19, a empresa pode sim optar por exigir atestado médico ou algum outro documento que comprove a doença ou a suspeita da doença desde que a exigência ocorra a partir do 8º dia de afastamento, em razão de expresso regramento exposto na lei 14.128/21 que alterou a lei 605/1949.

Além do mais, a empresa pode adotar diretrizes para estas exigências (sempre em conformidade com a legislação aplicável) nas suas orientações e protocolos relativos as medidas de prevenção, controle e mitigação de riscos, principalmente quanto aos casos não confirmados por meio de testes e que ultrapassem os 7 dias de afastamento e para os casos que mesmo com o teste positivo demandem afastamento do trabalhador das atividades laborais em razão de sintomas e sequelas mais graves.

Em razão do ineditismo da situação da Covid-19 surgirão muitas discussões sobre o tema, principalmente quanto a exigência ou não de atestado médico para os casos de afastamento que não possuam confirmação por teste e que ultrapassem o 7º dia de afastamento. Por isso, é importante seguir acompanhando essas questões e as manifestações dos juristas quanto aos posicionamentos que estejam se firmando sobre o tema.

Roberta Wust Zanini
Advogada trabalhista empresarial de Compliance e Adequação da LGPD nos setores de Recursos Humanos, especialista em Advocacia Trabalhista pela Anhanguera - Uniderp e integrante do núcleo trabalhista do Pasquali & Poffo Advogados Associados.

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