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Receita Federal define momento de tributação de créditos ilíquidos decorrentes de ações judiciais

Com o encerramento do julgamento da chamada "tese do século", em que o STF definiu que o ICMS não deve compor a base de cálculo do PIS e da COFINS, diversas discussões ganharam relevância perante a Receita Federal. Entre elas, o momento em que os créditos decorrentes das ações ajuizadas pelos contribuintes deveriam ser reconhecidos em resultado para fins de tributação pelo IRPJ.

20/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Com o encerramento do julgamento da chamada "tese do século", em que o STF definiu que o ICMS não deve compor a base de cálculo do PIS e da COFINS, diversas discussões ganharam relevância perante a Receita Federal. Entre elas, o momento em que os créditos decorrentes das ações ajuizadas pelos contribuintes deveriam ser reconhecidos em resultado para fins de tributação pelo IRPJ.

Em um primeiro momento, como resultado da intepretação conjunta dos dispositivos legais que determinam a adoção do regime de competência para empresas tributadas com base no lucro real e do Ato Declaratório Interpretativo SRF 25, suspeitava-se que a Receita tomaria o momento do trânsito em julgado da decisão favorável ao contribuinte como marco temporal para oferecimento do valor creditório à tributação do IRPJ. Isso porque, a partir desse momento, poder-se-ia cogitar da existência de disponibilidade jurídica de renda para fins do artigo 43 do Código Tributário Nacional.

No entanto, como o Ato Declaratório Interpretativo tratava de ações ordinárias de repetição de indébito, nas quais, via de regra, o valor do crédito perseguido pelos contribuintes em sentença é previamente definido ou conhecido, houve grande dúvida acerca de qual seria o posicionamento da Receita acerca do direito creditório ilíquido, decorrente de ações em que apenas o direito à compensação ou restituição administrativa dos valores recolhidos "a maior" era reconhecido por meio de decisão judicial – instrumentalizado comumente por meio de mandados de segurança, no qual sequer é possível adentrar à discussão acerca do valor creditório.

Embora o tema já houvesse sido abordado em soluções de consultas esparsas, faltava clareza sobre o marco temporal, de forma que alguns momentos passaram a ser cogitados: o trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito à compensação/restituição, a habilitação do respectivo crédito perante a Receita Federal, o deferimento da habilitação dos créditos pela autoridade fazendária, a transmissão das declarações de compensação contra débitos detidos pelos contribuintes e a homologação – tácita ou expressa – de tais compensações. Tal dúvida parece, agora, ter sido parcialmente solucionada a partir da publicação da Solução de Consulta COSIT 183, de 7 de dezembro de 2021.

Inicialmente, ela esclarece que o Ato Declaratório Interpretativo SRF 25, de 24 de dezembro de 2003, não pode ser utilizado como paradigma para créditos decorrentes de ações em que o contribuinte apenas busca o reconhecimento do direito à compensação/restituição administrativa dos valores recolhidos indevidamente ao Erário, uma vez que "em nenhuma fase do processo foram definidos pelo juízo os valores a serem restituídos e a satisfação do direito creditório decorrente da ação judicial transitada em julgado se dará na via da compensação administrativa e não na via judicial, pela expedição de precatório ou de Requisição de Pequeno Valor (RPV)".

A partir disso, a Receita Federal desenvolve o racional de que a disponibilidade econômica e jurídica de tais créditos para fins de configuração da hipótese prevista no artigo 43 do CTN ocorrerá com a conjugação de dois fatores: a quantificação do valor creditório pelo próprio contribuinte e a sua declaração de vontade no sentido de que pretende utilizar tais montantes para pagamento posterior de débitos.

Com isso, a Solução de Consulta elege a transmissão da primeira declaração de compensação/restituição como marco temporal para fins de adição do valor creditório ao lucro real, uma vez que, "por se estar diante de compensação de débitos com créditos decorrentes de decisão judicial – a qual não definiu o valor a ser restituído –, mediante procedimento de compensação (...) a liquidez dos créditos, prescrita no art. 170 do CTN, é atestada pelo próprio contribuinte, em momento posterior, por ocasião da apresentação da primeira Declaração de Compensação, oportunidade em que ocorre a necessária identificação do montante do crédito, 'sob condição resolutória de sua ulterior homologação'".

A definição por certo confere maior segurança jurídica ao tema, especialmente porque, por força do artigo 33 da Instrução Normativa RFB 2.058/21, as soluções de consulta expedidas pela COSIT possuem efeito vinculante perante a administração fazendária. No entanto, o entendimento em questão ainda deixa algumas dúvidas.

Primeiramente, fica claro que os critérios adotados pela Receita Federal não são os mesmos para créditos já quantificados no bojo de ações ordinárias de repetição de indébito e para aqueles que ainda serão alvo de auto-liquidação para posterior compensação/restituição administrativa.

Isso porque, para as ações de repetição de indébito, o reconhecimento do crédito em resultado dependerá da formação de coisa julgada com relação ao próprio valor a ser recuperado pelo contribuinte. Ou seja, o reconhecimento contábil apenas ocorrerá quando o fisco não tiver mais ferramentas para questionar o valor do crédito a ser repetido.

Já com relação aos créditos que serão alvo de recuperação administrativa – e, portanto, ilíquidos quando do trânsito em julgado judicial –, a necessidade de reconhecimento em resultado ocorrerá logo após a quantificação do crédito pelo próprio contribuinte, a qual ainda poderá ser questionada pelo fisco quando da análise da respectiva declaração de compensação.

Em um paralelo processual, a exigência de reconhecimento em resultado do valor do crédito a partir da elaboração do cálculo e transmissão da declaração de compensação pelo contribuinte equivaleria ao momento em que o contribuinte apresenta os cálculos em juízo para dar início ao cumprimento de sentença no bojo da ação de repetição de indébito – o qual, como visto, não é considerado como marco temporal pelo Ato Declaratório Interpretativo SRF 25, de 24 de dezembro de 2003.

Portanto, o que se observa é que o Ato Declaratório Interpretativo e a recente Solução de Consulta COSIT elegem critérios diferentes para fins de definição acerca da disponibilidade econômica e jurídica da renda pelo contribuinte, adotando como elemento de diferenciação apenas a via em que tal crédito será recuperado – se judicial ou administrativamente.

Além disso, cumpre destacar que o marco temporal adotado pela Solução de Consulta COSIT de dezembro do ano passado não necessariamente refletirá a disponibilidade econômica da renda para fins de tributação pelo IRPJ.

Isso porque não necessariamente a transmissão de declaração de compensação apontará imediatamente um débito a ser quitado com o respectivo crédito apurado pelo contribuinte. Ou seja, apesar de poder transmitir a declaração de compensação em um exercício, o contribuinte poderá vincular o crédito a um débito apenas no exercício seguinte, o que coloca em xeque o momento da disponibilidade jurídica do crédito adotada pela Solução de Consulta recém-publicada.

Também porque a primeira declaração de compensação não necessariamente apontará a integralidade do crédito a ser recuperado, sendo possível ao contribuinte, por exemplo, após ter seu crédito habilitado pela Receita Federal, transmitir diversas declarações de compensações ao longo do tempo, à medida em que apure novos débitos para pagamento.

Nesse contexto, é importante apontar o entendimento externado pelo órgão fazendário na Solução de Consulta COSIT 239, de 19 de agosto de 2019, onde consignou que o prazo para o exercício do direito de apresentar a declaração de compensação é de cinco anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.

Assim, o contribuinte "perde" o direito à compensação dos créditos depois de decorridos cinco anos do trânsito em julgado, o que seria outro motivo para divergir da tributação de todo o montante dos créditos no momento da apresentação da primeira declaração de compensação, já que é possível que nesse instante sequer se tenha conhecimento da existência de débitos suficientes para compensar referidos créditos e previsão se referidos débitos poderão ser compensados dentro do prazo consignado no referido documento.

Dessa forma, apesar de ter conferido maior segurança jurídica ao afastar os termos do Ato Declaratório Interpretativo SRF 25, de 24 de dezembro de 2003, para créditos não quantificados em ação judicial e adotado marco temporal próprio em tais hipóteses, fato é que a Receita Federal não abarcou todas as hipóteses na última Solução de Consulta COSIT, o que possivelmente demandará a edição de novos atos pelo órgão fazendário, ou, visto de outro ângulo, continuará ensejando, por parte do contribuinte, a adoção de outros momentos para tributação dos créditos.

Adriana Stamato
Sócia do escritório Trench Rossi Watanabe.

João Rezende
Associado de direito tributário do Trench Rossi Watanabe.

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