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Condenação do beneficiário da justiça gratuita em honorários sucumbenciais após ADIn 5766

Mesmo após o julgamento da ADIn 5766, é devida a condenação do beneficiário da justiça gratuita em honorários sucumbenciais na Justiça do Trabalho.

11/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Do que ficou, de fato, decidido na ADIn 5766.

Após o julgamento da ADIn 5766 no dia 20/10/2021, muito se discute na comunidade jurídica sobre a real consequência processual do direcionamento estabelecido pela Corte Suprema na ocasião. Isso, sobretudo, diante da necessidade de aplicação imediata da decisão vinculante (v., sob a matéria, a Rcl 3.473 AgR/DF).

Embora decisões de controle concentrado provoquem, de fato, uma grande movimentação das instâncias judiciais sobre a melhor forma de aplicação do precedente, o presente caso possui um agravante. Trata-se da redação da ata da sessão de julgamento, lançada no site oficial do STF, que não preza pela clareza e, mais grave, peca por dizer menos do que ficou consolidado.

Vejamos, inicialmente, o que se consignou no andamento processual da ADIn 5766, a título de certidão de julgamento, reproduzida em certidão dentro do processo judicial eletrônico respectivo:

"Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso (Relator), Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. Por maioria, julgou improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 20.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)."

Deduz-se, pelo excerto, que houve inconstitucionalidade integral do §4º do art. 791-A da CLT, o que não condiz com o que ficou estabelecido no real julgamento da Corte Suprema.

Para melhor esclarecer tal impropriedade e não nos deixarmos incorrer em equívoco, destaco logo de início que a ata de julgamento não é fator vinculante no processo constitucional de controle concentrado. Ao revés, trata-se de ato de secretaria (tanto que assinado pela Assessora-Chefe do Plenário) que tem por objetivo reproduzir o que foi decidido pela Corte e, assim, permitir a aplicabilidade imediata do posicionamento do STF, o qual, este sim, é vinculante.

Em algumas situações, aliás, a certidão de julgamento, ata de julgamento ou "decisão de julgamento" (embora esta última seja de terminologia questionável) foram objetos de embargos de declaração, com objetivo de sanar erros materiais. É o exemplo do ED na ADIn 4167, julgado em 27/02/2013.

Fato é que o §4º do art. 791-A da CLT não poderia, de fato, ter sido declarado inconstitucional em sua integralidade. A análise do voto divergente do Min. Edson Fachin¹, pronunciada no dia 10/05/2018, não deixa dúvidas quanto a isso.

A procedência total dos termos da inicial, aliás, exige que entendamos o que foi, de fato, objeto de requerimento. Nesse cenário, observam-se os pedidos formulados pela PGR como os seguintes (excerto dos pedidos em caráter definitivo):

"Requer que, ao final, seja julgado procedente o pedido, para declarar inconstitucionalidade das seguintes normas, todas introduzidas pela lei 13.467/17:

  1. da expressão 'ainda que beneficiária da justiça gratuita', do caput, e do § 4o do art. 790-B da CLT;
  2. da expressão 'desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa,' do § 4o do art. 791-A da CLT;
  3. da expressão 'ainda que beneficiário da justiça gratuita,' do § 2o do art. 844 da CLT."

Deve-se lembrar que, mesmo nos processos de controle constitucional concentrado, a regra do art. 492 do CPC (princípio da adstrição, congruência ou correlação) ainda encontra guarida. Não poderia ser diferente. Se nos processos dessa natureza a causa de pedir é aberta, deixar de aplicar o princípio da adstrição seria dar à Corte Constitucional uma carta branca para tornar nulo qualquer ato normativo, em contrariedade ao sistema restritivo de legitimação ativa estabelecido pela CRFB/88 no art. 103.

Aparecem como exceção unicamente as denominadas inconstitucionalidades por arrastamento ou contaminação, que decorrem da relação de instrumentalidade que determinadas normas possuem em relação a outras. É o exemplo da extirpação do §4º do art. 23 da lei 1.079/50 no julgamento da ADPF 378.

Sobre a matéria, pontua o célebre Professor Marcelo Novelino (Curso de Direito Constitucional, 15ª Ed., pg. 227):

"Deve ser observada regra da congruência (ou da correção ou da adstrição), isto é, o Supremo deve se limitar, como regra geral, à análise dos dispositivos impugnados na petição inicial. A exceção fica por conta dos casos de inconstitucionalidade por consequência (ou por arrastamento ou por atração), hipótese em que o Tribunal pode estender a declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados na petição inicial, desde que possuam uma relação de interdependência com os dispositivos questionados."

Ora, não pode existir instrumentalidade intranormativa. A instrumentalidade se dá como consequência da acessoriedade de uma norma em relação a outra. Portanto, a única solução ao caso é a de que somente houve extirpação da parte da redação expressamente indicada na inicial da ADI 5766.

Assim, para consolidar nossas colocações, a atual redação do art. 791-A da CLT, junto de seu §4º, seria a seguinte:

"Art. 791-A.  Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

§ 4o  Vencido o beneficiário da justiça gratuita, […], as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário."

Como consequência, a sentença que reconheceu a sucumbência do beneficiário da justiça gratuita deve condená-lo em honorários advocatícios, mas logo em sequência suspender a exigibilidade da obrigação.

2. Da consequência da manutenção da condenação em honorários.

A retirada da frase já consignada terá por consequência manter a existência da dívida. A retirada da exigibilidade afeta a eficácia da obrigação, de modo a paralisá-la ou encobri-la. Não ter exigibilidade, portanto, é totalmente diferente de não existir a obrigação, embora, à primeira vista, a consequência prática pareça ser a mesma.

Situação semelhante acontece com a prescrição. A prescrição também afeta a exigibilidade da obrigação, mas de modo definitivo (enquanto que a situação acima é temporária, em primeiro momento, e definitiva após 2 anos).

Para melhor esclarecer a diferença, vejamos a lição de Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto em seu Manual de Direito Civil (4ª ed., pg. 622):

"A prescrição, quando acontece, atinge a exigibilidade do direito. Em outras palavras, a prescrição, quando acontece, atua sobre a pretensão. Pretensão, esclarece Pontes de Miranda, é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa. Direitos sem pretensão não deixam de ser direitos subjetivos, só não são exigíveis. Uma evidência bastante clara dessa realidade é a seguinte: se o dever, dito prescrito, for cumprido (digamos que se trate de dívida que, mesmo prescrita, foi voluntariamente paga), trata-se de cumprimento devido, à luz da ordem jurídica. Não poderá ser solicitado de volta (repetição do indébito) nem configura enriquecimento sem causa (Código Civil, art. 884)."

Aplicado o mesmo entendimento, teríamos como resultado o fato de que, se houve pagamento de honorários pelo beneficiário da justiça gratuita, eles são irrepetíveis, porque a obrigação existe, embora inexigível.

Tal entendimento é bastante útil quando pensarmos nas discussões que possam haver para reaver pagamentos de honorários advocatícios pagos, em virtude de decisões prolatadas antes do julgamento da ADI 5766. A resposta é simples: não há devolução, porque a obrigação existe e é válida, houve apenas suspensão de sua exigibilidade. Assim, sequer haveria necessidade de se fazer referência ao ato jurídico perfeito do inciso XXXVI da CRFB/88 para evitar a repetição.

3. Da nulificação total do §4º art. 791-A da CLT.

Ainda que assim não se entendesse, compreender que houve retirada integral do §4º do art. 791-A da CLT também não redundaria na vedação à condenação em honorários do beneficiário da justiça gratuita.

Note-se que, se retirássemos integralmente o §4º do art. 791-A da CLT, o caput do mesmo dispositivo permaneceria. Afinal, não foi ele objeto de declaração de inconstitucionalidade. Tal entendimento redundaria em prejuízo ao hipossuficiente, porque a norma que lhe garantia a inexigibilidade da obrigação já não mais existiria no ordenamento celetista. E, de fato, não parece ter sido essa a intenção do E. STF ao julgar a ADI 5766.

A solução seria então encarar a ausência do §4º do art. 791-A da CLT como omissão. A omissão, como se sabe, permite sua integração pelo art. 769 da CLT. Por plenamente compatível, haveria então a aplicação do dispositivo do CPC que regula a inexigibilidade dos honorários advocatícios sucumbenciais em detrimento do beneficiário da justiça gratuita. Vejamos:

"Art. 98.

§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário."

Com efeito, a fixação em 5 anos acima deveria ser adaptada ao regime processual celetista, que prevê a prescrição bienal como regra. Assim, no fim das contas, a aplicação da disposição processual redundaria na exata redação do art. 791-A, §4º, CLT, com extirpação dos termos indicados na inicial da ADI 5766.

Em outros termos, a solução jurídica da adoção deste posicionamento finda por ser idêntica àquela anterior, a qual, todavia, julgamos mais adequada e consentânea com o Direito Processual.

4. Da opção pela não condenação em honorários.

Conforme explanamos acima, ainda que admitida a extirpação integral do §4º do art. 791-A da CLT, é certo que o caput do dispositivo permanece incólume.

Se, contudo, optar-se por não condenar o beneficiário da justiça gratuita em honorários advocatícios, as consequências endo e extraprocessuais podem resultar em dilações das partes que, a nosso ver, podem ser evitadas.

A mais óbvia é o ajuizamento da reclamação constitucional, com fulcro no art. 102, "l", da CRFB/88. Além dela, podem-se fazer uso dos embargos de declaração (por omissão na apreciação efetiva do pedido, já que a parte tem direito à solução integral do mérito nos termos do art. 4º do CPC), e de incidentes de execução, a depender do preenchimento dos requisitos específicos.

Em casos mais extremados, é inclusive possível de sustentar o ajuizamento de ação autônoma para fixação de honorários, com fulcro no art. 83, §18, CPC.

Assim, haveria a necessidade de se julgar pela improcedência do pedido de condenação em honorários advocatícios, o que, a nosso ver, não encontra fundamento nem na ordem vigente (em que permanece o caput do art. 791-A da CLT) nem mesmo na decisão proferida nos autos da ADI 5766 (em que o STF não retirou a possibilidade de condenação do beneficiário da justiça gratuita em tal obrigação, como aqui defendemos).

5. Da conclusão.

Como pontuamos nos itens precedentes, a melhor solução ao caso é a leitura contextualizada da ata de sessão de julgamento da ADI 5766, publicada no dia 20/10/2021, que não basta por si mesma. Não houve nulificação integral do §4º do art. 791-A da CLT e nem poderia. As demais alternativas a tal entendimento, a nosso ver, não parecem adequadas e possibilitam a criação de um risco de insegurança jurídica que pode ser facilmente evitada.

Assim, entendemos que, mesmo após o julgamento da ADI 5766, enquanto não disponibilizada a íntegra do Acórdão para melhor esclarecer o dilema, deva haver a condenação do beneficiário da justiça gratuita em honorários advocatícios, com suspensão da exigibilidade da obrigação pelo prazo de 2 anos, findos os quais a obrigação tem sua eficácia definitivamente encampada.

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1- Pleno - Julgamento de ação contra reforma trabalhista é suspenso. Disponível aqui. Acesso em 27/10/2021.

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DIDIER JR., Freddie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, parte geral e processo de conhecimento. 20. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018.

DIDIER JR., Freddie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 14. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019.

FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Braga; e ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. 4. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

Pedro Henrique Almeida Valença
Assistente de juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Damásio.

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