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Ausência de cobertura dano moral pelo seguro DPVAT

O dano moral constitui a ofensa à dignidade, à honra, à intimidade, à moral, à personalidade, à imagem, à pessoa física ou jurídica. No entanto, a reparação do dano moral causado em acidente de trânsito não possui previsão na lei 6.194/1974.

24/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

1 INTRODUÇÃO

O Seguro DPVAT é instituído pela lei 6.194/74, que define em seus artigos 2º e 3º que se trata de um seguro obrigatório de responsabilidade civil de danos pessoais causados pela circulação de veículos automotores em via terrestre ou por suas cargas transportadas que compreende as coberturas de morte, invalidez permanente e despesas médico-hospitalares.

Segundo Leal (2011, p. 113), é o seguro DPVAT “um seguro obrigatório que indeniza as vítimas de acidentes envolvendo veículos automotores de via terrestre”.

Dos conceitos acima, podemos destacar alguns elementos, quais sejam, a) é um seguro obrigatório porque a sua contratação é imposta por lei federal (Decreto 61.867 de 1967) a todos os proprietários de veículos automotores, sendo o pagamento do prêmio realizado no Documento Único de Arrecadação no qual também é efetuado o pagamento do licenciamento e do IPVA; b) é de responsabilidade civil, porquanto decorre da obrigação do causador do dano em reparar as vítimas ou beneficiários, o qual transfere o risco ao segurador ao contratar, ainda que obrigatoriamente; c) é de danos pessoais, por cobrir apenas danos à pessoa, ou seja, a morte, a invalidez permanente, total ou parcial, ou despesas com medicamentos e tratamentos necessários ao restabelecimento do corpo da vítima; e d) é de acidentes causados por veículos automotores ou que circulam com motor próprio, em vias terrestres ou por suas cargas transportadas.

Importante observar que o Seguro DPVAT nasceu com característica exclusiva de seguro de responsabilidade civil, cujos elementos técnicos são os mesmos, ou seja, a culpa, o dano e o nexo de causalidade (BRITO, 2004, p. 93), sem os quais o responsável não seria obrigado a indenizar, consoante disposição do Decreto-lei 73/66 e regulamentação pela Resolução CNSP 814/69.

Todavia, foi idealizado com fundamento no Seguro de Acidente de Trabalho, porquanto, as duas modalidades de seguro de responsabilidade civil são amparadas na infortunística (SANTOS, 2006, p. 565), e, ainda porque em ambas existe a dificuldade de demonstrar a culpa do causador do dano, no primeiro, o empregador e, no segundo, o proprietário ou condutor do veículo, se identificado, o que muitas vezes é impossível fazê-lo.

Sendo assim, consoante conceito trazido pela Resolução CNSP 25/67, não há discussão quanto à culpa pelo acidente, bastando às vítimas ou beneficiários a comprovação do fato (acidente), do dano (morte, invalidez permanente ou despesas médico-hospitalares), e o nexo de causalidade entre o fato ocorrido e o dano alegado.

Assim, recepcionando a referida norma infralegal, o artigo 5º da lei 6.194/74 dispõe que “o pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa”, tornando acessível o direito à indenização às vítimas e beneficiários.

É certo que sendo o Seguro DPVAT um seguro originariamente de responsabilidade civil, por este motivo encontra disciplina no Código Civil contém um capítulo para tratar da matéria securitária, o qual deve ser aplicado, no que couber, consoante determina o artigo 777.

Daí verifica-se aplicável o disposto no artigo 788 que determina o pagamento da indenização pela seguradora, que deve ser feito diretamente ao terceiro prejudicado, e, ainda, a disposição do artigo 206, parágrafo 3º, inciso IX, que estabelece o prazo prescricional para os seguros de responsabilidade civil.

Todavia, o Seguro DPVAT tornou-se também seguro de dano pessoal a partir da edição da lei 6.194/74, porque trouxe o conceito de seguro de danos pessoais, alterando seu nome inclusive de RECOVAT - Seguro de Responsabilidade Civil Obrigatória de Veículos Automotores Terrestres, para DPVAT – Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre.

Sendo assim, “tal seguro desponta como uma das espécies que excepcionam a regra da teoria subjetiva da culpa adotada pelo Código Civil Brasileiro (artigo 927 do novo Código Civil)”  (SANTOS, 2006, p. 564). E, embora também regido em regra geral pelo Código Civil, no que for aplicável, deve subordinar-se à lei 6.194/74, que trata de forma específica do seguro obrigatório de danos pessoais.

O Seguro DPVAT não pode ser analisado consoante os demais contratos de seguros, especialmente quanto à interpretação extensiva de suas cláusulas e coberturas previstas, sob pena de desvirtuamento do instituto.

Por este motivo, imputamos relevante o estudo dos fundamentos expostos no julgamento do Resp. 1.365.540/DF, porquanto, não obstante a previsão legal expressa quanto às coberturas, a tese publicada na ementa, que expõe o entendimento da Relatora Ministra Nancy Andrighi, não observa tais limitações legais.

Assim, iniciaremos analisando a finalidade do Seguro DPVAT e partiremos para análise dos fundamentos do voto da Relatora e do voto-vista. Por fim, se tentará chegar à conclusão se a decisão proferida possui embasamento legal e teórico para incluir a cobertura para danos extrapatrimoniais às coberturas do Seguro DPVAT.

2 FINALIDADE DO SEGURO DPVAT

A finalidade do seguro é restaurar a ordem econômica existente antes da ocorrência de um evento danoso. E foi criado a partir da necessidade do indivíduo de proteger seus bens, sua família e sua própria vida dos infortúnios, do perigo, da incerteza.

Sendo assim, a finalidade do seguro tem natureza particular, pois está diretamente relacionada à proteção do indivíduo, da família e da própria sociedade, e social, pois ao preservar as condições de sustento individual ou familiar alcança objetivo de ordem social. 

A par disto, sem dúvida, o Seguro DPVAT foi criado para beneficiar a população brasileira, com claro desígnio do legislador em trazer um alento às vítimas e beneficiários em virtude de danos causados por acidentes de trânsito. E, com esta intenção, seu propósito essencial é eminentemente social, pois abrange as coberturas de danos pessoais a todas as vítimas que sofrem acidentes no território nacional, concedendo cobertura para todas as categorias de veículos sem comprovação do pagamento do prêmio do seguro e sem discussão quanto à culpa pelo evento danoso.

Neste sentido ensina o ilustre doutrinador Ricardo Bechara

É seguro de responsabilidade civil sui generis porque concebido, com propósito eminentemente social, de transferir para o segurador os efeitos econômicos do risco da responsabilidade civil do proprietário (teoria do risco) de reparar os danos que sua máquina presumidamente perigosa (veículo automotor de via terrestre) possa causar às vítimas mais desafortunadas do trânsito independentemente de apuração de culpa [...]. (SANTOS, 2006, p. 564)

Na verdade, pelo Seguro DPVAT cada proprietário de veículo automotor de via terrestre transfere ao segurador, atualmente às seguradoras consorciadas no convênio, representadas pela Seguradora Líder - DPVAT, a responsabilidade civil em reparar os danos causados pela circulação de seu veículo.

No entanto, a reparação do dano causado pelo acidente de trânsito no Seguro DPVAT não tem por fim restituir todo o valor econômico ou sentimental do dano causado, “reparando o dano sofrido”, porque não abrange cobertura para os danos materiais e extrapatrimoniais causados aos veículos envolvidos no acidente, além disto, porque mesmo as indenizações para os danos pessoais cobertos visam apenas amenizar o contexto vivido pelas vítimas ou beneficiários.

Em manifestação expressa nos autos da ADIN N. 4627/DF, promovida pelo Partido Socialismo e Liberdade em face da Seguradora Líder – DPVAT perante o Supremo Tribunal Federal, o advogado Luis Roberto Barroso manifesta que:

(...) ao criar o Seguro DPVAT, o legislador pretendeu apenas prover alguma quantidade de recursos para pessoas que sofrem danos no contexto de acidentes automobilísticos, independentemente de outras considerações, como forma de socializar os riscos envolvidos no trânsito de automóveis 1. A idéia subjacente ao seguro obrigatório é a de que o trânsito de automóveis envolve riscos e danos frequentes e de difícil (ou pelo menos demorada) recomposição no plano da responsabilidade civil ordinária.

E continua dizendo:

O objetivo do Seguro DPVAT é diverso e caminha paralelamente com as normas de responsabilização existentes no sistema jurídico brasileiro. Seu propósito é simples: trata-se de organizar um fundo, custeado pelos proprietários de veículos automotores, capaz de garantir uma indenização mínima – a rigor, sequer se cuida de uma indenização, em sentido técnico, a despeito do uso corrente da expressão, mas apenas de uma quantidade determinada de recursos financeiros – a quem quer que sofra danos decorrentes de acidentes automobilísticos, independentemente de outras investigações e sem prejuízo das responsabilizações pertinentes.

Portanto, não há uma correlação da indenização garantida pelas coberturas previstas no Seguro DPVAT com o dano sofrido, na verdade, a reparação correspondente efetivamente ao dano deve ser buscada perante o seu causador pela reparação civil ordinária, por ser este obrigado por força dos artigos 186 e 927 do Código Civil a reparar integralmente o dano causado.

Isto porque o Seguro DPVAT visa socializar o risco de danos causados pelos acidentes de trânsito e antecipar quantia referente aos danos pessoais, tanto assim, que é considerado um seguro a primeiro risco, pois o valor da indenização paga deve ser deduzido de eventual condenação a título de reparação de danos no plano da responsabilidade civil ordinária.

Nesta esteira, cumpre esclarecer que em caso de reparação de danos à vítima, o proprietário do veículo e/ou o condutor, sempre serão responsáveis solidários pelos danos causados, devendo tais danos ser objeto de ação própria.

E, uma vez havendo condenação ao pagamento de indenização por morte, invalidez ou reembolso de despesas médico-hospitalares, deve ser deduzido o valor da indenização pelo Seguro DPVAT. Entretanto, a dedução se limita a estas verbas, que são as únicas previstas pela lei 6.194/1974.

___________
 
1 Com efeito, nos termos do art. 5º da lei 6.194/74, o recebimento da indenização oriunda do Seguro DPVAT: (i) independe de qualquer comprovação de culpa no acidente automobilístico – a indenização será devida ainda que tenha havido culpa exclusiva da vítima; e (ii) igualmente independe da identificação do veículo envolvido no acidente. Por isso mesmo é também indiferente para fins de indenização a circunstância de o proprietário do veículo envolvido no acidente haver ou não quitado o prêmio do seguro. A rigor, basta que o postulante à indenização demonstre a ocorrência do acidente automobilístico, o dano causado à vítima e o nexo causal entre o acidente e o dano. Confiram-se os arts. 5º e 7º da lei  6.194/74: “Art. 5º O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado”; “Art. 7º A indenização por pessoa vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradoras que operem no seguro objeto desta lei”.
___________
 
 

Allinne Rizzie Coelho Oliveira Garcia
Advogada. Sócia Diretora do escritório Jacó Coelho Advogados. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Membro da Associação Internacional do Direito do Seguro (AIDA Brasil). Conselheira Seccional e Presidente da Comissão Especial de Direito Securitário da Ordem dos Advogados do Brasil da Secção Goiás (2016/2018 e 2019/2021). Membro da Comissão Nacional de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da Ordem dos Advogados do Brasil (2019/2021).

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