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Considerações sobre a (des)necessidade de notificação do devedor na cessão de crédito

A ausência da notificação do devedor quanto a cessão de crédito não resulta em ineficácia do negócio jurídico, visto que serve apenas para evitar o pagamento ao credor originário.

12/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A cessão de crédito é uma modalidade de transmissão obrigacional, a qual uma parte chamada cedente transfere à outra, qualificada como cessionária, crédito a título oneroso ou gratuito, sem a necessidade de concordância do devedor. Ou seja, o credor transfere seus créditos a terceiro estranho (cessionária) à relação obrigacional de origem.

O tema está disposto no Código Civil a partir do artigo 286, o qual aduz que “Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.

A questão é: o devedor precisa ser notificado sobre essa cessão? Afinal, o seu crédito agora pertence à outra parte que é totalmente desconhecida à obrigação principal.

Pois bem, a notificação do devedor serve apenas para evitar o pagamento ao credor originário (cedente), de modo que sua ausência não importa em ineficácia da cessão. Isto porque o devedor não pode interferir nessa operação jurídica do credor com o cessionário e a ausência da notificação não autoriza o devedor a deixar de pagar o título, permanecendo o dever de pagamento no vencimento ao credor originário, sob pena de mora.

No mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA CESSÃO DE CRÉDITO. ORIGEM DO DÉBITO. Exigibilidade da dívida. Restou provado documentalmente a origem da dívida, pois a ré trouxe contrato de serviços assinado pela autora, bem como demonstrativo de inadimplência de faturas de cartão de crédito. Negativação anterior ao termo de cessão de crédito. Alegação que não condiz com os fatos, considerando que a inscrição no serviço de proteção ao crédito ocorreu após a cessão de credito. Carta de comunicação do Serasa acerca da existência do débito que não se confunde com a inscrição no rol de inadimplentes. Ausência de notificação da cessão de crédito. A ausência de notificação, nos termos do art. 290 do CC, não tem o condão de afastar a exigibilidade da dívida, mas tão somente evitar que o devedor pague a quem não detém mais o crédito. Precedentes do STJ. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (TJ-RS. Apelação 0271910-35.2019.8.21.7000. Relator: Glênio José Wasserstein Hekman. Órgão Julgador: Vigésima Câmara Cível. Data de Julgamento: 03/06/2020; Data da Publicação: 23/09/2020)

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça de São Paulo entende que:

AGRAVO DE INSTRUMENTO.EXECUÇÃO.CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA CESSÃO DE CRÉDITO. IRRELEVÂNCIA EM PROCESSO EXECUTIVO. A falta de cientificação do devedor não interfere na existência, validade ou eficácia da obrigação exequenda que foi cedida. Precedentes do C. STJ. O art. 290 do CC visa determinar ao devedor o conhecimento de seu atual credor, bem como garantir, quando não comunicado aquele a quem deve ser pago o crédito, a validade do pagamento efetuado de forma putativa, ou seja, objetiva dar eficácia de quitação ainda que o pagamento tenha sido realizado perante o antigo credor. Precedentes deste E. TJSP. Recurso não provido. (TJ-SP. Agravo de Instrumento nº 2090538-03.2017.8.26.0000. Relator: Roberto Mac Cracken. Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado. Data de Julgamento: 03/08/2017; Data da publicação: 08/08/2017)

Mais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - NEGATIVAÇÃO - CESSÃO DE CRÉDITO - NOTIFICAÇÃO - PROVA DA UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS - EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO - EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO - RECURSO NÃO PROVIDO. - A ausência de notificação da cessão de crédito ao devedor não interfere na validade da dívida. Contudo, ainda que comprovada a cientificação quanto àquele negócio jurídico, deve restar provada também a existência do débito original. - Tratando-se de ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais é ônus do réu, pretenso credor, comprovar que a parte autora utilizou de seus serviços. - As registros de tela sistêmicos em conjunto com as demais provas dos autos se prestam à comprovação da relação contratual. - Quando o réu efetivamente demonstra que a parte autora utilizou os serviços, tornando-se patente a existência do negócio jurídico cujo inadimplemento consubstanciou a inclusão do nome da consumidora nos cadastros restritivos de crédito, verifica-se que a negativação deu-se em exercício regular de um direito, afastando-se o pleito de indenização por danos morais. - Recurso ao qual se nega provimento. (TJ-MG. Apelação Cível 5007074-42.2018.8.13.0231. Relatora: Lílian Maciel. Órgão Julgador: 20ª Câmara Cível. Data de Julgamento: 16/07/2021; Data da Publicação: 16/07/2021)

Ainda, o STJ decidiu que “(…) A ausência de notificação não é capaz, destarte, de isentar o devedor do cumprimento da obrigação ou impedir o credor/cessionário de praticar os atos necessários à cobrança ou à preservação dos direitos cedidos, como por exemplo o registro de seu nome, se inadimplente, em órgãos de restrição ao crédito.” (STJ, REsp 1604899/SP, Relator Ministro Moura Ribeiro, 3ª Turma, Data do julgamento: 04/04/2018). Dessa forma, a dívida continua ativa em face do devedor e não há o que se falar em anulação da cessão efetivada entre cedente e cessionária.

Logo, embora a notificação do devedor constitua elemento de eficácia da cessão de crédito, é certo afirmar que sua ausência não torna nula a cobrança da dívida pelo novo credor, que poderá, independentemente do conhecimento do devedor sobre a transferência de titularidade, exercer o seu direito de cobrança do crédito adquirido.

Beatriz Xavier Cunha
Advogada do escritório Parada Advogados.

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