Migalhas de Peso

Dos limites do MPT para requisição de documentos - Impossibilidade nos PAJ

Para a Administração Pública, não é suficiente a ausência de proibição em lei para que possa agir.

2/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Ministério Público do Trabalho – MPT – tem como atribuição fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista quando houver interesse público, procurando regularizar e mediar as relações entre empregados e empregadores. Para tanto se utilizada de expedientes legais para o regular exercício do seu dever. Em apertada síntese, temos os seguintes:

O principal deles é o Inquérito Civil. Trata-se de procedimento investigativo com o fito de apurar fato que permita a tutela dos interesses coletivos, em futura Ação Civil Pública.

Secundariamente, O Ministério Público do Trabalho, de posse de determinadas informações que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos coletivos, poderá complementá-las antes de instaurar o Inquérito Civil, visando apurar elementos para identificação dos investigados ou do objeto, instaurando procedimento preparatório.

Após os trâmites do Inquérito Civil, caso entenda necessário o Ajuizamento de Ação Civil Pública, poderá o MPT assim fazer e concomitantemente abrir Procedimento de Acompanhamento Judicial – PAJ, o qual tem o fito de, tão somente, conforme própria nomenclatura, acompanhar os trâmites dos processos judicializados.

Nos termos da RESOLUÇÃO 69, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2007, do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho, que disciplina a instauração e tramitação do inquérito civil, o PAJ não está classificado hierarquicamente junto ao Inquérito Civil ou Procedimento Preparatório, valendo ressaltar o seu artigo 17. Senão Vejamos.

Art. 17. Não se sujeitam a esta Resolução os Procedimentos Administrativos para acompanhamento de ações estratégicas voltadas para o fomento de políticas públicas, para acompanhamento de ações judiciais e para mediação, conciliação e arbitragem.

Não pode, pois, o Procedimento de Acompanhamento Judicial - PAJ ser utilizado para requisições de documentos ou atos investigativos, nos termos do supracitado artigo. Ora, Diversos são os princípios que regem a administração pública. Merece, contudo, destaque, o princípio da legalidade.

O princípio da legalidade é o postulado basilar de todos os Estados de Direito, consistindo, a rigor, no cerne da própria qualificação destes. O Estado é "de Direito" pois sua atuação este integralmente sujeita ao seu ordenamento jurídico. Vigora, pois, o império da lei.

Nas relações individuais ou particulares, as partes podem realizar todos os atos que não sejam defesos em lei, vez que assim assegura o artigo 5º, II da Constituição Federal do qual emana o Princípio da Autonomia da Vontade:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

O referido dispositivo emana do artigo 4º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, delineados em meio a Revolução Francesa, o qual trata que "a liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei."

A Administração Pública, por sua vez, não caminha na mesma trilha, vez que, em sentido contrário às liberdades individuais, assim não pode proceder, pois a vontade da Administração Pública decorre da lei. Para a Administração Pública, não é suficiente a ausência de proibição em lei para que possa agir. É necessária a existência de uma Lei que imponha ou autorize determinada atuação administrativa, conforme preceitua o Princípio da Legalidade insculpido no artigo 37 da Constituição Federal.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que, em decorrência do aludido princípio, "A Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei."1

Na mesma esteira, temos a lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, que doutrinam no sentido de que a Administração Pública está vinculada aos preceitos legais, sendo permitida sua atuação somente nos casos previstos em lei:

O princípio da legalidade administrativa, tem, portanto, para a administração pública, um conteúdo muito mais restritivo do que a legalidade geral aplicável à conduta dos particulares (CF, art. 5.º, II). Por outro lado, para o administrado, o princípio da legalidade administrativa representa uma garantia constitucional, exatamente porque lhe assegura que a atuação da administração estará limitada ao que dispuser a lei.2

Considerando a necessidade de previsão legal para validade do ato administrativo, sob pena de nulidade, ressaltando, ainda, que o Procedimento de Acompanhamento Judicial não é meio adequado para requisição de documentos ou instauração de atos investigativos, servindo, tão somente, para acompanhamento de demandas judicializadas pelo Ministério Público do Trabalho, concluímos que a Administração Pública pode agir, tão somente, segundo a lei. Todos os atos praticados em desobediência a tal parâmetro devem ser considerados inválidos.

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1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – 23. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010. Pág. 64.
2 ALEXANDRINO, MARCELO. Direito Administrativo Descomplicado. 23. Ed. Rev., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. Pág. 2010.

Tairo Ribeiro Moura
Sócio do MoselloLima Advocacia. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela PUC Minas. Pós-Graduado em Direito Processual pela PUC Minas. Prof. de Processo do Trabalho na FASB em Teixeira de Freitas/BA.

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