O Judiciário na Inglaterra
Antonio Pessoa Cardoso*
O Judiciário alicerça-se fundamentalmente na participação popular e tem, na sua formação, cortes, juizes de direito, de paz, leigos e advogados. A proporção é de um juiz judicial para 10 juizes leigos.
As formas alternativas de resolução de litígios é imposição legal, em alguns casos, mas, de maneira geral, depende de iniciativa das partes. Os conciliadores, mediadores, árbitros e outros órgãos extrajudiciais solucionam grande parte dos litígios. Na área consumerista, as empresas criaram os “provedores dos clientes”; suas decisões vinculam àquelas, mas o cidadão não se obriga a aceitá-las.
Os Tribunais de Condado, “County Courts”, conhecidos como “justiça dos pobres”, juntamente com os Juizes de Paz formam o que se chama de Baixa Justiça e julgam as ações cíveis menos complexas; seus julgamentos comportam recursos para o Tribunal de Apelação e tem efeito somente para o caso julgado, sem produzir o precedente, alicerce maior do Common Law. Fazem parte ainda da Baixa Justiça, órgãos denominados de “quase-judiciários”, distribuídos em comissões, colegiados e tribunais.
Os Juizes de Paz eram designados pela Coroa para os condados e administravam tais locais em nome do rei; o desenvolvimento provocou especialização e eles passaram a solucionar demandas de caráter civil e criminal. As estatísticas apontam o percentual de até 95% de causas criminais resolvidas pela Baixa Justiça.
Os juizes escolhidos entre pessoas do povo não são remunerados; podem ser assessorados por funcionários com conhecimentos jurídicos, mas não se obrigam a tomar decisões em conformidade com a orientação recebida.
Os Tribunais de Magistrados, (Magistrates Courts), compostos, na sua maioria, por Juizes de Paz, (Justices of the Peace), ocupam-se das causas criminais, além de algumas questões cíveis, tais como, direito de família, cobrança de dívidas relativas a impostos locais, licenças para funcionamento de algumas pequenas empresas. Questões complexas na área criminal são encaminhadas aos Juizes Distritais, “District Judges”. Os Tribunais de Menores, “Youth Courts”, formados por três juizes, incluindo um homem e uma mulher, julgam menores de 18 anos.
Nas cidades maiores, o Magistrado Remunerado, (Stipendiary Magistrate), selecionados entre advogados com mais de dez anos de carreira, substituem os Juizes de Paz e são indicados pelo Lorde Chanceler, em nome da Coroa.
Os Juizes de Direito são recrutados entre advogados que se destacam e que contam com um mínimo de sete a dez anos de carreira, apesar de a prática indicar a escolha de profissionais com vinte anos de experiência; não há concurso para a seleção. Poucos são os magistrados profissionais. A aposentadoria compulsória acontece para os juizes aos 75 anos, excluindo os membros da Câmara dos Lordes, porque vitalícios. Atualmente há dezesseis lordes com mais de 75 anos.
A petição inicial é padronizada e impressa para ser preenchida pela parte interessada. O ato que se segue, como no Brasil, é a citação pessoal do réu para contestar ou atender ao pedido do autor. A revelia implica em formação de título executivo judicial, não havendo necessidade de sentença. As altas despesas processuais, a carestia na contratação de advogado, os pesados honorários de sucumbência podem provocar, em muitos casos, a conclusão do processo sem manifestação da outra parte. Registram-se muitas demandas nas quais o autor ou o réu paga mais despesas processuais do que o próprio valor da reclamação. Não se tem previsão dos gastos de um processo, na Inglaterra, porquanto aumentam, na medida em que se pratica um ato processual. A instrução é inteiramente oral e o julgador define se é matéria de juízo coletivo ou singular. Nesta audiência há debates, depoimentos das partes, de testemunhas e apresentação de provas. Seguem-se as alegações finais orais, perguntas aos jurados e sentença.
O magistrado só interfere no processo após a contestação e, nas audiências, as provas são colhidas de conformidade com o interesse das partes, favorecendo, no caso, os mais fortes economicamente, porque cara a instrução do feito. Calculam-se em torno de 90% as causas cíveis resolvidas através da conciliação.
As sentenças proferidas pelos Tribunais de primeira instância poderão ser submetidas ao Tribunal de Apelação e excepcionalmente à Câmara dos Lordes.
Além de funções legislativas a Câmara dos Lordes, (House of Lordes) mantém poderes judiciais, por ser a mais alta Corte do Reino Unido; todavia, a jurisdição não é exercida por todos os seus integrantes, mas por um grupo com experiência legal, chamado de Lordes da Lei. As definições oferecidas por este colegiado constituem precedentes a serem obedecidos pelo Judiciário.
O Lorde Chanceler, que é ministro do governo, preside também a Câmara dos Lordes e outros órgãos judiciais, como a Associação dos Magistrados, Juizes de Paz, etc.
A Câmara dos Lordes é o Tribunal de última instância e julga menos de 100 processos por ano e as apelações cíveis não ultrapassam a 2.000.
A Alta Justiça é composta pelo Supremo Tribunal de Judicatura, (Supreme Court of Judicature), Corte mais importante do Judiciário, que conta com três subdivisões: o Alto Tribunal de Justiça, (High Court of Justice), formado por três seções: da Chancelaria, do Banco da Rainha e da Família; o Tribunal de Apelação, (Court of Appeal), órgão de segundo grau de jurisdição e o Tribunal da Coroa, (Crown Court).
O Alto Tribunal é composto por 75 juizes, escolhidos entre os advogados militantes do País. Este Tribunal é competente para julgar causas cíveis de maior complexidade.
O Tribunal de Apelação (Court of Appeal) e o Tribunal da Coroa (Crown Court), foram criados em 1971; o primeiro presidido pelo “Lord Chief Justice” conta com mais dezesseis juizes; as decisões são tomadas por três juizes e constituem precedentes para as jurisdições inferiores; a elaboração dos precedentes é incumbência exclusiva do Supremo Tribunal de Judicatura e da Câmara dos Lordes.
O Tribunal da Coroa, “Crown Court”, composto por um juiz e doze cidadãos que formam o júri, tem competência para apreciar processos criminais de natureza grave e, em fase recursal, examina decisões dos Tribunais de Magistrados, “Magistrates Courts”.
O direito do cidadão na Inglaterra origina-se do costume, dos precedentes jurídicos, (common law), das leis e das convenções. Não há controle constitucional nem hierarquia entre as leis, vez que inexiste diferença entre leis ordinárias e leis constitucionais; o Parlamento exerce as duas funções, ou seja, faz as leis ordinárias e as leis constitucionais, de conformidade com o mandato recebido pelo povo. O direito constitucional do País não é escrito, apesar de o Parlamento ter adotado, em 1998, o “Human Rights Act”, incorporando a Convenção Européia de Direitos Humanos ao direito inglês. As leis constitucionais mais importantes do país são: a Magna Carta, (1215), que limitou o poder da Coroa; o Bill of Rights, (1689), que concedeu maiores poderes ao Parlamento; a Reform Act, (1832), que reformou a representação política e o Human Rights Act, (2000), que conceituou os direitos fundamentais do cidadão.
São muitos os Tribunais especializados para julgamento de questões, tais como: imigração, fiscal, saúde mental, propriedade, segurança social, transporte, etc. Não se exige desses juizes conhecimentos jurídicos, mas da área onde irão atuar.
O cidadão inglês não tem o direito de reclamar, no Judiciário, contra a Coroa britânica, mas os juizes recebem e processam quaisquer demandas, que são devidamente cumpridas. Há consciência de direitos e deveres entre o cidadão inglês e a monarquia.
Na Inglaterra não existe a instituição do Ministério Público e a acusação é feita pelo Máster of the Crown Office. Por outro lado, o júri, apesar de Roma e Grécia reclamarem, apareceu primeiramente na Inglaterra. O Pequeno Júri (Petty Jury), competente para apreciação das provas e julgamento de crimes, é composto por 12 cidadãos.
O hábeas corpus, invenção inglesa, é figura jurídica pouco usada, porque as autoridades da Inglaterra e a influência popular são suficientes para inibir a prisão arbitrária.
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*Desembargador do TJ/BA
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