Dentre os inúmeros aspectos que podem ser elencados como desafios à aprovação de um plano de recuperação judicial, dois preponderantes são certamente: a) a assimetria informacional sobre as condições de recuperação da empresa existente entre os gestores/sócios da recuperanda e seus credores; b) a heterogeneidade existente dentro dos grupos homogêneos de credores divididos em classe por critério legal.
É com base nessas duas barreiras que, por vezes, chega-se a afirmar que “[a] empresa recuperável jamais recorrerá ao Judiciário em busca da recuperação judicial”. O objetivo de uma mensagem contundente como essa, naturalmente, não tem o objetivo de realizar uma crítica ao sistema legal em si, mas enfatizar a sua complexidade e a necessidade da atuação estratégica no seu emprego por uma empresa em crise.
Dentro desse espírito de ênfase no emprego do instituto é que se realiza a presente provocação, com o objetivo de demonstrar que a construção jurisprudencial da prorrogação do stay period ocorreu, na realidade brasileira, como uma forma de resposta do Judiciário na mitigação dos esforços necessários para a superação dos dois desafios acima mencionados. De outro lado, destaca-se que a lei 14.112/20 trouxe um ajuste teleológico ao tema, o qual deve ser observado por recuperandas e credores, de forma a permitir que essa alteração propicie os benefícios sociais pretendidos.
Nesse sentido, observa-se, inicialmente, que o legislador estabeleceu, em 2005, o prazo improrrogável de 180 dias de suspensão das ações e execuções, a contar do deferimento do processamento da recuperação judicial. Esse período teria como um dos objetivos “aliviar a pressão feita quanto a medidas dos credores, oferecendo ensejo à elaboração do plano”, em similaridade ao stay period do direito norte-americano.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que esse prazo de suspensão poderia ser prorrogado nas situações em que a demora para a deliberação sobre o plano de recuperação judicial não fosse uma decorrência de desídia do devedor. Com efeito, a relativização da improrrogabilidade ocorreu “porque na prática era comum vermos recuperandas de casos complexos que não tinham possibilidade de negociar com todos os credores dentro desse prazo.” Desse modo, prorrogar a suspensão até que ocorresse a aprovação e homologação do plano de recuperação judicial, ou mesmo a sua rejeição e convolação em falência, permitia que o stay period atingisse a sua finalidade. Ocorre que essa possibilidade de prorrogação construída pela jurisprudência trouxe consigo, como efeito colateral, uma situação de instabilidade para o sistema, uma vez que deixou de existir uma clara definição quanto ao seu termo final.
Essa indefinição, por sua vez, passou a integrar as estratégias de deliberação de devedores e credores. Por parte das recuperandas, nas hipóteses de ausência de segurança quanto à obtenção dos quóruns mínimos para a aprovação do plano de recuperação, firmou-se como alternativa a possibilidade do pedido de suspensão da Assembleia Geral de Credores (AGC) como uma salvaguarda para se evitar uma votação que poderia resultar na rejeição do plano. Por parte dos credores, por sua vez, essa mesma possibilidade de suspensão da AGC passa a ser vista como estratégia de obtenção de tempo para a negociação de melhores condições de pagamento. Em suma, o adiamento sucessivo da deliberação sobre o plano passa a ser a alternativa de interesse comum da recuperanda e credores, visando a) a superação da assimetria informacional, e b) o alinhamento dos interesses não convergentes entre credores homogêneos.
Há que se observar que o emprego dessa estratégia em si é mais do que adequado, pois efetivamente viabiliza a superação das dificuldades existentes para a aprovação do plano de recuperação judicial. O ponto de questionamento, contudo, está no seu emprego por tempo indefinido. Essa ausência de termo final para a suspensão das ações e execuções, que restou por se incorporar como elemento integrante à estratégia visando a aprovação do plano de recuperação, é que se desviou da principiologia orientadora da lei 11.101/05.
É dentro dessa perspectiva que a lei 14.112/20 apresenta um ajuste teleológico, ao estabelecer um termo para a suspensão, fixando-se que o prazo de 180 dias poderá ser prorrogado uma única vez, desde que o devedor não tenha concorrido com a superação desse prazo (§ 4º, do artigo 6º). Com efeito, “era necessário que ficasse estabelecida uma regra a respeito do stay para evitar grande alongamento do processo, em desrespeito ao princípio da celeridade processual. Agora as recuperandas terão que trabalhar com o período limite de 360 dias (180 dias renovados por mais 180 dias), tempo razoável para a conclusão de todas as negociações”.
Ao mesmo passo, a reforma legislativa traz outra inovação relevante, representada pela possibilidade de os credores apresentarem plano alternativo na hipótese de decurso do prazo de suspensão ou quando ocorrer a rejeição do plano apresentado pelo devedor, podendo, nessas hipóteses, estender-se o stay period para um período de até 570 dias (§ 4º, do art. 6º c/c inciso II, do § 4º-A, do artigo 6º).
Ambas as alterações legislativas podem ser vistas como inovações estruturais na lei 11.101/05 que enfrentam diretamente as barreiras de assimetria informacional e de heterogeneidade de interesses dos credores homogêneos. De um lado, a possibilidade de prorrogação do stay period, com definição clara sobre o seu termo, propícia à recuperanda o tempo necessário para a superação da assimetria informacional, e ao mesmo passo induz à transparência na apresentação de informações quanto à realidade da empresa, visando viabilizar a aprovação do plano de recuperação dentro dos prazos limite claramente definidos pela lei.
De outro lado, a materialização dos procedimentos para a apresentação de plano alternativo induz a organização de credores para a compreensão não somente da sua posição creditícia no plano, mas também quanto ao real potencial de superação da crise da atividade econômica vivido pela recuperanda, de forma a se avaliar a pertinência e viabilidade do plano apresentado ou, ainda, a opção pela apresentação de plano alternativo. Nessa segunda hipótese, em muitos casos, poderá se vislumbrar uma situação de dissociação entre o sucesso da empresa e do empresário sem que seja necessária a convolação em falência, uma vez que existe a previsão legal de possibilidade de retirada dos sócios da empresa recuperanda.
Nesse sentido, as inovações estruturais trazidas pela lei 14.112/20 quanto ao stay period e quanto à apresentação de plano alternativo propiciam otimismo em relação ao sucesso, ou mesmo (in)sucesso, das recuperações judiciais futuras, em consonância com o princípio da preservação da empresa dissociado do sucesso do empresário, em harmonia com a necessária celeridade processual.