No último dia 25 de maio, o mundo assistiu, perplexo, o homicídio do afro-americano George Floyd, na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos da América. Ali, vimos um cidadão sendo arrastado, sufocado e morto por aqueles que, revestidos de autoridade estatal, deveriam resguardar a incolumidade física do cidadão e não torná-lo vítima de um ato de barbárie. Ali, mais uma vez, foi colocado em xeque o ideário de Thomas Hobbes, segundo o qual "o Estado foi criado para assegurar a paz social e a defesa comum", devendo para tanto usar a força e os recursos de todos.
Por conseguinte, o Estado deve exercer seu poder em todos os setores da vida econômica e social de uma Nação. No entanto, o que se tem testemunhado, até em democracias consolidadas como a norte-americana, é a inversão dos papéis do ente estatal e da sociedade civil, fato que desafia a máxima aristotélica de que ele, o Estado, deve ser um organismo moral, superior ao indivíduo. Malgrado cada Nação adotar seu modelo de governo, com mais ou menos influência sobre a coletividade, o questionamento que emerge é: qual o modelo ideal de Estado para fazer frente aos anseios da sociedade?
Com raríssimas exceções, os modelos que se apresentam em nossa contemporaneidade todos em franco declínio. Da América à Europa, passando pela Ásia e América Latina, os entes políticos não conseguem implementar um arquétipo estatal não só eficiente, mas apto a assegurar a paz social tão conclamada por seus povos.
Volvendo ao Estado de Minnesota, o abuso de autoridade contra um cidadão resultou em desdobramentos nunca vistos nos Estados Unidos nos últimos anos. É fato que, nas últimas décadas, registraram-se casos de violência contra a população afro-americana, mas nunca antes se viu comportamento tão violento como este cometido por um policial. É fato também que episódios dessa ordem têm ocorrido, de forma recorrente, em todo mundo. Agentes públicos que se sentem superiores às normas, executores arbitrários de suas próprias razões, transformam-se em transgressores da lei.
Nessa moldura, ganha ênfase o questionamento violento da postura assumida por agentes do Estado. Desnuda-se a incapacidade de a modelagem estatal gerir atributos básicos conferidos pelas Constituições para assegurar harmonia e paz social, como segurança, saúde, educação, habitação, desenvolvimento econômico.
No Brasil, em particular, vive-se um processo de ruptura, sem precedentes, com os poderes em pé de guerra, o autoritarismo ameaçando se espraiar, o número de contaminados e mortos pela covid-19 galopando e os extremos do arco ideológico em pé de guerra na avenida-símbolo de São Paulo, a Avenida Paulista.
O que a sociedade clama, a esta altura, é que o Estado atue com respeito aos cidadãos, atendendo às suas necessidades básicas e puna, exemplarmente, os transgressores da lei. As mobilizações pedem, aqui e alhures, que os arautos da moralidade desçam do pedestal, cessem a desfaçatez e que os responsáveis nos EUA pela morte de George Floyd recebam a punição que merecem.
Por ironia do destino, um mundo inteiro de máscaras de proteção, acuado por um vírus que tem levado milhares ao óbito, ouviu as últimas palavras do agonizante George Floyd: "eu não consigo respirar". Esta é a verdade que não se pode esconder: o abuso de autoridade, a tirania, a insensatez dos governantes e a incompetência do Estado sufocam milhões m nosso planeta. Para tristeza geral, o respeito aos direitos humanos, desde há muito, não passa de artifício retórico.
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*Edson Faustino é advogado.