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De boas intenções, os contratos andam cheios

A boa-fé no Direito Contratual brasileiro vai além da formalidade, implicando deveres de conduta essenciais para as partes, conforme estabelecido pelo novo CC.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Atualizado em 18 de julho de 2024 14:37

O princípio da boa-fé no campo do Direito Contratual brasileiro é essencial e permeia as relações entre as partes. Esse princípio vai além de uma simples formalidade, implicando em deveres de conduta que vão além dos interesses individuais das partes em questão.

O professor Álvaro Villaça de Azevedo, ensina que o princípio da boa-fé "assegura o acolhimento do que é lícito e a repulsa ao ilícito", ou seja, aquele que contraria esse princípio pode responder no campo da responsabilidade civil, de acordo com o art. 187 do novo CC.

É fundamental compreender que os contratos são abrangentes e são instrumentos pelos quais as partes buscam alcançar objetivos econômicos e sociais específicos. Nesse contexto, a boa-fé não se limita apenas ao cumprimento formal das cláusulas contratuais, mas também abrange a busca pela realização desses objetivos. Esta premissa encontra respaldo no art. 113 do CC, que estabelece que os contratantes devem observar não apenas a literalidade da lei, mas também os fins sociais e econômicos do contrato.

O art. 422 do novo CC trouxe um destaque importante sobre esse princípio, afirmando que "os contratantes são obrigados a guardar, tanto na conclusão quanto na execução do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé". Isso significa que não se trata apenas de seguir o contrato de maneira literal, mas também de agir de acordo com deveres anexos, tais como o dever de cuidado; o dever de respeito; de informação; de lealdade; colaboração e equidade, que devem ser respeitados pelas partes em toda relação jurídica. A inobservância dos deveres anexos pode implicar em inadimplemento contratual.

Um exemplo desse entendimento pode ser observado no REsp 1.655.139 - DF (2015/0093630-4), sob relatoria da ministra Nancy Andrighi. onde se discutiu uma ação de indenização por danos materiais e compensação por dano moral. Este julgado trata-se de uma situação em que uma modelo que, por intermédio de uma agência, foi contratada para realizar um ensaio fotográfico, desfilar e participar de um coquetel de lançamento de uma campanha publicitária. No entanto, no dia do evento a modelo chegou atrasada e ficou menos tempo do que o estabelecido no contrato, não participando do desfile. Justificou, dez minutos antes por fax, que todo o ocorrido se deu por problemas de saúde.

O acordão concluiu que a agência e a modelo violaram o contrato, uma vez que tal conduta descumpriu os deveres de informação e lealdade na execução do contrato que, mesmo que não escritos, estavam vinculadas.

Podemos mencionar outro exemplo, bastante conhecido, que ilustra a violação da boa-fé objetiva, como o caso envolvendo um famoso cantor de pagode, em 2004.

Na ocasião, o cantor possuía um contrato publicitário com determinada cervejaria, pelo qual ele estrelava os comerciais da marca. No entanto, durante a vigência desse contrato, o cantor participou da campanha publicitária de outra cervejaria , cantando o trecho "Fui provar outro sabor, eu sei. Mas não largo meu amor, voltei".

Neste caso, entende-se que o cantor, ciente do seu compromisso com a primeira cervejaria, agiu de maneira contrária à boa-fé objetiva, tanto por aceitar a oferta, quanto por participar de uma campanha com potencial para prejudicar a imagem da companhia durante vigência do contrato firmado com a marca.

Ao adentrarmos no amplo mundo dos contratos, torna-se crucial lembrar que não basta simplesmente seguir as cláusulas, é necessário agir com integridade e ética, pois é a partir desses princípios que se constrói uma relação contratual sólida.

Tayná Santana de Faria

Tayná Santana de Faria

Advogada contratualista da Lee, Brock, Camargo Advogados e pós-graduanda em Direito dos contratos, execução contratual e responsabilidade civil.

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