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LC 160/17: STJ referenda a exclusão do crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL

A União tentou efetivar o argumento de que essa distinção importaria para fins de tributação pelo IRPJ e pela CSLL e, por essa razão, deveria ser analisada sob esse enfoque pelo STJ.

25/7/2019

Recentemente, é alvo de debates nos Tribunais Superiores a não inclusão nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL do crédito presumido de ICMS, usualmente concedido às empresas pelos Estados e pelo Distrito Federal mediante o preenchimento de determinados requisitos legais.

A concessão de crédito presumido de ICMS é uma prerrogativa constitucional do Estado e do Distrito Federal (art. 24, 150, §6º) e pode ser realizada com finalidades distintas, tanto para promover o desenvolvimento socioeconômico de determinada região, atraindo as empresas para que ali transfiram as suas instalações, ou, ainda, como forma de estímulo de determinado setor ou atividade.

Por essa razão, é possível afirmarmos que o crédito presumido de ICMS é uma espécie de incentivo fiscal concedido pelo Ente Público para, de um lado, conferir determinada benesse aos contribuintes, mediante a renúncia do direito ao recebimento de determinado tributo (o que é permitido também pelo art. 14 da LC 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal – “LRF”) e, de outra parte, alcançar a finalidade pretendida (seja ela de desenvolvimento econômico, regional, setorial).

A nosso ver, os referidos incentivos são instrumentos extrafiscais à disposição dos Entes Federativos para que, dentro de sua competência tributária, possam estimular ou desestimular a prática de certas condutas por parte dos contribuintes, bem como de atingir alguns objetivos constitucionais, como a redução das desigualdades regionais, a captação de investimentos para promover a atividade econômica em determinada região, dentre outros.

É, sem qualquer dúvida, um instrumento eficaz e legítimo para garantir a organização interna dos entes da Federação, bem como para se atingir os próprios objetivos almejados pela CF/88, em seus artigos 3º, incisos II e III, e 170, CF/88.

Contudo, em que pese se tratar de uma prerrogativa do próprio Estado e do Distrito Federal, que caracteriza na renúncia de sua própria receita, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (“SRFB”) vem se posicionando favoravelmente à tributação desses valores por parte do IRPJ e da CSLL (cf. Parecer Normativo CST 112/1978, Solução de Consulta COSIT 438/2017, da RFB).

Isso porque, no entendimento da SRFB, a concessão do crédito presumido de ICMS ao contribuinte caracteriza uma redução da carga tributária, a qual, indiretamente, acarreta no aumento do lucro da pessoa jurídica e, como tal, seria passível de tributação pelos referidos tributos.

Esse posicionamento, felizmente, foi rechaçado pela 1ª seção do STJ, quando do julgamento dos EREsp 1.517.492/PR, de relatoria da ministra Regina Helena Costa, tendo sido reconhecida a impossibilidade de incidência do IRPJ e da CSLL sobre o crédito presumido de ICMS, sob o principal fundamento de violação ao pacto federativo (art. 150, VI, “a”, da CF/88), cláusula pétrea constitucional (art. 60, §4º, I).

Em síntese, a 1ª seção do STJ entendeu que a pretensão da União acaba, por via oblíqua, esvaziando ou reduzindo os efeitos do incentivo fiscal que é concedido pelo Estado ou pelo Distrito Federal, invadindo a competência outorgada a este Ente por meio do exercício de sua própria competência (competência federal) e tributando receita que originariamente não lhe pertence.

No posicionamento consolidado pela Corte Superior, o crédito presumido de ICMS não pode ser incluído nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, quer porque essa pretensão da União acarreta na invasão da competência constitucional outorgada ao Estado e ao Distrito Federal para a concessão de incentivos fiscais, quer porque, ao entender que o incentivo fiscal é verdadeira renúncia de receita dos referidos Entes, esses valores não podem ser considerados como lucro da pessoa jurídica.

Nada mais acertado. Se foi conferido aos Estados e ao Distrito Federal o direito constitucional de conceder incentivos fiscais, não há dúvidas de que apenas esses Entes têm o poder constitucionalmente assegurado de revogar/reduzir os benefícios já concedidos, bem como de renunciar à receita que poderia auferir caso não os instituísse, sendo vedada a interferência de qualquer outro ente da Federação, como a União. É dizer, a União não pode tributar receita objeto de renúncia por outros Entes Federados, invadindo a competência que lhes foi outorgada constitucionalmente sem fazer ruir a unidade federativa.

A discussão, contudo, novamente ganhou destaque no STJ com a edição da LC 160/17, como uma tentativa fazendária de reverter o entendimento favorável aos contribuintes.

Referida LC, como é cediço, se propôs a regular os incentivos fiscais concedidos em âmbito estadual para controlar a guerra fiscal entre os Entes da Federação – tratou de qualificar todos os incentivos fiscais de ICMS concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal como sendo subvenção para investimento. Caso o incentivo fiscal seja enquadrado nesta categoria e, desde que preenchidos determinados requisitos legais, não deveria ser incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Do contrário, se for enquadrado na categoria subvenção para custeio deveria ser alcançado pela tributação dos referidos tributos.

Diante disso, a União tentou efetivar o argumento de que essa distinção importaria para fins de tributação pelo IRPJ e pela CSLL e, por essa razão, deveria ser analisada sob esse enfoque pelo STJ.

Contudo, diversamente do cenário contábil, para fins tributários o tema subvenção assume feição um pouco distinta. Isso porque, os tributos são considerados uma fonte de receita, de modo que suas reduções (como por exemplo, por meio da concessão de benefícios ou incentivos fiscais tributários) implicam em renúncia de receita por parte do Ente tributante (art. 14, da LRF) sendo irrelevante a classificação contábil que lhe é conferida (se de subvenção de investimento ou de custeio).

Diante da provocação fazendária, portanto, o tema foi enfrentado pelo STJ (mais recentemente no REsp 1.605.245/RS, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques), que, de forma acertada, mesmo após a edição da LC 160/17, referendou o entendimento já esposado nos autos do EREsp 1.517.492/PR, no sentido de que é indiferente o enquadramento contábil conferido ao incentivo fiscal, já que não é possível ser superado o óbice constitucional relacionado à referida tributação, qual seja, a violação ao pacto federativo.

Assim, em que pese a existência de outros recursos pendentes de julgamento no STJ (e.g., AgInt no REsp 1.788.393/SC), com idêntico conteúdo, quer nos parecer que nenhum deles terá o condão de alterar o entendimento da Corte Superior de que não é possível a tributação do crédito presumido de ICMS – ou quaisquer outras modalidades de incentivos fiscais - pelo IRPJ e pela CSLL sem que essa pretensão configure invasão por parte da União da competência constitucionalmente outorgada aos Estados e ao Distrito Federal.

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*Bruna Dias Miguel é advogada no Machado Meyer Advogados.

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*Luciana Krabbe Vignati é advogada no Machado Meyer Advogados.

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