Migalhas de Peso

Inadimplência de ICMS e prisão: opostos que não se atraem!

Cabe salientar que o ICMS é um tributo que incide sob a égide do princípio da não cumulatividade, é dizer, não é um tributo incidente de forma cumulativa na cadeia existente já que uma vez destacado na nota fiscal, incidirá em uma única operação.

7/12/2018

A recente decisão do STJ no HC 399.109 sobre a possibilidade de criminalizar a conduta da inadimplência de ICMS já está desde o dia 5/10/18 no STF para ter uma definição constitucional. Dizemos isso porque o STF é a última "trincheira" e vivenciaremos a "batalha" do trabalhador x bandido ou do direito de declarar um tributo sem pagá-lo e manter a empresa em funcionamento versus a gana insaciável de um Estado corrupto que tenta colocar todos empresários devedores na cadeia. Um equívoco!

O país continua vivenciando a pior crise política e econômica de sua existência como já sabemos – mensalão, lava-jato, quebras de empresas, aumento dos pedidos de recuperação judicial – falência e índice de desemprego recorde de acordo com o IBGE (13,7 milhões de pessoas em nov. 2018).

A conduta criminalizada pelo STJ da falta de pagamento de tributo declarado é uma inversão de valores na sociedade ao condenarmos o empresário que está praticamente de "portas fechadas e mãos atadas", ao passo que o bandido está solto na rua.

Objetivamente, é como se aplaudíssemos os bandidos não presos e condenássemos os trabalhadores que estão passando por uma turbulência político-econômica e estes devem ocupar o lugar dos verdadeiros criminosos na cadeia nos próximos dias. Impossível de se imaginar!

O empresário não é criminoso, tampouco bandido ou equiparado, pelo contrário, é o representante ou sócio da pessoa jurídica (empresa) que passa por problemas financeiros e muitas vezes deve optar por pagamento de funcionários e continuidade do negócio ao invés de recolher tributo à um Estado corrupto. Aliás, essa é a verdadeira visão do empresário que corriqueiramente diz: "eu não pagarei imposto para bandido que afunda o país (confusão do Estado com políticos) – vou tentar manter a minha empresa e as pessoas que dependem dela ao invés de pagar ladrão". Essa é a realidade!

Não estamos aqui a declarar que o tributo não deve ser pago, pelo contrário, um Estado bem organizado também depende de uma manutenção via pagamento de tributos, todavia, a crise atual demonstra que a "quebradeira" do país não é ocasionada pela falta de pagamento de tributo, senão pela corrupção que está "matando e sugando" o país.

Nesse contexto, é importante conscientizar o empresário para a retomada dos pagamentos para a mantença do Estado e em paralelo a isso um plano que venha simplificar, tornar transparente o sistema e tornar menos onerosa a excessiva carga tributária que assola o país.

A economia precisa crescer e sabemos que negócios ativos geram caixa para o governo, todavia, a crescente carga tributária faz com que o empresário crie um sentimento constante de não contribuir para o Estado. E caso ele não contribua será preso? A resposta é desenganadamente negativa! Ou deveria ser.

Nessa linha de pensamento devemos sempre salientar que o STF já reconheceu através de um recurso com repercussão geral (ARE 999.425) que os crimes contra a ordem tributária necessitam de condutas com dolo para a configuração de crime e não o mero inadimplemento. A conduta de deixar de recolher não é crime segundo o próprio STF.

Não obstante, o crime deve ser devidamente tipificado sob pena de não termos a subsunção da norma ao fato, ou seja, a conduta não seria amparada pela lei penal no caso de inadimplemento, logo, não é crime declarar ICMS e não pagar, salvo a hipótese já prevista em lei da apropriação indébita previdenciária.

Ainda, nesse norte de amparo ao empresário, os sócios sequer poderão se responsabilizar pelas dívidas da empresa por mero inadimplemento de acordo com a própria jurisprudência do STJ formalizada na súmula 430, senão: "O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente."

O tema não para por aí, pois a Constituição impede que a pessoa seja presa por dívida de acordo com o art. 5º, inciso LXVII e o pacto de São José da Costa Rica cujo Brasil é signatário também assim o faz.

Além disso, o próprio fisco possui meios legais para a cobrança da dívida fiscal através da execução fiscal e o STF já se manifestou que é proibido o Estado se utilizar de meios coercitivos para obrigar o contribuinte a pagar a dívida fiscal, conforme ADIn 173 da relatoria do ministro Joaquim Barbosa, bem como, súmulas 70, 323 e 547 – todas do STF.

E a prisão não seria coerção? Por suposto que sim! Daqui a pouco o STJ entenderá que o contribuinte poderá pagar as competências dos últimos 3 meses do ICMS devido e estará livre, assim como ocorre na pensão por dívida alimentícia?

Enfim, estamos reconstruindo um país pós ou mesmo durante a maior crise de corrupção mundial e penalizar o empresário não é a melhor saída, pelo contrário, estaremos indo de encontro com uma das "rodas" da economia que é o empreendedorismo.

Contudo, tecnicamente, cabe salientar que o ICMS é um tributo que incide sob a égide do princípio da não cumulatividade, é dizer, não é um tributo incidente de forma cumulativa na cadeia existente já que uma vez destacado na nota fiscal, incidirá em uma única operação. O destinatário da nota fiscal não sendo o contribuinte do imposto não pode responder por uma obrigação inexistente na legislação, muito menos, travesti-lo de contribuinte quando não o é!

Por fim, o ICMS destacado em nota fiscal, não é o ICMS devido pelo contribuinte e supostamente descontado do adquirente, pelo contrário, o contribuinte através de apuração do ICMS (próprio) fará o encontro de contas para saber se é credor ou devedor aos cofres públicos e por uma lógica direcionada à dívida ou crédito não justifica um mandado de prisão quando um dia o contribuinte será devedor e outro dia credor – pediremos prisão do Estado? Essa é uma lógica equivocada e tais premissas deixam claras que inadimplência e prisão são dois opostos que não se atraem.

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*Artur Ricardo Ratc é advogado tributarista no Brasil e União Europeia, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais.

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