O decreto 5.687, de 31 de janeiro de 2006, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003, dispõe sobre a necessidade de os Estados Partes instituírem um programa de gestão pública para assuntos que digam respeito a temas como: bens públicos, integridade, transparência e prestação de contas. No mesmo diploma há disposição expressa acerca da implementação de códigos de conduta para servidores públicos, com o objetivo de combater preventivamente a corrupção, através do desenvolvimento institucional de princípios relacionados à integridade, à honestidade e à responsabilidade do agente estatal.
O decreto federal 9.203, de 22 de novembro de 2017, vem de traçar um conjunto de mecanismos de estratégia e controle destinado a direcionar e monitorar a gestão pública com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade, calcado na capacidade de resposta das organizações, na integridade, na confiabilidade, na melhoria regulatória, na prestação de contas, na responsabilidade e na transparência.
Desde a edição do decreto-lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, o qual dispõe sobre a organização da administração federal, estabeleceram-se os princípios fundamentais a esta aplicáveis, que são: planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle.
Veja-se que não há déficit de normatização sobre o dever de boa administração e combate à corrupção, pois, há mais de cinquenta anos, desde o decreto-lei 200/67 busca-se orientar a administração pública brasileira sobre princípios e eixos basilares de avaliação e monitoramento da ação governamental.
Mas o desafio, sublinhe-se, é não deixar com que essas normas sejam utilizadas apenas para justificar fins burocráticos, mas que venham acompanhadas de um esforço físico, intelectual e moral que possa imprimir efetividade ao princípio da eficiência, ao combate à corrupção e à busca de resultados para a administração pública.
Mecanismos e procedimentos internos de integridade, aplicação efetiva de diretrizes nas contratações públicas, responsabilidade e transparência colocados em prática no âmbito da organização pública, qualquer que seja o objeto de sua finalidade institucional, traduzem-se no direito fundamental à boa administração e na efetividade da governança pública preconizada pelo decreto 9.203/17.
No âmbito da governança de organizações destacam-se algumas medidas aptas a contribuir para o alcance desse fim, quais sejam:
a) prestação de atividades finalísticas exclusivamente por pessoas selecionadas por meio de concurso público;
b) vedação à prática do desvio de função e possível tipificação como usurpação de função pública;
c) identificação de potenciais agentes públicos vocacionados ao exercício de funções e cargos de direção e chefia pelo mapeamento das competências existentes na organização;
d) modelo de recrutamento de funções de confiança e cargos em comissão em perfis de competências, baseados no exame da qualificação técnica, experiência, comprometimento, habilidade para motivar, integridade, disposição para compartilhar e iniciativa;
g) gestão compartilhada;
h) avaliação periódica dos grupos, por meio de indicadores de avaliação do cumprimento de metas individuais, associadas a metas institucionais, de modo a desenvolver cultura orientada a resultados; e
i) terceirização de atividades de apoio e responsabilização de agentes públicos pela prática do nepotismo nessas contratações.
No âmbito dos processos de contratação da administração pública, somam-se as medidas que seguem:
a) segregação de funções nos setores e departamentos encarregados de gerir esses processos;
b) elaboração de rotinas que visem a dar ordem e forma aos procedimentos que conduzem ao contrato;
c) limitação de preços nas contratações públicas;
d) capacitação periódica dos agentes envolvidos nesses processos;
e) rodízio de funções entre os agentes que desempenham atividades nos setores de licitações e contratos;
f) regime jurídico de licitação e moldura regulamentar de procedimento únicos, no âmbito de todos os Poderes das três esferas da federação, proporcionando atuação uniforme dos agentes públicos e, também, padronização de propostas a cargo de licitantes e contratados;
g) processamento da licitação no formato eletrônico;
h) registro da atuação do contratado no cumprimento das obrigações assumidas;
i) padronização de entendimentos jurídicos;
j) compartilhamento e uniformização das ações de assessoramento jurídico e de controle, interno e externo;
k) segurança jurídica fundada na estabilidade de precedentes; e
l) transparência de dados.
Eis alguns caminhos inexoráveis e passíveis de implementação, sob pena de prosseguirmos a oferecer respostas insuficientes no combate à corrupção e no enfrentamento do mau uso de recursos públicos e da ineficiência administrativa.
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*Marinês Restelatto Dotti é advogada da União.