Os seis anos de vigência da lei federal 12.527/12, ou lei de acesso à informação, trazem pouco a se comemorar quanto a um de seus aspectos mais importantes, a transparência ativa. O dever de publicidade mediante divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações, especialmente pelo meio eletrônico, ainda é uma meta muito mal orquestrada, que carece de resultados minimamente satisfatórios.
Basta verificar os "portais da transparência" da União, dos estados, dos municípios, além das respectivas autarquias e fundações. As dificuldades saltam aos olhos. Como regra, os sites não possuem padronização, são de péssima diagramação e pouca intuitividade; inexiste disponibilidade completa e atualizada de dados obrigatórios; os mecanismos de pesquisa são pouco eficientes; e, dificilmente, é possível baixar informações em formato editável.
Tanto mais obscuros são os repasses ao terceiro setor. Conquanto este importante braço da sociedade civil organizada atue, progressivamente, na execução direta das atividades de interesse público, o momento seguinte aos repasses orçamentários permanece, em grande parte, um mistério. Quando muito, o órgão estatal repassador publica um emaranhado de documentos denominado “prestação de contas” cujo conteúdo está longe de ser o que se pretende.
Para aferir o grau de barreiras, bastaria submeter os dados à análise de um grupo que represente a média da população brasileira. Essas pessoas conseguiriam dizer se a entidade gastou bem o dinheiro? Saberiam se os valores são compatíveis com o mercado? Em geral, nem profissionais que atuam na fiscalização conseguem responder a tais perguntas com médio grau de certeza.
Transparência não é uma obrigação técnico-profissional. Trata-se de uma ferramenta que viabiliza a participação social e legitima a atividade pública desenvolvida por particulares. A linguagem utilizada tem de permitir o entendimento, o diálogo e a confiança. Não há presunção favorável àquele que foge da claridade. Esse é um dos pontos em que mais tenho insistido no exercício do controle externo, a fim de que se evolua na demonstração dos gastos. A resistência à formação dessa cultura, contudo, é concreta.
Amparadas por interpretações rasas de normas diversas, parcela significante de entidades sem fins lucrativos confluem para o mesmo argumento quando questionadas sobre o cumprimento da LAI. Dizem que a lei só obriga o ente público repassador. Pela tese dessa parcela recalcitrante do terceiro setor, a transparência se faz obrigatória apenas a partir da entrega dos documentos de sua prestação de contas à administração pública.
Mas não é bem assim. Segundo o art. 2º da LAI, os dispositivos da norma serão aplicados, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos quanto às atividades realizadas mediante repasse. O parágrafo único do mesmo artigo não deixa dúvida de que a expressão "no que couber" abrange, no mínimo, à obrigatoriedade de dar publicidade ativa da "parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas". São duas obrigações distintas: a prestação de contas, conforme o art. 70, parágrafo único, da CR/88, e o cumprimento da LAI, que também tem raízes constitucionais, fincadas em princípio. Em São Paulo, a demanda é explicitada ainda pelo art. 1º do decreto estadual 58.052/12, que regulamenta a norma.
No contexto da Reforma Administrativa do Estado, instituída no Brasil desde 1995, o conceito de interesse público está cada vez mais atrelado à realização dos direitos e garantias fundamentais individuais e difusos. Por esse prisma, especialmente com relação às políticas públicas e programas de caráter social, é desejável que o Estado se dedique ao planejamento, financiamento, monitoramento e avaliação de resultados, ao passo que a execução deve situar-se preferencialmente no seio da sociedade organizada.
É aonde entra o terceiro setor, que, embora tenha natureza privada, é público quanto aos interesses e objetivos que desempenha. Não sem razão, as entidades a ele vinculadas passaram a ser conceituadas como públicas não estatais.
Essa abertura da atividade de interesse coletivo financiada pelo Estado obedece ao princípio da subsidiariedade horizontal, cujo preceito estabelece que só deve ser estatal o que não puder ser executado e controlado pela sociedade. A exclusividade do Estado estaria vinculada a setores estratégicos, que exigem tratamento político-burocrático, ou emprego do aparelho coercitivo, como no caso da segurança pública.
O mesmo princípio alcança as normas que regulam tais atividades. Assim, ao valer-se de expressões como "órgãos e entidades do poder público", a LAI está se referindo àqueles que, por atribuição clássica, de fundo constitucional, têm a obrigação do desempenho da atividade pública. Tais menções, portanto, abarcam igualmente entidades do terceiro setor financiadas pelo erário. Não há fundamento para interpretação oposta e que seja coerente com o Estado Democrático de Direito.
Também é patente que a aplicação da LAI independe de regulamentação por cada ente federativo, uma vez que a norma possui eficácia plena e suficiente para ser cumprida por seus destinatários. Atos normativos regulamentares poderiam detalhar procedimentos ou ampliar o rol de exigências rumo à maior transparência, mas sem jamais limitar o alcance da lei nacional.
Esse panorama parece relegado no processo de concretização da LAI, que, de modo geral, ainda engatinha. O volume de recursos públicos repassados ao terceiro setor e os aspectos legais que podem implicar disso –desde nepotismo, favorecimento de terceiros prestadores de serviços, ou mesmo desvio de finalidade e prejuízo ao erário– não podem passar à sombra em mais um aniversário. É preciso que a transparência irradie com qualidade, sem sumidouros.
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