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O cancelamento unilateral do contrato empresarial pela operadora na visão do Poder Judiciário

Com relação aos contratos de planos de saúde, a lei 9.656/98 proíbe expressamente a resilição unilateral, pela operadora, dos contratos individuais e familiares, salvo em casos de inadimplência ou fraude cometida pelo consumidor, mas é omissa quanto à resilição unilateral dos contratos empresariais.

11/1/2017

A extinção de um contrato por fato posterior à sua celebração é chamada de rescisão contratual. A rescisão, que é um gênero, possui duas espécies: a) a resolução, que consiste na extinção de um contrato por descumprimento de uma das partes; e b) a resilição, quando a extinção do contrato se dá por vontade das partes, que pode ser unilateral ou bilateral.

Com relação aos contratos de planos de saúde, a lei 9.656/98 proíbe expressamente a resilição unilateral, pela operadora, dos contratos individuais e familiares, salvo em casos de inadimplência ou fraude cometida pelo consumidor1, mas é omissa quanto à resilição unilateral dos contratos empresariais.

Por entender que a lei de planos de saúde não proíbe a resilição unilateral dos contratos empresariais pela operadora, a ANS, por meio da RN 195/09, regulamentou a matéria da seguinte maneira:

a) as condições de rescisão devem estar previstas no contrato;

b) a rescisão só pode ser dar, por qualquer das partes, após 12 meses do início do contrato;

c) deve ser feita notificação prévia à outra parte com antecedência mínima de 60 dias2.

Todavia, a resilição unilateral de contrato coletivo de planos de saúde é frequentemente questionada judicialmente tanto pelas empresas contratantes como pelos beneficiários individualmente, sob a alegação de caracterizar-se prática que impõe desvantagem excessivamente onerosa para o consumidor e contraria o princípio da boa-fé e equidade contratual, o que é vedado pelo CDC (art. 51, IV, §1º, III).

No Estado de SP, o Judiciário reconheceu, em diversas decisões, a ilegalidade da resilição unilateral do contrato empresarial, pela operadora, como é possível observar nas decisões a seguir transcritas:

Fundamenta a ré que a prestação dos serviços se tornou inviável, pois a despesas passaram a superar a arrecadação, motivo pelo qual sugeriu a adoção de algumas medidas, não aceitas pela empresa estipulante.

Contudo, as exigências deduzidas na notificação de fls. 31/33 são abusivas, seja porque o reajuste e o aporte financeiro impostos são excessivos, seja porque é inadmissível que a ré transfira aos consumidores os riscos do negócio, sob pena de colocá-los em desvantagem excessiva, prática vedada pelo artigo 39, incisos V, do CDC.

Se os planos permaneceram por muito tempo sem qualquer aumento, foi por culpa exclusiva da ré, que deixou de aplicar os reajustes anuais e por mudança de faixa etária, apesar de admitidos pelo ordenamento jurídico.
Mesmo que assim não fosse, verifica-se que a ré não produziu qualquer prova da alegada alta sinistralidade ou de eventual desequilíbrio econômico-financeiro que justificasse sua conduta.

No tocante à pretendida transferência dos usuários do plano Executivo Plus para o Executivo, desnecessário discorrer acerca da ilicitude da exigência, por ser absurda a hipótese de impor ao usuário de plano de saúde a migração compulsória para benefício de qualidade inferior.

Sustenta a ré, ainda, que à época dos fatos a empresa estipulante encontrava-se inadimplente em relação a algumas mensalidades, o que também permitiria a rescisão unilateral, independentemente de aviso prévio.

Entretanto, este egrégio Tribunal de Justiça se posicionou a favor da interpretação extensiva ao artigo 13, parágrafo único, da lei 9.656/98, para considerá-lo aplicável também aos planos coletivos. Acórdão da Apelação 0182192-09.2011.8.26.0100

Frise-se que não se trata de obrigar a ré a manter-se vinculada ao contrato "ad perpetuam", ou de se violar a liberdade de contratação, mas sim de impedir o cometimento de abusos ou a estipulação de regras que coloquem os beneficiários em desvantagem excessiva.

A despeito de a saúde ser dever do Estado, cumpre asseverar que, ao operar com o sistema de saúde, a ré assumiu o dever de garantir o direito fundamental à vida, devendo se sujeitar às normas imperativas referentes à atividade. Não obstante buscarem lucros, assumem as operadoras privadas parcela da responsabilidade constitucional de promoção da saúde. Acórdão da Apelação 0235373-93.2009.8.26.0002

Dessa forma, é possível observar que o Poder Judiciário tem garantido aos beneficiários de contratos de planos de saúde coletivos empresariais a mesma proteção concedida aos consumidores de planos individuais e familiares, permitindo à operadora rescindir um contrato apenas quando houver justo motivo, como inadimplência ou fraude cometida pelo consumidor.

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*Rafael Robba é advogado, especialista em direito à saúde, no escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados.

 

 

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