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A mecânica do federalismo

Na visão de Aristóteles o homem era um “animal político”. Partindo dessa premissa é possível construir teorias e idéias capazes de decifrar o comportamento do homem em sociedade, uma vez que no âmbito das relações sociais as atitudes se apresentam de forma absolutamente complexas

23/5/2006

 

A mecânica do federalismo

 

Adalberto Pimentel Diniz de Souza*

 

1. Introdução

 

Na visão de Aristóteles o homem era um “animal político”. Partindo dessa premissa é possível construir teorias e idéias capazes de decifrar o comportamento do homem em sociedade, uma vez que no âmbito das relações sociais as atitudes se apresentam de forma absolutamente complexas.

 

As Ciências Sociais procuram explicar e buscar soluções para a convivência humana, que exige a imposição de regras comportamentais, as quais possibilitam a pacificação entre os seres para o alcance do bem comum.

 

O papel do Direito é fixar limites, estabelecer regras, distinções e mecanismos capazes de estruturar fórmulas que proporcionem aos que vivem em sociedade maneiras eficazes de organização e relacionamento mútuo.

 

E na História são encontrados os subsídios para o estudo dos fenômenos sociais que ocorreram para a formação do mundo como se apresenta atualmente.

 

Vale dizer: a origem do Federalismo é absolutamente perceptível no Estado Romano. Os exércitos romanos conquistavam novos territórios e ao grupo de pessoas que neles viviam impunham uma nova ordem jurídica, subordinada a Roma.

 

A palavra federação é originária do latim foedus, que quer dizer aliança, pacto, tratado. Assim, não é difícil afirmar que a federação é o resultado da união, da aliança entre Estados, membros de um todo.

 

Somente com a primeira Constituição dos estados Unidos da América, em 1787, foi criado o Federalismo, fruto dos anseios populares de valorização da liberdade como grande virtude, própria das idéias revolucionárias dos Iluministas.

 

Desta forma, o primeiro Estado Federal foi o americano. Na época, inúmeras argumentações a favor do Federalismo foram expostas por Hamilton, Madison e Jay, no célebre “The Federalist”, em favor da ratificação da Constituição de 1787 (criadora do Estado Federal), dentre as quais a necessidade de separação dos poderes em legislativo, administrativo e judiciário, bem como a necessidade de dividir os poderes entre o governo federal e os governos estaduais, tudo para que os Estados se unissem para a consecução de objetivos comuns, a exemplo da somatória de forças contra ameaças externas e contra os problemas políticos, administrativos e econômicos internos.

 

O Estado Federal surgiu, na verdade, em repugnância ao Absolutismo, regime centralizador do poder, que além de opressor representava a corrupção, limitação de direitos, desigualdades sociais absurdas, desmandos, injustiças entre muitas outras facetas que submetiam o povo a uma situação deplorável e ao jugo de insanos.

 

Com a noção de Federalismo surgiu a idéia de descentralização e limitação do poder, que permite uma maior proximidade do governo com a população, seus problemas e necessidades, sem prejuízo do estabelecimento da liberdade, fator preponderante para a busca de uma nova concepção de forma de Estado.

 

Conforme apontou Bernard Schwartz, o federalismo nos Estados Unidos da América comporta as seguintes características: “(i) como em todas as federações, a união de um número de entidades políticas autônomas (os estados) para fins comuns; (ii) a divisão dos poderes legislativos entre o Governo nacional e os estados constituintes, divisão esta governada pela regra de que o primeiro é um ‘governo de poderes enumerados’, enquanto os últimos são governos de ‘poderes residuais’; (iii) a atuação direta, na maior parte, de cada um destes centros de governo, dentro de sua esfera designada, sobre todas as pessoas e todas as propriedades existentes dentro de seus limites territoriais, (iv) o aparelhamento de cada centro com o complexo mecanismo de imposição da Lei, tanto executivo quanto judiciário; e (v) a supremacia do Governo nacional, dentro de sua esfera designada, sobre qualquer informação conflitante de poder estadual”.1

 

Sem dúvida, as características acima descritas são capazes de delinear o perfil do que seja o federalismo, ao menos teoricamente. É uma forma de Estado que visa conciliar esforços, prerrogativas, competência e poder entre a União e os Estados.

 

Conceituar o federalismo não é tarefa das mais fáceis, até porque não existe um conceito universal do que seja federalismo. Mas é possível afirmar que se trata de uma forma de organização do Estado em que o poder é exercido em dois planos, o primeiro é exercido pela União soberana, e o segundo pelos Estados autônomos.

 

Note-se, por oportuno, que federalismo e federação são institutos distintos. O primeiro é fruto da teoria, do mundo de valores, já o segundo nada mais é que aplicação concreta daquele.

 

Estudar o federalismo exige que se faça distinções e sejam traçados perfis deste tipo de Estado, até porque, após a criação do federalismo em 1787, várias outras adaptações do federalismo foram adotadas por muitos outros países de realidades diversas, dentre os quais o Brasil.  

 

2. História do Federalismo: nos Estados Unidos e no Brasil

 

 

Inicialmente, vale lembrar que as terras estadunidenses foram colonizadas e dividas em treze colônias pelos ingleses. Em razão da colonização, a Grã-Bretanha, por óbvio, deteve a condição de Metrópole. Com o decorrer do tempo, paulatinamente, surgia nos habitantes das treze colônias a intenção de se livrar das imposições Britânicas, criando Estados independentes, capazes de decidir sobre seus próprios interesses. Assim, em 1776 as colônias firmaram a Declaração de Independência que originou em 1781 o tratado conhecido como Artigos de Confederação.

 

Estes Artigos de Confederação deram origem aos Estados Unidos Reunidos em Congresso, órgão pela qual as antigas treze colônias (agora como Estados participantes de uma confederação) tomavam decisões a respeito de interesses comuns, como por exemplo a adoção de medidas de defesa contra ataques externos, tendo em vista a constante ameaça representada pela Grã-Bretanha.

 

As antigas colônias passaram a ser Estados independentes, dotados de autonomia e soberania. Mas este objetivo alcançado, ao mesmo tempo que representava uma conquista, também expressava um problema a ser resolvido, qual seja: em razão da soberania, seria perfeitamente possível ao Estado retirar-se da Confederação, o que ensejaria um enfraquecimento de poder e força.

 

Como solução a este quadro, representantes dos Estados participantes da Confederação reuniram-se na Convenção de Filadélfia, em 1787, com a ausência apenas do representante de Rhode Island. Naquela reunião ficou estabelecido que a solução seria a adoção da forma federativa de Estado. Criou-se o Estado Federal com a Constituição elaborada por Washington, Franklin, Madison e Hamilton (os pais da pátria norte-americana), inspirados nos ideais iluministas que norteavam os pensamentos contemporâneos da época. “Essa arquitetura político-jurídica do federalismo só é um modelo de excelência porque seus notáveis autores souberam interpretar e modelar um governo essencialmente humano”.2

 

E da inicial forma federativa de Estado surgiu o que chamamos hoje de Democratas e Republicanos (os grandes partidos políticos dos Estados Unidos da América), em que os primeiros defendiam ampla liberdade aos Estados membros, já os segundos, um governo forte e centralizador.

 

Não se pode deixar de fazer referência à Guerra de Secessão (1861-1865) havida entre os Estados do Norte e do Sul, em que os pontos de conflitos giravam em torno de problemas relativos à escravatura e à autonomia dos Estados membros. E com o fim da guerra, com a derrota dos sulistas, restaurou-se a federação e foi abolida a escravatura, preservando-se uma marcante característica autonomista entre os Estados.

 

Esta autonomia ainda hoje é marcante naquele país. A União possui competência legislativa limitada, e os Estados membros possuem ampla competência legislativa; o que não deixa de representar o forte sentimento de muitos que chegam a propugnar pela completa independência perante a União.

 

 Sobre os fortes sentimentos autonomistas que permeiam os Estados membros já dispôs a Corte Suprema dos Estados Unidos em 1868: “a perpetuidade e a indissolubilidade da União, de modo algum implica a perda da existência distinta e individual ou do direito de auto governo pelos estados... Sob a Constituição, embora os poderes dos estados fossem muito restritos, ainda assim todos os poderes não delegados aos Estados Unidos nem proibidos aos estados são reservados aos respectivos estados ou ao povo. E já tivemos ocasião de observar a este respeito que ‘o povo de cada estado compõe um estado, tendo seu próprio governo e sendo dotado de todas as funções necessárias para uma existência separada’ e ‘que sem os estados em união não poderia haver um corpo político como os Estados Unidos’. Portanto, não somente não pode haver perda de autonomia separada e independente para os estados, através de sua união sob a Constituição, como também não se pode dizer incessantemente que a preservação dos estados e a manutenção de seus governos estão inseridas nos propósitos e nos cuidados da Constituição do mesmo modo que a preservação da União e a manutenção do Governo nacional. A Constituição, em todas as suas disposições, cuida de uma União indestrutível, composta de estados indestrutíveis”.3

 

Enquanto nos Estados Unidos da América por meio da união das colônias foi constituída a Federação, no Brasil ocorreu o contrário: o poder central subdividiu o poder entre as Províncias, que passaram a ser denominadas de Estados, perfazendo desta forma, a descentralização do poder. Assim, houve uma cópia do sistema criado pelos norte-americanos. Enquanto lá houve o que os teóricos chamam de atuação de uma “força centrífuga”, aqui no Brasil atuou a “força centrípeta” para a adoção do Federalismo.

 

Nesse sentido, “A evolução do sistema demonstra a permanente revitalização histórica da matriz política original - baseada numa fórmula de agregação que se opunha ao estado centralizado - e que vem caminhando para a configuração de estruturas centrífugas, marcadas em maior ou menor grau pela repartição de competências e rendas entre os entes federados, e pela representação político-partidária dos Estados-Membros no Poder Central”.4

 

A federação foi adotada pelo Brasil pelo Decreto n.° 1 de 15 de novembro de 1889, juntamente com a Proclamação da República. E assim dispunha a Constituição de 1891: 

“Art. 1.° - A Nação Brasileira adota como forma de governo, sob regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se por união perpétua e indissolúvel de suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil”. 

Desta forma, o Brasil adotou o  modelo norte-americano de forma de governo, de forma tripartida, com a União, Estados membros e Municípios dividindo as três esferas do Poder Público.

 

Tradicionalmente, as demais Cartas Magnas brasileiras mantiveram o federalismo como forma de governo, até mesmo com o Estado Novo em 1937; e mais, sempre se proibiu expressamente qualquer tentativa de vedação à Federação. E assim também dispõe o art. 60, § 4.° da Constituição de 1988: 

“§ 4.° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

 

I - a forma federativa de Estado;” 

Exposta a  realidade, é possível constatar que o Federalismo foi uma fórmula adotada, ou melhor, importada, que na verdade não possui as mesmas características da orientação fornecida pela experiência norte-americana. Basta exemplificar com a limitada autonomia (política, legislativa, administrativa e financeira) dos Estados membros da República Federativa do Brasil, que está longe de ser aquela apregoada pelo verdadeiro modelo de Federação. E mais, as próprias Constituições Estaduais são pouquíssimo usadas, prova de um desvirtuamento do Federalismo, que apregoa equilíbrio de poderes entre o Poder Federal e os Poderes Estaduais.

 

Vale lembrar que a autonomia impede a hierarquização entre as esferas de poder, o que na verdade não ocorre na prática, pois aqui existe a idéia de que o “federal é melhor que o estadual, ou o municipal”, ou ao menos tem maior importância.

 

Assim, a forma de Estado brasileira na verdade é marcada por uma certa centralização de poder, o que de maneira alguma favorece a democracia, que exige descentralização, que por sua vez permite uma maior proximidade do povo com o poder. “A centralização retarda decisões e distancia a vivência do problema da competência decisória. A descentralização pode dar-se em vários graus e o mínimo é aquele em que somente a criação de normas individuais é conferida a órgãos periféricos. É a chamada descentralização administrativa”.5

 

3. O Estado Federal

 

Conforme aponta Dalmo Dallari: “A diferença fundamental entre a união de Estados numa confederação ou numa federação está na base jurídica. Na confederação os integrantes se acham ligados por um tratado, do qual podem desligar-se a qualquer momento, uma vez que os signatários do tratado conservam sua soberania e só delegam os poderes que quiserem e enquanto quiserem. Bem diferente é a situação numa federação, pois aqui os Estados que a integram aceitam uma Constituição comum e, como regra, não podem deixar de obedecer a essa Constituição e só têm os poderes que ela lhes assegura”.6

 

Assim, no Estado Federal tem-se um poder central (com base na Constituição Federal), com aplicabilidade em todo território nacional, e outro local (baseado na Constituição Estadual), composto por regras locais (dos Estados membros). Portanto, é correta a afirmativa de que aumentando-se a centralização restringe-se a competência dos Estados membros.

 

Particularmente, o Brasil apresenta uma variante ao Federalismo, que é o Município, com competências e rendas asseguradas pela Constituição. A divisão política e econômica atual representa um alto grau de descentralização. É a esfera de poder em que o povo se encontra mais próximo, possibilitando aos governantes o contato direto com os problemas locais da comunidade, o que facilita soluções.

 

O Federalismo cooperativo, entendido como a forma de governo em que a União estende recursos aos Estados e Municípios, deve ser restringido, de forma tal que os Estados membros possam aumentar sua autonomia e com isso a administração  de seus gastos de acordo com seu próprios recursos. Para a realidade brasileira isso pode representar uma grande guinada, que até agora não foi muito discutida, mas que a nosso ver tende a diminuir a incidência de muitos problemas, entre eles o da corrupção e o das constantes reclamações de alguns Estados membros sobre a desigualdade na distribuição de recursos federais.

 

Ao se criar um Estado Federal as unidades componentes perdem soberania, passam a integrar uma nova ordem jurídica que deve seguir os preceitos estabelecidos pela Constituição Federal, que de forma alguma poderá ser sobreposta por norma originada do Estado membro, cuja competência há que ser estabelecida pela Carta Magna.

 

Uma vez criado o Estado Federal não há que se falar em dupla cidadania, que porventura coexistisse com a do Estado membro. Não existe cidadão paranaense, gaúcho, paulista e assim por diante, existe o cidadão brasileiro.

 

Um outro ponto de fundamental importância no Federalismo é a proibição de retirada de qualquer Estado membro, ou seja, não se reconhece o direito à secessão. Na verdade esta foi a solução encontrada pelos norte-americanos para o fortalecimento da nova forma de governo instituída com a Constituição de 1787; e que destoa do sistema disposto pela Confederação, que permite o direito de secessão.

 

A questão da soberania cabe única e exclusivamente ao Estado Federal quando da criação do mesmo, o que de forma alguma impede que Estados membros tenham seus governantes, legisladores e membros do Poder Judiciário, mas tudo deve ser guiado conforme o quanto for permitido pela Constituição Federal.

 

Relativamente à fixação dos níveis de competência entre União e Estados membros é preciso que a Constituição delimite o campo de atuação a cada um, sem que haja o rompimento do equilíbrio que proporciona a Federação. 

 

No Brasil impera – como já foi dito – a idéia de hierarquização entre níveis de Poder Federal, Estadual e Municipal. Com efeito, entendemos que é preciso excluir este pensamento das pessoas, e até mesmo das disposições legislativas, uma vez que é preciso valorizar o que é local, o que verdadeiramente está ao alcance da população. Deve-se valorizar o preceito que “Nem a União é superior aos Estados, nem estes são superiores àquela. As tarefas de cada um são diferentes mas o  poder político de ambos é equivalente”.7

 

São idéias fundamentais que devem nortear o estabelecimento dos níveis de competência: “1.°) é indispensável que não se estabeleça a supremacia da União ou das unidades federadas, devendo-se procurar uma distribuição de competências equilibrada, (...) 2.°) como regra, à União são atribuídas competências para as matérias de interesse geral, (...) 3.°) é conveniente que se faça a enumeração das competências na própria Constituição”.8

 

Uma vez estabelecidos os níveis de competência, por via de conseqüência dispõe-se de poderes e encargos tanto da União como dos Estados membros. Assim, há que haver equilíbrio entre encargos e receitas, que serão estabelecidas em razão dos tributos competentes a cada um.

 

4. Perspectivas sobre o  Federalismo

 

Como foi acentuado, o federalismo foi criado como forma a combater o absolutismo que era um imperativo da época, portanto, uma característica que a ele deve ser atribuída é a noção de liberdade dos povos, tudo que não era previsto pelo antigo sistema centralizador de poder.

 

No federalismo, a noção de solidariedade entre os Estados membros constitui outro fator que deve ser observado atualmente. Cada qual fornece recursos próprios para a manutenção do Federalismo, desta maneira, forma-se a união de todos para garantia da segurança e democracia, além da acomodação dos objetivos econômicos e de fortalecimento do poder federal.

 

Na realidade pátria a solidariedade fica muito bem demonstrada quando a própria União distribui recursos financeiros para unidades federativas. Como por exemplo: a construção e manutenção das estradas federais que percorrem o país, bem como a criação e fomento às Universidades Federais.

 

Note-se, ainda, através da História, que é possível constatar a preocupação demonstrada pelos povos no que concerne à segurança. Ninguém quer perder, ou ao menos sofrer ameaças com relação ao que é de seu domínio. Nessa linha de pensamento, a adoção do Federalismo é uma maneira de fortalecer também o poder militar. Porventura, qualquer agressão a um Estado membro é entendida como agressão ao próprio país.

 

E a exemplo do fortalecimento militar, também o fortalecimento político e econômico constituem fatores preponderantes para que o federalismo seja tão difundido mundialmente. A livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais entre os Estados membros proporciona criação de riquezas; e o união dos entes federados impõe o fortalecimento político, pois a federação dispõe de soberania, que na verdade, resulta da soma da delegação de soberania cada Estado membro.

 

A descentralização do poder governamental é um fator que também deve ser lembrado, pois caracteriza-se exatamente pela existência de vários centros de poder político, o que faz presumir a existência do regime democrático.

 

Nos dias de hoje, as formas ditatoriais ou centralizadoras de poder realmente perderam seus papéis, salvo algumas insistências que, ao nosso ver, poderão subsistir pelas transformações sociais, políticas e econômicas que devem ocorrer no mundo, assim como ocorreu no Brasil na década de 80, quando ruiu o regime ditatorial que disfarçava a existência do federalismo pela mera citação constitucional.

 

O federalismo, observados seus pressupostos de democracia, autonomia dos Estados Membros e de descentralização de poder político, é a forma de Estado que melhor se amolda frente a nova ordem mundial: ao mercado mundial, a concorrência econômica, o aperfeiçoamento crescente dos meios de comunicação, de transportes, a formação de blocos econômicos a exemplo da União Européia e do Mercosul, enfim, da globalização.

 

O Estado Federal traz as vantagens da União sem que se percam as vantagens locais de cada Estado membro, assim como a autonomia política, repartição de competência, atribuição de rendas próprias.

 

Ainda sobre o federalismo brasileiro, alguns teóricos chegaram a propor que o atual sistema fosse reformulado de modo a organizar os entes federativos por regiões, tal é o nível de características regionais que abrangem até mesmo vários estados. Assim, como exemplo, poder-se-ia supor um ente federal formado pelos Estados membros do sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

 

E a reforçar este pensamento, “A Constituição de 1988 mantém os casos de alterações territoriais - incorporação, subdivisão, desmembramento, anexação, para formação de novos Estados ou Territórios Federais -, requerendo para isto a aprovação de população diretamente interessada, através do plebiscito, e a do Congresso Nacional, por lei complementar (Art. 18, § 3.°)”.9

 

Mas a verdade é que caminhamos para uma certa homogeneidade entre a população brasileira; as características culturais de nosso país estão se consolidando. O espírito de união federativa é maior do que o de autonomia de Estado membro. 

 

5. Conclusão

 

Cada Estado que se dispôs a adotar o federalismo, na prática, o amoldou às suas próprias características. Não existe um sistema idêntico ao criado e mantido de acordo com o que se vê nos Estados Unidos da América.

 

É bom deixar claro que a adoção do federalismo se deve ao sucesso ocorrido quando da sua implantação, graças às idéias iluministas, fundamentadas em princípios de liberdade, democracia e descentralização de poder. 

 

O federalismo, em suma, representa uma forma de Estado extremamente moderna, capaz de se adaptar às transformações sociais, políticas e econômicas do mundo atual. No Brasil, os municípios completam o sistema federal, possuem prerrogativas e encargos próprios, bem como receitas para a realização de suas tarefas; e tudo é estabelecido pela Constituição Federal.

 

 E apesar do federalismo ter sido uma fórmula importada, este sistema já faz parte, como idéia até indissolúvel, da realidade social e política nacional. A idéia de Federação já está tão arraigada na concepção política dos nacionais que até com a discussão sobre a elaboração da Constituição de 1988, a forma federativa de Estado já estava assegurada, sem maiores oposições.

 

Vale afirmar, por oportuno, que não há hierarquia entre as leis federais, estaduais ou municipais. O que existe são diferentes áreas de competência, que possuem limites. “Ou seja, gozam os Estados de autonomia, sendo o seu Poder Constituinte livre para fazer ou estabelecer o que não lhes vedou o direito supremo, o da Constituição brasileira”.10

 

Em razão da estrutura organizacional do federalismo brasileiro, até pela tradição que se formou em torno da instituição federal, a tendência é aprimorar o fortalecimento de características próprias e peculiares ao sistema nacional, desta forma, conduzindo à coexistência harmônica entre os poderes exercidos nos níveis federal, estadual e municipal. É o que se espera.

 

6. Bibliografia

 

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A Federação e a Revisão Constitucional. As Novas Técnicas dos Equilíbrios Constitucionais e as Relações Financeiras. A Cláusula Federativa e a Proteção da Forma de Estado na Constituição de e1988. In: Revista dos Tribunais / Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n. 14, págs. 16-26, 1996.

 

Teoria Geral do Federalismo. Belo Horizonte: FUMARC/ UEMG, 1982.

 

BARROS, Renato Paes de. Do Regime Federal. Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1940.

 

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GRASSO, Marlene Savóia. O Sistema Federativo. In: Revista dos Tribunais / Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, número 3, págs. 59-79, 1993.

 

HORTA, Raul Machado, et alii. Perspectivas do Federalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições da Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1958.

 

A autonomia do Estado Membro no Direito Constitucional Brasileiro. Belo Horizonte, 1964.

 

O Estado-membro na Constituição Federal Brasileira. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte: Imprensa Universitária, número 69/70, págs. 61-89, 1990.

 

KANT, Immanuel. Il Federalismo e la pace. In: Il Federalismo. Bologna: Editora Il Mulino, págs. 32-36, 1975.

 

LA PERGOLA, Antonio. Regionalismo, Federalismo e Poder Externo do Estado. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte: Imprensa Universitária, número 67/68, págs. 55-91, julho de 1988/janeiro de 1989.

 

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SCHWARTZ, Bernard. Direito Constitucional Americano. Rio de Janeiro: Editora Forense. Carlos Nayfeld (trad.), 1966.

 

SORTO, Fredys Orlando. O Federalista e a Constituição dos Estados Unidos. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: Imprensa Universitária, número 82, janeiro de 1996, págs. 133-157.

____________

 

1SCHWARTZ, Bernard. O Federalismo Norte-Americano Atual, p. 10.

2SORTO, F. O. O Federalista e a Constituição dos Estados Unidos. In: R.B.E.P.,  82, 1996, p. 157.

3Caso Texas versus White, 7 Wall, 700, 725 (E.U.A. 1868). Apud SCHWARTZ, Bernard. Obra citada, p. 11-12.

4RANIERI, Nina. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. In: Revista dos Tribunais. Vol. 9, p. 87, 1994.

5GRASSO, Marlene Savóia. O Sistema Federativo. In: Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 03, p. 60, 1993.

6DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal, p. 15.

7DALLARI, Dalmo de Abreu. Obra citada, p. 22.

8DALLARI, Dalmo de Abreu. Idem, p.19.

9HORTA, Raul Machado. O Estado-membro na Constituição Federal Brasileira. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol. 69/70, p. 70.

10FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado Federal Brasileiro à luz da Constituição de 1988. In: Revista da Faculdade de Direito - USP. Vol. 86, p. 120, 1991.

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  *Advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia

 







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