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Embargos de declaração: efeitos no CPC/15

O objetivo dos embargos de declaração é o esclarecimento, complemento ou correção material da decisão. Portanto, eles não se prestam a invalidar uma decisão processualmente defeituosa nem a reformar uma decisão que contenha um erro de julgamento.

22/3/2016

1. Efeito devolutivo

O primeiro dos efeitos dos embargos de declaração é impedir o trânsito em julgado da decisão embargada. Por um lado, como se verá a seguir, eles interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, eventualmente cabíveis. Por outro, eles reabrem a possibilidade de alguma reapreciação da decisão – ainda que nos estritos limites da função dos embargos declaratórios: (i) esclarecer a decisão, eliminando-lhe obscuridades ou contradições; (ii) integrar a decisão, suprindo-lhe omissões; ou (iii) corrigir erros materiais contidos na decisão.

Nesse sentido, os embargos declaratórios têm efeito devolutivo. O efeito devolutivo ocorre mesmo na hipótese em que o órgão judiciário ao qual se atribui a competência para reapreciação da decisão é o mesmo que proferiu a decisão impugnada.

Para um exame mais detalhado sobre a extensão e a profundidade do efeito devolutivo e a possibilidade de reformatio in pejus nos embargos declaratórios, remeto ao que escrevi anteriormente, ainda soa a égide do CPC/73 (“Embargos de declaração: efeitos”, disponível neste link). Tais aspectos dessa espécie recursal permanecem inalterados no CPC/15.

2. Efeito interruptivo de prazos recursais

Os embargos têm ainda efeito interruptivo do prazo para a interposição de outros recursos eventualmente cabíveis contra a decisão. Uma vez interpostos, interrompem-se os prazos para a interposição dos demais recursos, por qualquer das partes (art. 1.026, caput, segunda parte). Note-se, aqui, que se trata do fenômeno da interrupção: os prazos começam a contar de novo, desde o início, a partir da intimação da decisão dos embargos declaratórios.

Tal efeito interruptivo aplica-se:

(a) a qualquer das partes, e não apenas àquela que interpôs os embargos;

(b) a todos os capítulos da decisão, e não apenas àquele(s) objeto dos embargos;

(c) mesmo quando os embargos não são conhecidos, por serem reputados inadmissíveis, ressalvada apenas a hipótese de não conhecimento por intempestividade, quando já houver inclusive decorrido o prazo para o(s) outro(s) recurso(s) – hipótese em que não haverá mais nada para interromper. Nos demais casos, quando ainda em curso o prazo para o(s) outro(s) recurso(s), a interposição dos embargos, ainda que intempestiva, deve ter a eficácia interruptiva. Afinal, como ela se aplica também à parte contrária da que embargou, essa não poderia ser prejudicada, na hipótese em que, se fiando na interposição dos embargos pelo adversário, aguardasse para recorrer depois de decididos os embargos. Se houver má-fé na interposição os embargos intempestivos, deve-se sancionar o emabargante pela procrastinação (art. 1.026, § 2º), mas não negar-se a força interruptiva dos embargos (v. a seguir);

(d) mesmo quando os embargos são reputados procrastinatórios, exceto quando se tratar da terceira interposição sucessiva de embargos procrastinatórios contra a mesma decisão (art. 1.026, § 4.º).

3. Os embargos declaratórios nos Juizados Especiais

A Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95) previa que os embargos de declaração teriam a eficácia de suspender o prazo dos demais recursos. Isso não subsiste. O CPC/15 prevê que também nos processos que tramitam perante nos juizados especiais, os embargos passam a ter efeito interruptivo do prazo (nova redação dos arts. 50º e 83, § 2.º, da Lei 9.099/95, dada pelos arts. 1.065 e 1.066 do CPC/15, respectivamente).

4. Ausência de automático efeito suspensivo

Mas a circunstância de os embargos terem efeito interruptivo, nos termos acima explicados, não significa que eles tenham automaticamente efeito suspensivo. Como já visto, o efeito suspensivo de um recurso consiste na sustação dos efeitos da decisão recorrida. Em regra, os embargos não produzem esse resultado, pois a lei não lhes atribuiu tal eficácia.

Na vigência do CPC/73, o tema gerou muita confusão. Muitos, tendo em vista a eficácia interruptiva, acabavam por reputar que os embargos teriam também automaticamente efeito suspensivo. Mas, mesmo no diploma anterior, já não era assim – até porque, se fosse, nunca nenhuma decisão poderia produzir efeitos imediatos, pois contra qualquer decisão cabem embargos declaratórios e, assim, a decisão teria de aguardar para ser eficaz apenas depois de não interpostos ou de julgados tais embargos – e como contra essa nova decisão em tese também cabem embargos, novamente ela não seria de imediato eficaz e assim sucessivamente (a esse respeito, veja-se meu texto citado no n. 1, acima).

O CPC/15 sepultou qualquer dúvida. O seu art. 1.026, caput, estabelece expressamente a não incidência desse efeito automático nos embargos de declaração.

O que pode acontecer, isso sim, é que outro recurso cabível contra a decisão embargada tenha efeito suspensivo (p. ex., interpõem-se embargos contra sentença, que é também passível de apelação, que, em regra, tem efeito suspensivo). Nesse caso, a decisão embargada permanece suspensa não por força da interposição dos embargos em si, mas porque ainda pende a possibilidade de interposição daquele outro recurso (cujo prazo está interrompido pela interposição dos embargos). Ou seja, a sustação da eficácia da decisão, nessa hipótese, não advém dos embargos declaratórios, mas do fato de caber ainda outro recurso, que tem efeito suspensivo por força de lei – o que faz com que a decisão não produza efeitos enquanto não precluso esse outro recurso.

Além disso, nos casos em que tampouco os demais recursos cabíveis contra a decisão têm efeito suspensivo, não fica obstada a atribuição ope judicis de eficácia suspensiva aos embargos declaratórios – ou seja, mediante decisão fundamentada do juiz, caso a caso, a pedido da parte e presentes requisitos específicos. Assim, a eficácia da decisão embargada poderá ser suspensa, por decisão judicial, quando a parte demonstrar a probabilidade de ser provido o recurso ou quando, sendo relevante a fundamentação, houver risco de que a produção imediata dos efeitos da decisão cause dano grave ou de difícil reparação (art. 1.026, § 1.º). Em suma, em situações excepcionais, mediante pedido expresso da parte, pode o juiz imprimir esse efeito ao recurso, de forma que a parte fica desobrigada do imediato cumprimento da decisão judicial de que recorrer por meio dos embargos de declaração.

5. Embargos declaratórios e caráter infringente

O objetivo dos embargos de declaração é o esclarecimento, complemento ou correção material da decisão. Portanto, eles não se prestam a invalidar uma decisão processualmente defeituosa nem a reformar uma decisão que contenha um erro de julgamento. Por isso, é comum dizer-se que os embargos de declaração não podem ter efeito modificativo da decisão impugnada (o chamado efeito ou caráter “infringente”).

5.1 Efeito infringente como consequência do normal emprego dos embargos

No entanto, “infringentes” quaisquer embargos declaratórios podem ser, no cumprimento de sua função normal. Ao se suprir a omissão, eliminar a contradição, esclarecer a obscuridade ou corrigir o erro material, é sempre possível que a decisão de resposta aos embargos altere até mesmo substancialmente o teor da decisão embargada. Por exemplo, o juiz havia julgado procedente o pedido condenatório ao pagamento de quantia. No entanto, omitiu-se de examinar a questão da prescrição da pretensão de cobrança – que foi objeto de alegação pela parte e deveria até ser conhecida de ofício. Uma vez apontada essa omissão em embargos de declaração e constatada pelo juiz, seu suprimento poderá alterar essencialmente o resultado do julgamento. Ao examinar a questão da prescrição e tê-la por ocorrida, o juiz emitirá um julgamento de mérito desfavorável ao autor, antes vencedor. Mas – reitere-se – quando isso ocorrer, estar-se-á diante da função normal, típica, dos embargos.

5.2 O caráter puramente infringente

O que normalmente não se admite é o emprego puro e simples dos embargos declaratórios com o escopo de se rediscutir aquilo que o juiz decidiu. Nesse caso, afirma-se que se trata de caráter puramente infringente. Em regra, quando isso acontecer, os embargos deverão ser rejeitados.

Numa hipótese específica, a lei determina o aproveitamento do ato, numa especial aplicação do princípio da fungibilidade: se os embargos forem interpostos contra decisão monocrática de relator com a mera pretensão de efeitos infringentes cabe a sua conversão em agravo interno, devendo ao recorrente ser oportunizada a complementação das razões recursais, para adequá-la às exigências do art. 1.021 e eventualmente acrescentar outros fundamentos e pedidos que não haviam sido incluídos (art. 1.024, § 3.º).

Mas se abre uma verdadeira exceção à vedação de efeitos puramente infringentes nos casos extremos em que uma decisão não é passível de nenhum outro recurso, senão embargos declaratórios, e padece de defeito gravíssimo que não se caracteriza como omissão, contradição, obscuridade ou erro material. Embora havendo grande controvérsia, doutrina e jurisprudência (inclusive do STF e STJ) tendem a admitir a utilização dos embargos declaratórios em tais casos – com efeitos infringentes atípicos.

5.3 Caráter infringente e contraditório

Em qualquer caso em que os embargos possam assumir caráter infringente – seja no cumprimento de sua normal função, seja no seu emprego atípico –, antes de decidi-los o julgador deve ouvir a parte contrária no prazo de cinco dias (art. 1.023, § 2.º).

5.4 Modificação da decisão e recurso subsequente

Como se vê adiante, a interposição de embargos declaratórios interrompe o prazo para outros recursos eventualmente também cabíveis contra a decisão (p. ex., interpostos embargos contra a sentença, interrompe-se o prazo para apelar). Imagine-se que a parte, sem saber que o adversário interpôs embargos de declaração, interpôs desde logo o recurso cabível contra a decisão (p. ex., interpôs apelação contra a sentença). Se os embargos são acolhidos e geram mudança no conteúdo da decisão, isso pode interferir sobre os pressupostos e a extensão do recurso subsequente (p. ex., ao suprir uma omissão, o juiz acrescenta um capítulo condenatório antes inexistente – ampliando o objeto passível de impugnação no recurso seguinte; ou então, o acolhimento dos embargos pode levar até a inversão do resultado do processo – como no exemplo antes dado, em que o juiz havia proferido sentença de procedência e, ao suprir a omissão, reconhece a prescrição e resolve o mérito contrariamente ao autor).

Assim, se uma modificação da decisão for provocada por embargos de declaração, concede-se à parte que já havia interposto o recurso seguinte o prazo de quinze dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração, para que proceda à complementação ou alteração de suas razões recursais, nos exatos limites da modificação (art. 1.024, § 4.º). Caso não ocorra tal emenda do recurso, o órgão julgador deverá verificar se o recurso encontra-se prejudicado pela modificação da decisão anteriormente prolatada ou se ele permanece sendo passível de conhecimento.

Já quando o julgamento dos embargos não gerar nenhuma mudança na decisão - seja porque eles não foram conhecidos ou providos, seja porque, embora providos, isso não implicou nenhuma alteração substancial no conteúdo decisório –, o recurso ajuizado antes será processado e julgado independentemente de ratificação (art. 1.024, § 5.º). Portanto, está definitivamente superado o enunciado da súmula 418 do STJ, que pretendia exigir ratificação em todo e qualquer caso em que o recurso houvesse sido interposto antes da publicação da decisão dos embargos, mesmo quando essa não houvesse minimamente alterado a decisão recorrido. Tal enunciado, editado na vigência do CPC/73, jamais se mostrou razoável e era incompatível mesmo com as diretrizes daquele diploma – recebendo muitas críticas (mais uma vez, remete-se ao texto citado no n. 1, acima). As regras ora examinadas foram uma clara reação a ele.

______________

*Eduardo Talamini é advogado, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Livre-docente em Direito Processual (USP). Mestre e doutor (USP). Professor da UFPR.

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