Morte certa era a consequência inexorável do consumo de manga com leite. Ninguém duvidava disso. Era uma daquelas verdades inquestionáveis da nossa infância. Assim como era verdade até bem pouco tempo que no Brasil só era possível fazer negócios de um determinado jeito: torto. Levando “vantagem” sempre e acreditando que os “espertos” são os que ganham dinheiro à margem da lei. Bandido, eu? Nem pensar. Bandido é o outro. Esta era a mentalidade vigente de muitos empresários.
Portanto, é com uma mistura de indignação e incredulidade que a sociedade assiste a tudo o que tem acontecido no mundo dos grandes negócios. Meu pai às vezes brinca: “tem gente morrendo que nunca morreu antes”. Eu diria que tem gente sendo presa que nunca foi presa antes, tampouco imaginava que o seria.
Não duvido que muitos ainda não acreditem que serão condenados e cumprirão penas, provavelmente porque as antigas crenças de impunidade e de que “assim é que se faz” sejam muito arraigadas. Ou talvez porque se sintam injustiçados, achando que não foram os únicos, como se isso validasse seus feitos.
Vinte anos atrás, eu tinha que ser criativa quando explicava meu trabalho com Compliance. Dizia que era uma combinação de advogada e auditora. Advogada porque indicava a lei a ser seguida e auditora porque desenvolvia mecanismos para assegurar que a lei de fato havia sido respeitada. Hoje o termo Compliance vem sendo usado amplamente para definir muitas situações diferentes, sendo frequentemente usado como sinônimo de prevenção à corrupção.
O fato é que, diante das rigorosas leis anticorrupção e da também rigorosa aplicação dessas leis, não estão seguros nem as empresas nem os profissionais que não se adequarem a elas.
A infração à lei 12.846/13, chamada de lei anticorrupção brasileira, pode resultar a dissolução compulsória da pessoa jurídica. É a morte da empresa, morte esta usualmente precedida da exposição pública daquilo que a empresa e seus executivos fizeram de pior.
As pessoas esquecerão uma marca e aquele produto ou serviço que ela representava, mas irão se lembrar da sujeira, do escândalo, das prisões e da expressão triste do executivo antes tão admirado.
A boa notícia é que a própria lei mostra os caminhos para que as empresas e os empresários se adaptem a esta nova realidade. O decreto Federal 8.420/15 regulamentou a lei anticorrupção e descreveu os elementos que um programa de integridade deve conter. Não é algo difícil de ser implantado. As empresas lidam diariamente com assuntos muito mais complexos.
Um bom programa de Compliance não é – e nem precisa ser – um bicho de sete cabeças compreensível apenas por advogados ou profissionais da área. Basta que qualquer empresário leia o artigo 42 do referido decreto e verifique em sua empresa o que já existe, implementando o que falta ou melhorando o que já se faz. E não precisa ser tudo de uma só vez.
Idealmente a empresa deverá poder demonstrar que cumpre, no mínimo, todos os requisitos legais. Por outro lado, se ainda não os cumpre, vale ter um plano de ação sério com prazos razoáveis e clara definição dos responsáveis. Nada diferente da gestão de projetos que os empresários sabem fazer.
O que não vale nem se aceita nos dias de hoje é passar a vida toda acreditando que manga com leite mata e corrupção não.
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*Christina Montenegro Bezerra é advogada, participante do grupo Jurídico de Saias, atua na área de Compliance e adora manga.