Migalhas de Peso

Publicidade infantil e a responsabilidade parental

Se pela lei a criança não pode adquirir nada porque é considerada incapaz, como se admitir uma mensagem publicitária dirigida a ela ou uma peça publicitária que seja persuasiva?

17/8/2015

Em julho de 2015 o ECA completou 25 anos e tema interessante a ser abordado envolve a publicidade voltada às crianças, adolescentes e jovens.

Inicialmente, não se pode interpretar o CDC, responsável por estabelecer as regras específicas de defesa dos consumidores, sem considerar as regras fundamentais previstas na Constituição Federal. É de fácil apreensão que a vulnerabilidade (que não se confunde com a hipossuficiência) é norma cogente e deve ser observada e respeitada nas relações de consumo.

Por previsão constitucional1 e infraconstitucional2, há um manto ainda maior para indivíduos considerados “hipervulneráveis”, dentre os quais figuram a criança e o adolescente.

É inegável a qualidade e a influência da publicidade no Brasil. Partindo da premissa de que a criança e o adolescente devem receber maior proteção legal que os adultos, há a presunção de que uma peça publicitária voltada para esse público específico possua, em potencial, uma espécie de ofensa.

A publicidade evidentemente promete mais do que a alegria da posse, ela promete a alegria da inscrição/existência em sociedade. Aliado a isso, com a prática do consumo, você se torna igual ao outro, nunca uma padronização e inclusão social tão grande existiu quanto hoje no mundo globalizado.

Estudos e pesquisas demonstram a importância da criança e do adolescente na definição dos hábitos de consumo dos adultos3 e, além do consumismo infantil galopante, com a veiculação da publicidade dirigida aos pequenos consumidores é facilmente identificável um aumento na obesidade infantil e distúrbios alimentares, a erotização precoce, o incremento do estresse familiar, a diminuição de brincadeiras criativas e imaginativas, o encorajamento do egoísmo e passividade bem como o enfraquecimento dos valores culturais e sociais.

De forma alguma se está pugnando pela proibição da publicidade. Pelo contrário, desde que o produtor/anunciante esteja em observância com os requisitos legais e não ultrapasse os limites legalmente estabelecidos (no CDC, por exemplo), não há motivo para fazê-lo.

Nesse sentido, a criança e o adolescente não podem ser considerados pela publicidade um adulto (ou um adulto em miniatura). O produtor/publicitário que se valha da inexperiência da criança e adolescente para transformá-los em promotor de seus produtos/serviços não só fere princípios clássicos e regras específicas do Direito mas também viola limites éticos e morais fixados pela própria sociedade.

Nesse diapasão, se pela lei a criança não pode adquirir nada porque é considerada incapaz, como se admitir uma mensagem publicitária dirigida a ela ou uma peça publicitária que seja persuasiva?

Não se pode perder de vista que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) presta um serviço muito importante nessa frente, contudo, é um órgão privado e corporativo, tendo sido criado e mantido por muitos representantes do setor publicitário.

Logo, reflexão que deve ser feita no processo coletivo de consumo desenfreado atual é que grande parcela da problemática não se encontra no mercado mas sim nos pais e responsáveis pelos pequenos consumidores.

Ora, o consumidor adulto já foi criança e (independentemente de possuir uma criança consumidora), também se encontra inserido nesse âmbito, devendo zelar e salvaguardar o bem estar (físico e psíquico) da criança e do adolescente.

Com a atual produção/disponibilização em massa de produtos/serviços e a maior acessibilidade destes, não é incomum os pais e responsáveis tentarem propiciar aos filhos o que nunca tiveram, chegando, muitas vezes, ao limite do endividamento para concretizá-lo.

Por mais que se propague que a publicidade influencia o desejo da criança e do adolescente para possuir produtos/serviços supérfluos e consumir em excesso alimentos não nutritivos, por exemplo, o mesmo não se dá com os consumidores adultos, que também consomem produtos/serviços que não necessitam?

No mundo fantasioso da publicidade a intenção é direcionar o público-alvo a adquirir produtos/serviços oferecidos e, em uma análise mais profunda, ditar um modo de agir, gerar comportamentos, seduzir com propostas e incutir valores nos consumidores.

Não é raro muitos desses consumidores adultos não conseguirem compreender a realidade que os cerca, isto é, identificar a real causa porque compraram aquele produto ou adquiriram determinado produto. A raiz para essa análise não é simples, pelo contrário, é bastante profunda visto que envolve não apenas esclarecimento e educação dos consumidores mas também uma avaliação geral de todos os extratos sociais.

Com o devido respeito, compete ao consumidor adulto fazer a leitura do que lhe é ofertado e, consequentemente, aos pequenos consumidores, não podendo culpar o mercado por tudo. É de fácil apreensão que o consumidor standard toma decisões e adquire produtos/serviços tendo plena consciência do que faz, valendo-se do seu desejo de consumo e nem sempre buscando o protecionismo ao consumo.

É incumbência do consumidor adulto decidir o que comprar para si e para seus filhos (ou aqueles que estão sob sua responsabilidade), competindo a eles esclarecer a criança e ao adolescente o que realmente importa, qual a função de determinado produto/serviço e o respectivo valor atrelado a ele, muitas vezes, ilustrando com os próprios exemplos vivenciados.

Na nova era do consumo consciente e sustentável o “não” dos pais à criança e aos adolescentes se faz ainda mais indispensável até porque, no jogo da vida, nem sempre se pode ter o que se deseja.

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1 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (artigo 227, caput, Constituição Federal);

2 “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (artigo 3º da Lei 8.069/1990 – ECA);

3 “Bastam 30 segundos para uma marca influenciar uma criança”. Fonte: Associação Dietética Norte Americana - Borzekowiski / Robinson
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*Marcelo de Andrade Lopes é advogado especialista em Direito do Consumidor do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados.

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