Recuperação de empresas – projeto em perigo
Antonio Carlos Rocha da Silva*
Embora respeitando peculiaridades do direito de cada país, as novas regras estão voltadas para um fim idêntico: preservar – sempre que um plano de reestruturação conferir viabilidade – as atividades da empresa e o máximo possível de empregos. Bancarrota, só quando for impraticável o renascimento da Fenix, (nova empresa com ativos produtivos e funcionários da antiga) blindada contra ações do Fisco, dos credores, inclusive trabalhistas.
Para que estes objetivos sejam atingidos, uma assembléia de credores decide soberanamente sobre os sacrifícios que todos terão de fazer em relação a seus créditos, inclusive os privilegiados e detentores de garantias reais, para que sobreviva a empresa, com novos dirigentes se os anteriores demonstraram dolo ou imperícia.
Aparentemente, é por causa deste ponto essencial do projeto brasileiro (custo/benefício) que as mãos alvoroçadas se atiram ao calhamaço e vão tentar espremer-lhe o sumo.
A Receita Federal não se conforma em abrir mão do privilégio de Segundo Credor nos casos de Recuperação Judicial. Talvez não esteja consciente de que se receber a vista o total do crédito, com até 300% de multa, além dos juros propositalmente elevados da SELIC, inviabilize a reestruturação da empresa em crise econômica. Em muitos casos, o vultoso crédito fiscal – impagável, mesmo em se mantendo sua preferência - decorreu da leniência na cobrança tempestiva e/ou da lenta e bufante locomotiva da Justiça ao subir as íngremes encostas das montanhas de processos. No caso da falida SULFABRIL (gerenciada por cooperativa de empregados, os ativos, inclusive a valiosa marca, teriam sido avaliados em R$ 86 milhões. Prepara-se a venda em leilão. Os débitos tributários alcançariam R$ 100 milhões. Pela regra atual, o valor de venda – bem feita – não seria suficiente para cobrir o crédito do Fisco, até porque os trabalhadores receberiam antes. Como ficariam os demais credores? Pelo projeto ora em suspenso (trabalhadores – com o privilégio limitado – Fisco e demais credores) - todos receberiam dentro das condições e cronograma de um projeto de reestruturação aprovado pela maioria dos credores, apurada em função do valor de seus créditos.
Esse mesmo raciocínio cruel se inscreve nas mentes de alguns banqueiros que, obrigados pela regulamentação do Banco Central, a provisionar nos balanços os créditos de recebimento duvidoso, pleiteiam a sua dedutibilidade imediata dos lucros, para efeito de imposto de renda. Erraram quando da concessão do empréstimo. Agora, preferem apagar registros da falha, que incomodam alguns analistas de crédito e de investimento ao se defrontar com vultosas provisões, na hora de outorgarem o "rating" da instituição financeira.
Alguns sindicalistas lutam pela não imposição de limites aos direitos trabalhistas na falência, para que o superfaturamento desses créditos continue permitindo aos empregados receberem, graças ao seu privilégio, antes de qualquer outro credor, a totalidade dos bens da empresa . A cooperativa criada com esses ativos, consegue parcelar a dívida com o Fisco, e funcionários viram patrões, sob as asas do sindicato. Um belo socialismo tropicalista à custa dos demais credores, que ficam ali, na Ponta da Praia, em Santos, a admirar a passagem dos transatlânticos rumo ao Caribe, nos quais se refestelam, em plácido contubérnio, membros da Máfia das Falências.
Não, meu prezado Biolchi, meu caro Thomas, e demais valorosos participantes do grupo de estudos fomentado pelo ministro Palocci ; não se trata da Lei de Gerson, mas da combinação da Lei do Mínimo Esforço com a do Bom Proveito. Tanto as autoridades fazendárias quanto os banqueiros, perdem uma noite de sono quando descobrem que o grande devedor deixou de pagar as obrigações nos respectivos vencimentos. Depois passam o problema para seus advogados e já não se amofinam com as engrenagens lentas da máquina judicial. O efeito disso vai sendo eliminado pelo nefando aumento dos juros e da tributação.
Agora, alguns idealistas estão pretendendo reavivar os problemas enterrados na memória com sete pás de cal. O Ministro da Fazenda sabe que a soma das crises econômicas de empresas gera a crise econômica do País. Alguém abriu e leu em voz alta o artigo da Constituição que estabelece a função social da propriedade. Contudo, haverá novos custos de pessoal especializado – novos empregos, acréscimo da folha, despesas de treinamento, tempo dispendido no acompanhamento de milhares de casos.
Mãos aflitas revolvem as páginas do projeto. Cabeças não menos, giram reflexões! Será que vale a pena investir nessa modernidade legal? Será que a conservação de empregos e a continuidade da geração de tributos proporcionadas pela empresa recuperada compensam o novo esforço mental e financeiro para evitar ou recuperar a perda? Aprovando-se o texto da lei agora, enquanto juros altíssimos sufocam as empresas, não haverá uma enxurrada de pedidos de recuperação alegando crise provocada por atos do governo? Os sáurios da política se debatem nas margens sorumbáticas do lago Paranoá.
Espero que o bom senso e o desejo salutar de manter e desenvolver as atividades econômicas prevaleça sobre a aflição dos acomodados. Afinal de contas, a maioria do povo não votou por mudanças?
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*Especialista em direito econômico, sócio do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais
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