A alienação de estabelecimento empresarial no novo Código Civil
Olivia Meinberg Themudo Lessa
Darkson Galvão*
O estabelecimento nada mais é do que o complexo de bens utilizados pelo empresário ou pela sociedade empresária, conforme o caso, para exploração da atividade econômica.
Este complexo de bens, instrumento do exercício da empresa, compõe-se de elementos corpóreos e incorpóreos. No primeiro grupo encontram-se as mercadorias, as instalações montadas no local onde é exercida a atividade empresarial, as máquinas e utensílios destinados à produção de coisas e serviços e todos os demais bens materiais que o empresário utiliza na exploração de sua atividade econômica.
No segundo grupo estão os bens imateriais, tais como as patentes de invenção e de modelo de utilidade, as marcas, o nome do estabelecimento, o ponto comercial, entre outros.
Os bens corpóreos e incorpóreos conjugados no estabelecimento comercial, com efeito, não perdem cada qual deles sua individualidade singular, como categoria jurídica própria, mas, por outro lado, todos unidos integram um novo bem. Este novo bem, articulado em função da atividade empresarial, agrega aos bens reunidos um sobrevalor.
E não é só isso. O nCC, no seu art. 1.143, dispõe expressamente que "pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza".
No que se refere aos negócios jurídicos entabulados tendo por objeto o estabelecimento comercial, trataremos neste momento do chamado trespasse de estabelecimento comercial – alienação do estabelecimento.
Neste ponto, cabe-nos identificar e distinguir os contornos adotados anteriormente ao nCC e os novos caminhos traçados por este diploma legal, principalmente no que diz respeito às delimitações de responsabilidades pelo passivo – dívidas e obrigações – decorrentes da atividade empresarial, quando da alienação do estabelecimento comercial.
A bem da verdade, sempre se entendeu que as dívidas do estabelecimento não o compõem. Apesar de os débitos decorrerem da manutenção do estabelecimento, nele não se integram. Dessa forma, havendo a alienação do estabelecimento comercial, as dívidas decorrentes deste estabelecimento não eram transferidas, em regra, ao adquirente do estabelecimento. Ou seja, permaneciam sob a responsabilidade exclusiva do alienante.
Os credores, no entanto, não se encontravam totalmente desamparados. Apesar do absenteísmo normativo com relação ao estabelecimento comercial em nosso direito positivo, foram inseridas na Lei de Falências (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945) algumas formalidades – com o objetivo de resguardar os interesses dos credores – que deveriam ser observadas para que a alienação do estabelecimento fosse considerada eficaz.
Não cumpridas as formalidades apontadas acima, caso o alienante viesse a ter a sua falência decretada, o adquirente poderia perder o estabelecimento empresarial em favor da coletividade dos credores, já que era ineficaz, perante a massa falida a venda do estabelecimento empresarial realizada sem as precauções acima.
A praxe contratual, no entanto, arraigou o costume de inserção no instrumento de trespasse de cláusula transferindo ao adquirente a responsabilidade pela solução das dívidas pendentes do alienante, ligadas ao estabelecimento transacionado. Obviamente, este tipo de cláusula vinha normalmente acompanhada de uma relação extensa e completa das dívidas, para maior segurança quanto à extensão da obrigação assumida pelo comprador do estabelecimento.
O nCC, opondo-se a posição de que o passivo não se transfere ao adquirente do estabelecimento comercial e confirmando o que já vinha sendo estabelecido nos contratos de trespasse, veio a regular a matéria, no seu art. 1.146, da seguinte forma: "O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados" (grifo nosso). Na parte final deste artigo, no entanto, institui a solidariedade do alienante pelo pagamento dos referidos débitos contabilizados, ao prever que continua "o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento".
Além disso, assim com já fazia a Lei de Falências, também o nCC dispõe de normas que tutelam os credores do alienante. Primeiro estabelece que "o contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem de inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial".
E, principalmente, condicionando a eficácia da alienação, caso o alienante venha a se tornar insolvente com a transferência do estabelecimento, ao consentimento dos seus credores. É o que se extrai do art. 1.145 do nCC, in verbis: "Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação".
Resta, por fim, indagarmos qual o entendimento em relação especialmente aos passivos trabalhistas e fiscais.
Sobre os primeiros, os trabalhistas, fica assegurada a sucessão, isto é, a responsabilidade do adquirente do estabelecimento pelos débitos trabalhistas anteriores a alienação daquele, conforme se depreende dos arts. 2º e 448 da CLT, nada impedindo entretanto o empregado a demandar seu antigo empregador. Entende-se perfeitamente possível a livre disposição entre alienante e adquirente a respeito da responsabilidade pelos débitos trabalhista. Note-se entretanto que referida disposição terá eficácia apenas entre o alienante e o adquirente, para efeitos de ação de regresso na esfera cível por aquele que foi demandado pelo empregado, mas que não estava responsável nos termos do contrato de trespasse.
Por fim, quanto aos débitos fiscais, temos duas situações distintas. Se o alienante, após a venda do estabelecimento, deixar de explorar qualquer atividade econômica, responderá o adquirente pelas dívidas tributárias originadas da atividade desenvolvida no local do estabelecimento. Se, por outro lado, o alienante continuar a explorar qualquer atividade, mesmo que distinta da explorada no estabelecimento vendido, nos seis meses seguintes à alienação, responderá o adquirente apenas subsidiariamente pelos tributos decorrentes da atividade desenvolvida no estabelecimento até a data da transferência deste, ou seja apenas no caso de falência ou insolvência do alienante. Tal como mencionado em relação aos débitos trabalhistas, é possível a livre disposição entre alienante e adquirente a respeito da responsabilidade em relação às dívidas tributárias. Referida disposição, entretanto, terá eficácia apenas entre o alienante e o adquirente.
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* Advogados do escritório Rayes, Fagundes & Oliveira Ramos Advogados Associados
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