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Alienação parental, ilicitude ou síndrome

Deve-se observar a conveniência de análise circunstanciada dos fatos, para a adequação tópica da incidência de ilicitude civil de atos da alienação parental, enquanto fato jurídico, ou mesmo de circunstâncias que apontem pelo diagnóstico da síndrome, como patologia.

31/1/2014

O tema da prova na alienação judicial desafia conferir a sua ocorrência como um novo e grave fenômeno de disfuncionalidade nas relações de família, cumprindo, antes de mais, atentar como a doutrina, a legislação e os sistemas judiciais tratam, com eficiência, da questão.

De saída, a alienação deve ser encarada como a desqualificação da conduta dos pais, feita por um deles, perante os filhos, denegrindo-se a imagem do outro genitor no interesse de prejudicar a relação afetiva paterno-filial.

No ponto, constitui ilicitude civil como abuso de direito do poder parental (artigo 187, CC), por importar abuso emocional do alienador e na sua consequência mais imediata, a destruição de vínculos afetivos existentes entre a criança e o pai alienado.

Aponta-la, todavia, como síndrome, em esfera de patologia psiquiátrica, implica um passo a mais, o que se apresenta como causa eficiente das práticas disfuncionais da alienação. Esses dois eixos de análise, no plano judicial, devem ser demarcados, a partir de uma necessária e conveniente diferenciação, por uma prova segura e capaz de infirmar as situações postas a exame.

De efeito, primeira questão essencial atine ao fato decisivo de que toda dissociação familiar conflituosa, a que decorre de rupturas conjugais ou de uniões de fato sem resolução consensual, permite instalar a alienação parental como fenômeno revelador da dilaceração crucial da família. Nada obstante a assertiva de que "família com filhos é para sempre".

Os primeiros atos de alienação atuam no espectro da crise pós-ruptura, tendentes de maior gravidade futura, por determinadas atitudes do progenitor guardião, apresentando-se, seguramente, a alienação como um processo insidioso e continuado. Nesse viés, alinha-se, como primeira evidência a prática turbativa e de impedimento ao livre exercício do poder familiar pelo genitor não guardião. Mais precisamente, o não direito ao direito de convívio.

Obstáculos a uma regular convivência com o filho, embaraços provocados ao regular exercício do direito de visita, estorvos frequentes a dificultar o poder parental do genitor, são atos alienadores iniciais e externalizados pelas visitas interceptadas.

No contraponto interno, em âmbito doméstico nuclear, o genitor guardião ao propósito da mais imediata alienação (AP), fornece as primeiras informações difamatórias do outro genitor, em desconstrução de sua imagem perante o filho. Lado outro, a síndrome da alienação (SAP), cumpre-se observada, em estágio mais adiantado, quando a manipulação do filho alcança resultados práticos, com prejuízos notórios à sua relação afetiva com o outro genitor.

"Assim, assumindo contornos mais graves do que a mera alienação parental", a exigir, "maior cuidado e precisão na identificação e tratamento destas situações por arte do julgador e dos especiais envolvidos."

Segue-se, aliás, admitir que a síndrome difere, acentuadamente, da alienação propriamente dita, por esta última representar, apenas, o comportamento do ex-parceiro, predominantemente a genitora por deter a guarda; em manifesta atuação ilícita e retaliatória (ilicitude civil); enquanto que a síndrome associa-se aos efeitos patológicos suportados pelo menor, padecente do controle totalitário do guardião, a ponto de desaprovar e rejeitar o outro genitor, anulando-o como referência.

Bem é dizer, com a jurista lusitana Filipa Daniela Ramos de Carvalho (5.2011) que "de facto, é de ressaltar que a distinção entre ambas as figuras (AP e SAP), direcciona a apreciação deste gênero de casos para sentidos diametralmente opostos atendendo à vertente médica ou jurídica em causa".

Efetivamente que, importando distinguir uma e outra, a prova cível assume diferenciais significativos, valendo adiante destacar estratégias de sua consolidação, para tornar incólume a realidade dos fatos em seu exato alcance.

Aqui não custa lembrar, em álbum histórico, dois pontos que devam, logo, ser sublinhados:

(i) O diálogo de fontes entre as ciências jurídicas e a Psicanálise tem sua origem, em junho de 1906, quando Freud proferiu palestra na Faculdade de Direito da Universidade de Viena, intitulada "A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos".

Pela primeira vez, acentuou-se a investigação clinica como prova cível, revelada a sua importância articulada, nomeadamente as que tratam da psicologia do testemunho, e dos psicodiagnósticos de situação. No caso, para orientar a decisão judicial, mediante "uma intervenção técnica especializada, segura e imediata, que possa levar a soluções confiáveis".

(ii) a seu turno, a "síndrome de alienação parental" nos seus aspectos clínicos e teóricos, definida e cunhada em 1985, pelo psiquiatra infantil norte-americano Richard A. Gardner, tem sua própria formulação controvertida, a partir da falta de fundamentos científicos e de investigação sistemática que embasem as hipóteses propostas, conquanto unicamente baseadas em suas próprias observações pessoais.

É que a teoria desenvolvida por Gardner pressupõe, de pronto, uma premissa-base de perversão de conduta do genitor alienante fundada, prioritariamente, nas falsas imputações de abuso sexual ou de maus-tratos cometidos pelo genitor alienado, a ponto de o menor assimila-las como verdade factível.

Em casos que tais, a psicóloga Maria Saldanha Pinto Ribeiro, presidente do Instituto Português de Mediação Familiar, adverte necessária a estabilidade da relação da criança com o pai, sem o regime de encontros vigiados, porquanto seu afastamento inopinado importaria em oportunidade de consolidar o próprio processo de alienação levado a efeito.

Noutro ponto, toda sua teoria, em menos palavras, intentou introduzir evidências de suposta síndrome, para dissimular, na prática, abusos sexuais de fato ocorrentes, sobre os quais se colocou ele "permissivo em relação aos contatos sexuais entre pais e filhos", como denuncia Maria Clara Sottomayor, da Escola de Direito do Porto da UCP.

Então, cumpre registrar, a essa altura, que o próprio Gardner, ao fim e ao cabo de quarenta anos (1963-2003) de trabalho de psiquiatria clínica, na divisão psiquiátrica infantil, da Universidade de Columbia, se suicidou em 25/05/03. Era ele um pedófilo.

Dito isso, realçada fica mais uma vez a conveniência de análise circunstanciada dos fatos, para a adequação tópica da incidência de ilicitude civil de atos da alienação parental, enquanto fato jurídico, ou mesmo de circunstâncias que apontem pelo diagnóstico da síndrome, como patologia.

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* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE, diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família e coordena a Comissão de Magistratura de Família.







 
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