O mercado de capitais brasileiro, seguindo tendências internacionais já sedimentadas em mercados mais evoluídos, mostra que é cada vez mais corriqueiro observarmos nas nossas companhias abertas estruturas que fogem à presença de um acionista majoritário ou totalitário, como ocorria no passado.
Hoje é uma tendência que o controle exercido por minoritários, ou mesmo pelos administradores da companhia, venha a se destacar em relação aos demais, em virtude do processo de pulverização das ações das empresas brasileiras.
Com a dispersão do capital e a presença de companhias sendo controladas por acionistas minoritários ou mesmo por seus administradores, passa a existir uma disputa pelo poder de controle no mercado, o que abre espaço para o desenvolvimento das operações societárias de aquisição do controle e de seu referido valor econômico, tais como as ofertas hostis, amplamente conhecidas como hostile takeovers.1
Para proteger as companhias abertas deste tipo de operação, importamos o instituto jurídico das poison pills, que é um instrumento jurídico adotado pela companhia com o intuito de dificultar a aquisição do poder de controle oriunda de uma oferta hostil – diretamente endereçada aos acionistas da companhia, sem consulta prévia à sua administração.
Tropicalizada, a estrutura do referido instrumento jurídico adquiriu nova forma no Brasil, sendo comum a sua apresentação por meio da obrigação de realização de oferta pública para a aquisição de ações a todos os acionistas da companhia, por preço acima do praticado no mercado, no caso de aquisição de certa porcentagem de ações, que varia entre 10% e 35%.
Haja vista a presença destas cláusulas nos estatutos sociais das companhias brasileiras, muitas discussões passaram a derivar desta. Uma das mais atuais concentra-se nas disposições acessórias que transformam a poison pill em uma cláusula inalterável ou impassível de supressão do estatuto social.
A referida disposição acessória é vista como uma cláusula que garante a manutenção da poison pill no estatuto social em razão da imposição de penalidade a todos os acionistas que tentarem restringir o efeito ou votarem favoravelmente em assembleia pela remoção ou alteração da cláusula poison pill no estatuto social da companhia.
Esta penalidade, extremamente dispendiosa, consiste na oferta pública para a aquisição de todas as ações da companhia, nos mesmos termos da oferta pública que deverá ser feita pelo acionista que disparar o gatilho da poison pill.
Em resumo, o acionista que for favorável à alteração ou supressão da referida cláusula, mesmo quando estiver agindo no interesse social, deverá realizar uma oferta pública para a aquisição de ações.
Contudo, estas cláusulas têm a natureza jurídica de pactos parassociais, ou seja uma convenção entre a companhia e os acionistas que tenham aprovado o estatuto social ou ingressado na companhia, concordando integralmente com os termos nele estabelecidos, não podendo ser consideradas normas organizativas da sociedade, com caráter associativo – ou seja – são passíveis de revogação por meio de acordo entre as partes que aceitaram em incluí-la em seu estatuto social por meio de votação em uma assembleia geral.
Assim sendo, apesar de toda a discussão do mercado acerca da aparente impossibilidade de supressão ou alteração das poison pills, entendemos que, em virtude do seu caráter parassocial, elas podem sim ser excluídas ou aditadas conforme o interesse social da companhia, mesmo com a existência de cláusula estatutária acessória que aparentemente impeça, com a imposição de ônus a quem isto sugerir.
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1 Aquisição do controle de sociedades por ações de capital aberto por meio de uma proposta de compra das ações representantes do poder de controle da companhia sem que tenha ocorrido qualquer negociação prévia de valores ou condições ou mesmo que exista qualquer intenção do acionista controlador em negociá-las.
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* Aline de Barros Franco Rodrigues e Maria Carolina La Motta Araujo Aniz são advogadas do escritório Almeida Advogados.