Migalhas de Peso

Nada além

O cronista migalheiro aclara porque as pessoas se eternizam não só pelas batalhas que vencem, mas também pelas renúncias que realizam.

27/1/2012

Edson Vidigal

Nada além

Quem não reage lisonjeado ante o reconhecimento público de alguma coisa boa pela qual se empenhou tanto e fez?

Às vezes nem é uma construção demorada ou uma história de vida marcada por atitudes ímpares.

Pelé não se notabilizou apenas como o bom exemplo de atleta, mas sobretudo pela lição que legou – essa de que fazendo o milésimo gol a pessoa deve sair do campo o quanto antes.

Muitos porque nem sabem a melhor hora de entrar em cena passam sem que tenham sido ao menos notados.

Augusto Matraga, personagem de Guimaraes Rosa, num dos contos de Sagarana, celebrizou-se, a meu ver, por esta frase – "Todo homem tem a sua hora e a sua vez". Não sei se Geraldo Vandré quis foi responder – "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

Vandré ao perder para Tom Jobim e Chico Buarque o primeiro lugar no Festival Internacional da Canção de 1968 e vendo os dois sendo humilhados por estrondosa vaia saiu em defesa deles – "Calma gente, a vida não se resume a festivais".

Em seguida mandou o seu "Para não dizer que não falei de flores", segundo colocado na opinião do Júri, mas o primeiro na preferência popular.

Isso prova que nem sempre a opinião da maioria popular é a mais certa. A canção do Tom e do Chico, falando de um sabiá otimista e esperançoso em voltar, evocava assim a volta dos exilados políticos ao Brasil, resumindo-se num dos primeiros hinos em favor da anistia. Um drible digno de um Garrincha à censura dos militares à época.

Já a canção do Vandré, ao contrário, pregava a retirada para o exílio ou para a luta armada – "Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer".

Daquele redemoinho de incompreensões e radicalismos nas opiniões o que restou mesmo foi o gesto de grande dignidade do Vandré pedindo que ouvissem com a calma o "Sabiá" do Tom e do Chico – "Calma, gente! A vida não se resume a festivais".

Essa frase do Vandré, para mim, se aplica a tudo na vida.

Mário Lago muito conhecido como ator de teatro e das novelas, ativista político preso algumas vezes na última ditadura, com um histórico muito respeitado nos meios intelectuais, disse que seu maior momento de glória pessoal foi quando, numa tarde, no Rio de Janeiro, passando por uma parada de ônibus, ouviu um homem do Povo assobiando uma de suas canções – "Nada além, nada além de uma ilusão..."

As pessoas se eternizam não só pelas batalhas que vencem. Se tornam grandes também pelas renúncias que realizam.

Winston Churchill, tendo liderado a vitória da Inglaterra contra o nazi-fascismo na segunda guerra mundial, não obstante, em seguida, perdeu as eleições e foi levar sua renúncia ao cargo de Primeiro Ministro ao Rei Eduardo VIII.

O Rei lamentou muito a derrota eleitoral de Winston e fez questão de recompensá-lo pelos relevantes serviços à Pátria. Falou que iria condecorá-lo com a Ordem da Jarreteira, a mais alta comenda que um monarca pode conceder a um herói no Reino Unido. O ainda Primeiro Ministro agradeceu recusando. Falou que o Povo inglês já havia lhe outorgado uma ordem mais forte – a "Ordem do Pontapé..."

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* Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA






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